Lançamentos
Lemonheads: música nova, gravada no Brasil, “Fear of living”
Lemonheads de volta: morando no Brasil, Evan Dando, líder do grupo, gravou por aqui a nova faixa da banda, o power pop country Fear of living. A faixa foi escrita ao lado de um músico que morreu em junho, Dan Lardner, vocalista e guitarrista da banda de indie rock nova-iorquina QTY.
“Eu me encontrei com Dan em 2022, ele me enviou Fear of living, adicionei alguns riffs e coisas assim, e ele disse que gostou. Sentirei sua falta, querido príncipe, sempre a pessoa mais digna da sala”, disse Evan em comunicado de lançamento.
A música é o primeiro lançamento inédito da banda em 17 anos – em 2009 e 2010, respectivamente, saíram os álbuns Varshons I e II, mas são discos de releituras. Evan também anunciou uma mini-turnê da banda em dezembro, apresentando os repertórios de discos clássicos como It’s a shame about Ray (1992) e Come on feel the Lemonheads (1993). Também vai rolar uma turnê solo a partir de fevereiro. Mas não há datas previstas para o Brasil por enquanto.
Crítica
Ouvimos: Lestics, “Bolero #9”
- Bolero #9 é o nono álbum da banda independente paulistana Lestics. O grupo tem na formação Olavo Rocha (voz), Umberto Serpieri (violão, guitarra, bateria, percussão, teclados e backing vocals) e Marcelo Patu (baixo). O material foi gravado no homestudio de Umberto (em São Roque, SP), que também gravou e mixou todas as faixas.
- Olavo define o disco como “dez canções que falam da vida (do que mais poderiam falar?) e que também soam um pouco com ela, no sentido da singeleza e da baixa fidelidade. Porque este é (o que mais poderia ser?) um disco lírico e lo-fi”.
- Figura indispensável no disco novo (tocando vários instrumentos, gravando e mixando), Umberto estava fora do grupo desde 2012. “O disco não deixa de ser uma celebração sem nostalgia da sua volta”, diz Olavo.
Uma banda independente que existe desde 2007, nunca encerrou atividades e já está no nono álbum, é algo para se comemorar – e ficar de olho. O Lestics começou como um spin-off de outra banda interessantíssima de São Paulo, o Gianoukas Papoulas, e ganhou história própria, com direito a um design musical e lírico que se aproxima da criação de contos ou crônicas. E que, muitas vezes, aproxima o Lestics de bandas mais invernais, do underground britânico dos anos 1980.
Justamente por isso, o Lestics não é uma banda de rock comum – está mais para uma banda de rock mutante, que pode se aproximar do pós-punk em alguns momentos, ou do folk, ou do indie rock mais recente, sempre mantendo a liberdade musical como principal bandeira.
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O álbum Bolero #9 vai nessa onda, abrindo com o folk nostálgico e introvertido de Correnteza e Commedia de bolso, seguindo com o tom de cabaré de Elogio ao desfibrilador, a quase psicodelia do country rock Desculpe alguma coisa e a tranquilidade do alt-country Medo da vida (Revisitado), marcado por teclados e percussões de tom quase marítimo. Na parte final, o violão-e-voz de Enquanto houver tempo, mais próximo da MPB, mas filtrada via Fellini. E que vem seguida pela quase-bossa de A dança, pelo rock-balada de Ninguém deu em nada, e pelo final de festa paradisíaco e solitário de Último bolero – que lembra uma paródia de antigos jingles de bebidas, ou de canções nostálgicas que faziam parte da playlist pré-Spotify de avós e bisavós.
Vale dizer que um clima de fim do sonho (e de esperança após o fim do sonho) passa por todas as letras, como na redescoberta do amor de A dança, a positividade de Enquanto houver tempo (“nem tudo é coerente/mas tudo é pra sempre/enquanto houver tempo”) e a zoeira com antigas expectativas de Ninguém deu em nada (“nem gênio da raça/nem monstro sagrado/nem louco da praça/ninguém deu em nada”), o que dá um ar bastante conceitual ao novo do Lestics. E faz com que os dilemas de Bolero #9 sejam os de qualquer pessoa, a qualquer tempo.
Nota: 9
Gravadora: Independente
Crítica
Ouvimos: Nicolas Não Tem Banda, “Nicolas Não Tem Banda”
- Nicolas Não Tem Banda é o álbum epônimo de estreia da banda paulistana, que foi formada em 2014 na ocupação artística Ouvidor 63, considerada a maior ocupação cultural da América Latina. O grupo começou como uma dupla de voz e violão, e hoje é um quarteto, com Luiz Só (voz), Leo Satan (guitarra), Rodrigo S. (baixo) e Andy Marshall (bateria).
