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Entrevista: Ave Máquina volta com EP e show inspirados pelo sentimentos da pandemia

Ventre, o EP novo da banda carioca Ave Máquina, é fruto de um crowdfunding, pelo qual a banda financiou a gravação e a produção feita por Jr Tostoi. Também é fruto da pandemia, já que duas faixas foram compostas durante o isolamento, e as canções escolhidas conversam com os sentimentos que o grupo teve nessa época. O Ave Máquina, influenciado desde sempre pela vanguarda da música popular brasileira, retorna também influenciado pelo steampunk (estilo da ficção científica que aborda o impacto das tecnologias) e por filmes como Waterworld – O segredo das águas e Mad Max, explorando imagens bastante apocalípticas.
“Nosso novo trabalho chega para dizer que com a pandemia ninguém passou ileso e todos nós mudamos de alguma forma”, diz a vocalista Katia Jorgensen, que divide a banda com Rafael Monteiro (baixo), Fiu (bateria) e Yuri Ribas (guitarrista). O disco chega a público nesta sexta (14) tanto nas plataformas como no show de lançamento no Teatro Cesgranrio, no Rio de Janeiro (mais infos sobre o show no Instagram da banda). Vai ser a última apresentação de Yuri, que passa as seis cordas do grupo para Rafael Oliveira. E nós batemos um papo com a banda sobre o disco.
Como foi contar com o apoio dos fãs no crowdfunding, numa época em que estava rolando uma crise braba no país (e no mundo, claro)? Houve algum momento em que pensaram: “pô, não vai dar certo…”?
Fiu: Foi lindo, emocionante. Acho que um sentimento de acolhimento, era uma oportunidade única e sem a ajuda deles não íamos conseguir. Dentro de um período tenso, perceber que tinham pessoas acreditando e apoiando o nosso projeto nos deu mais motivação pra acreditar. E sim, a princípio fiquei inseguro, até pela condição que eu me encontrava, que as pessoas ao meu redor se encontravam, era difícil acreditar que íamos conseguir. Descobrimos que temos um público maravilhoso e isso é especial demais.
Rafael: De fato deu uma insegurança. Mas tentamos ser realistas dentro do orçamento que poderíamos conseguir. Vimos o mínimo que precisávamos para lançar esse projeto com a qualidade que queríamos e fizemos uma campanha forte.
Mesmo com as novas tecnologias, vocês diriam que ainda é caro gravar bem um disco? No que o montante do crowdfunding foi aproveitado?
Fiu: Investir em música é caro. Parafraseando o Rodrigo Amarante, “pra ser músico no Brasil precisa ter dinheiro”. E o investimento começa desde ter um bom instrumento até pagar os ensaios. Gravar um single já é caro, um EP mais caro ainda e quem dirá um disco. A tecnologia até deixou as ferramentas mais acessiveis, além dos programas há bastante material, cursos e interesse. Temos o exemplo do rap, do funk.. A molecada se produz e se lança. Mas ainda sim a expertise, a experiência e os equipamentos profissionais disponíveis fazem a diferença no resultado final. Pudemos acompanhar isso nesse EP. O que conseguimos ganhar no crowdfunding foi somatizado com o que já tinhamos em caixa então foi possivel pagar a gravação e a masterização.
Como foi trabalhar com o Jr Tostoi no disco e como surgiu a ideia de chamá-lo?
Katia: Trabalhar com Tostoi já era um sonho de muito tempo. Sempre fui fã das guitarras, timbres e do bom gosto dele. Além de depois de ter conhecido ele e o achar o cara mais divertido de todos os tempos. Nos conhecemos nos bastidores de uma participação que eu faria no show do Fernando Holanda. Ele estava por lá na passagem de som e ficamos uns 10 minutos conversando. Parecia até que já nos conhecíamos! Depois disso, tentei fazer com que ele produzisse meu primeiro disco solo – que ainda sairá em algum momento, creindeuzpai – mas acabou não rolando o edital que esperávamos.
