Connect with us

Cinema

Gaiola da Morte: o primeiro (e único) filme de kickboxers made in Brazil

Published

on

Gaiola da Morte: o primeiro (e único) filme de kickboxers made in Brazil

Se você era adolescente no final dos anos 1980, quando as videolocadoras se alastraram pelo Brasil afora e se tornaram uma verdadeira febre, você há de lembrar de pelo menos um filme com a palavra “kickboxer” no título: Graças ao sucesso no Brasil de Kickboxer – O desafio do dragão, um dos trabalhos mais famosos do Jean Claude Van Damme por aqui, as distribuidoras enxergaram ali uma galinha dos ovos de ouro e saíram colocando “kickboxer” em tudo quanto fosse possível, espremendo a laranja até o bagaço (com o perdão da metáfora hortifrutigranjeira)

E mesmo películas que não tinham nada a ver com o assunto ganharam títulos escalafobéticos como por exemplo American Ninja 4 (série que fazia razoável sucesso por aqui), que foi lançado nos cinemas e em VHS como O grande kickboxer americano – A aniquilação dos ninjas (!!!) ou a divertida série Operação Condor estrelada pelo Jackie Chan, que era uma espécie de versão bem humorada do Indiana Jones e que aqui se tornou Um kickboxer muito louco. Mas o que pouquíssima gente lembra é que até o Brasil tentou entrar nessa onda, com o obscuro A gaiola da morte (1992).

Quem teve a ideia foi Fauzi Mansur, produtor e diretor de diversas pornochanchadas sem noção na mítica Boca do Lixo, mas que, com a decadência de lá, se viu obrigado a atirar pra todos os lados na tentativa de ganhar uma sobrevida. Primeiro partiu pros filmes de sexo explícito, o que não deu muito certo porque, com o advento do VHS, o pessoal passou a preferir ver sacanagem na privacidade do seu lar. Percebendo que havia errado no timing, dirigiu um filme de terror em inglês para o mercado exterior chamado Ritual of death que também não deu em nada. Já bastante preocupado tanto com a saúde financeira quanto com a falta de perspectivas para o cinema nacional (Collor assumiu e extinguiu a Embrafilme), tentou sua última cartada aproveitando o filão do momento, produzindo um filme de pancadaria.

Para o papel principal, foi chamado Paulo Zorello, que na época era tricampeão mundial de kickboxing pela WAKO (World Association of Kickboxing Organization). OK, ele não tinha nem metade da fama e do reconhecimento que um Anderson Silva ou Vitor Belfort têm hoje em dia, mas era respeitado no meio e volta e meia era capa e/ou dava entrevistas em publicações voltadas às artes marciais. Esse foi seu único trabalho como ator e, assistindo A gaiola da morte é fácil entender o porquê, já que ele era tão expressivo quanto um poste, mas isso não vem ao caso; afinal, era um filme de artes marciais e nisso ele se garantia muito bem.

No elenco temos ainda várias pessoas que quase ninguém se lembra e. como maior “estrela”, Ênio Andrade, que se notabilizou por participar de obras como O olho mágico do amor e Onda nova (filme esse que viralizou no Youtube graças a uma cena onde uma mulher chega para o ex-jogador Casagrande e solta a pérola “eu sou virgem e queria que você me descabaçasse”). Na direção, foi escalado Waldir Kopesky, e isso pra mim beira o incompreensível, haja vista que tudo que ele dirigiu antes foram filmes pornôs de títulos como A noite do troca-troca e Minha égua favorita. Algo assim tinha tudo para não dar certo… e foi o que aconteceu.

O roteiro praticamente inexiste: um certo professor Yago sequestra lutadores de artes marciais dos quatro cantos do Brasil para gravar lutas numa gaiola (daí o nome, dããã!) repletas de armadilhas onde, como diria o Master Blaster em Mad Max 3, “dois homens entram e um homem sai”. Depois ele lucrava vendendo cópias das fitas no mercado negro. Desesperada com o sumiço de seu irmão, que foi raptado pelo tal Yago, uma mulher (interpretada pela atriz Claudia Abujamra) vai na academia do Paulo Zorello e pede ajuda a ele (não, você não leu errado; Paulo interpreta a si mesmo!) para descobrir o que houve.

Aposto que você que está lendo essas mal redigidas linhas e consumia filmes de artes marciais nos anos 1990 deve ter achado essa sinopse familiar, não é mesmo? Acredite, há uma razão para isso: Ela é um plágio descarado de O rei dos kickboxers, filme de 1990 que fez um enorme sucesso nos cinemas brasileiros. A única diferença é que na versão americana era um policial quem ajudava a irmã da vítima; já aqui, tudo parece ser um veículo para tentar transformar Paulo Zorello numa espécie de Van Damme tupiniquim.

Nesse momento você amigo(a) leitor(a) deve estar se indagando “tá, mas e a pancadaria? Funciona?” e eu, com muito boa vontade, vou dizer que sim, embora A gaiola da morte tenha defeitos tão gritantes que às vezes tenhamos que fechar um olho pra conseguir relevar. Os cenários são paupérrimos (parecem saídos do Chapolim ou do Chaves) e os efeitos sonoros, exageradíssimos (Os socos soam como tiros e os chutes parecem chicotadas) Porém, quando o assunto é a porrada propriamente dita, a coisa não deixa nada a dever para seus co-irmãos da época. Zorello, embora seja um desastre atuando, sabia muito bem o que estava fazendo na hora de distribuir sopapos e, quando o bicho pega, ele não faz feio.

A coreografia das sequencias parece um pouco desengonçada, mas se pararmos para pensar que ninguém envolvido na produção tinha experiência anterior com filmes do gênero, até que não está tão mal. E os últimos 30 minutos são simplesmente inacreditáveis, um verdadeiro festival de sopapo para tudo quanto é lado com direito até a um capoeirista que consegue desviar de tiros (!!!!) É insano demais, e, por isso mesmo, hilário!! É ver para crer!!

A lamentar, somente o fato de essa obra ter sido esquecida da maneira que foi. Além de ter passado em poucos cinemas, ainda foi lançado em VHS por uma empresa bastante obscura chamada Key Art e, se mesmo nos anos 1990, era difícil pra caramba encontrá-lo nas videolocadoras, imagina só achar um exemplar dando sopa por aí hoje em dia…para piorar, também nunca saiu em DVD, entretanto uma alma caridosa resolveu colocá-lo na íntegra no Youtube. A cópia não está das melhores, mas quem se importa? Vale mesmo assim como registro de uma época em que o cinema nacional não tinha lá muitos recursos e mesmo assim não tinha medo de ousar!

LUCIANO CIRNE é jornalista, flamenguista, casado, ama cachorros e aceita doações de CDs, DVDs, videogames e carrinhos!

Cinema

Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

Published

on

Ouvimos: Raveonettes - "PE'AHI II"

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.

Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.

Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.

Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025

  • Ouvimos: The Raveonettes – Sing…
  • Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
  • Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light

 

Continue Reading

Cinema

Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Published

on

Urgente!: Cinema pop – "Onda nova" de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.

Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.

O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).

Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.

Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.

*****

Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.

A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.

Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.

Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo –  caso ainda esteja em cartaz.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Continue Reading

Cinema

Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Published

on

Urgente!: Filme "Máquina do tempo" leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.

As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.

E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.

Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.

O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).

Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.

A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.

Continue Reading
Advertisement

Trending