- O som do grupo abarca punk, new wave, black music, sons ancestrais, tropicalismo e até sertanejo raiz – o quarteto define seu estilo como “esquizomusic”.
- As músicas do primeiro álbum foram criadas durante as “hellsidências artísticas” do grupo na Ouvidor 63. O disco foi produzido por Rodrigo Ferreirinha e Leonardo Ferlin Dias, com co-produção de Gabriel Thomaz (Maxilar Music/Autoramas).
Tem algo que aproxima o Nicolas Não Tem Banda (nome ótimo, aliás) do que o Camisa de Vênus poderia ter representado no rock brasileiro dos anos 1980 – e de um inconformismo que o rock feito aqui já ostentou, e acabou cedendo para o hip hop e até para a MPB. É um clima, um design musical e ideológico, uma espécie de senha que une poucas bandas nacionais atuais (e ao Nicolas, eu somaria a música do grupo mineiro Lupe De Lupe).
Da mesma forma, existe algo “politicamente incorreto” no imaginário do grupo paulistano – só que da mesma forma perturbadora e incômoda que se esperou por vários anos que a incorreção cultural agisse, e não com o mesmo tom imbecil e reacionário associado a esse tipo de coisa. É o que já começa na introdução do disco – uma vinheta tirada das falas do psiquiatra Paulo Gaudêncio no programa Jovem Urgente (TV Cultura, anos 1960), antes da apresentação dos Mutantes tocando Panis et circensis na atração. O texto refere-se a “um adulto chato, quadrado, moralista, preocupado excessivamente com dinheiro ou só com dinheiro (…). Um adulto realmente nada atraente”.
O velho problemas dos adultos “caretas” e excessivamente preocupados com dinheiro se transformou: virou guerra entre jovens (de idade e de espírito) avançados e seres Chernobyl que adotam ideologias políticas bizarras e destrutivas. Tudo a ver com a música do Nicolas Não Tem Banda, que prossegue em seu álbum de estreia fazendo funk-rock vanguardista herdado de Titãs e Patife Band em Ódio, hardcore estranhíssimo em Borboleta di okupa, stoner pós-punk em Pássaro negro e Esquizosummer e blues rock de Satã em Buenos Aires. E mexe em fios de alta tensão em Cidades (“meu mestre é Jesus/as igrejas que se fodam”), Bissexual e Karen Dalton.
No final do álbum, o Nicolas investe em pós-punk estranho à maneira do Killing Joke em Lissen to me (que, aliás, foi inspirada, segundo a própria banda, na levada de I wanna be adored, dos Stone Roses). E vai para um clima selvagem e quase progressivo no single Espírito da floresta – cuja letra daria uma história em quadrinhos. Literalmente para ouvir no último volume.
Nota: 9
Gravadora: Maxilar Music
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Crítica
Ouvimos: Alas de Liona, “Gravity of gold”
- Gravity of gold é o segundo álbum da cantora e compositora Alas de Liona. O disco foi produzido por Rod Jones e ganhou lançamento também em vinil.
- Alas é californiana (nasceu e se criou na região do deserto de Mojave), mas vive hoje em Edimburgo, na Escócia. Foi para lá inicialmente para completar um curso universitário, mas desde o ano passado vive integralmente no país. Recentemente abriu shows em Edinburgo para Emely Sandé e Rufus Wainwright.
Definida como uma cantora de alt-rock e indie-pop, a californiana Alas de Liona apresenta bem mais do que isso em seu segundo álbum, Gravity of gold. A preocupação dela em manter uma ambientação sonora para cada faixa deixa seu som, às vezes, próximo das experimentações musicais de Laurie Anderson – especialmente nos vocais percussivos de faixas como Analogy e Summer rain, e no uso de teclados e programações em algumas faixas.
De modo geral, a ideia é apresentar um som celestial, próximo do dream pop e de uma noção mais tranquila e contemplativa (meio folk meio ambient, eu diria) de pós-punk. É o que rola em faixas como 19.3, o single Vine song e a quase dançante Driftwood. Já músicas como Materia medica e The miller chegam perto de uma espécie de r&b introspectivo e celestial
Em boa parte do álbum, fica bastante clara a vocação folk de Gravity of gold, com canções que se sustentam em voz e violão – e ganham guitarras com bastante eco, vocais introspectivos e etéreos, e pianos e teclados “espaciais” e solenes, como em The question, a balada The alchemist’s song, a soturna Promises e a própria Vine song. Uma grande descoberta.
Nota: 8
Gravadora: Deli Owner Records
- E esse foi um som que chegou até o Pop Fantasma pelo nosso perfil no Groover – mande o seu som por lá!
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