Aí pintou a ideia de chamá-lo pra produzir essas 4 faixas do EP, por meio de um crowdfunding e foi maravilhoso. Foi uma sinergia incrível. Alguns dias de muito encaixe, muita descoberta. Tostoi é de uma generosidade viciante. Ele dirige o trabalho de uma forma que parece que nada está acontecendo. Isso porque ele deixa as coisas fluírem da maneira certa. Ele sabe tirar o melhor de cada um. Um gênio mesmo na liderança de todo processo.
Rafael: Quando Kátia nos apresentou a ideia de trabalharmos com o Tostoi, já conhecia seu trabalho como artista e produtor, então claro que adorei a ideia. Antes de começarmos a gravar o EP, ele foi nos nossos ensaios e conversamos sobre música. Quando finalmente começamos a gravar a sintonia já era total. Ele é um cara muito criativo e aberto a novas ideias e soube bem como se conectar rapidamente com a banda. O resultado dessa energia é perceptível no som que fizemos.
Fiu: No início foi assustador. Nunca tinha trabalhado com um produtor que chegasse junto. Já parou pra olhar o currículo do cara? Mas desde o primeiro contato o Tostoi foi um cara super amoroso. Chegou pedindo licença, respeitando o nosso processo de criação e nos recebendo muito bem em seu estúdio. Saí dessa experiência apaixonado.
Falem um pouco de como o conceito do steampunk entrou na história de vocês.
Katia: O conceito steampunk entrou na minha vida há alguns anos por meio de um conhecido. Ele curtia essas vibes RPG, steam punk, games etc… Eu achei a estética muito foda. Depois que vivemos a pandemia, eu pensei que o visual da banda tinha que passar por esse lugar da destruição, da guerra, do apocalipse e lembrei muito do filme Waterworld e Mad Max primeira versão – acabei esbarrando na segunda com Charlize Theron e amei aquela figura feminina tão poderosa. Achei que as cores e todo visual tinham a ver com a proposta do EP e lembrei da teoria steampunk.
Começou a tudo se encaixar na minha cabeça. Essa teoria de que as máquinas seriam movidas a vapor me trouxe essa sensação de que o mundo precisaria se reinventar depois da pandemia, depois do “fim do mundo”. Me fez refletir sobre como os seres humanos podem renascer. E aí o visual apocalíptico, a reinvenção das máquinas, as engrenagens do steampunk, tudo isso se somou ao som reflexivo e quase melancólico do álbum. Surgiu então Ventre, que seria o renascimento desse novo ser humano depois do fim do mundo.
Tem três músicas feitas durante a pandemia no disco… Que aspectos da pandemia mais influenciaram a banda nessas composições?
Rafael: Na verdade apenas A outra mulher, da Kátia e Baque d’água, de minha autoria foram compostas totalmente durante a pandemia. As outras duas músicas foram escolhidas por acharmos que conversavam com os sentimentos que estávamos tendo que lidar naqueles tempos. Coisas como rotina, isolamento e solidão. Avenidas é uma música anterior ao grupo, mas tem uma melancolia e retrata uma solidão e uma necessidade de libertação que achei que encaixaria perfeitamente. O riff dessa música, esse sim, foi feito durante a pré produção do EP. Curiosamente ele foi composto pensando na música da Kátia. A Baque d’água foi a última canção composta e é a que abre o EP. É uma música inspirada nas canções praieiras do Dorival Caymmi e na música Meu baque é lento da Nação Porto Rico de Maracatu. Assim como Avenidas ela também usa a metáfora do mar e das águas como um caminho.
Fiu: Vou falar da Personagens de mim mesmo, que é uma música minha, criada antes da pandemia mas apresentada pra banda no momento em que decidimos tocar esse projeto do EP, durante a pandemia. Essa música tem como base questionar uma certa “romantização” do dia a dia. A vida não é uma novela, não é o filme que a gente gosta. É tão fácil se entupir de estímulos externos pra fugir de nós mesmos. É um olhar pra dentro, é compreender que tenho várias facetas, várias máscaras. Que com uns posso falar de um jeito, com outros me sinto mais a vontade, uns sabem que eu fumo e outros nem imaginam, olha quantos personagens… Na pandemia tivemos que, pela primeira vez, lidar com a gente mesmo, sem escolha. O mundo se acabando e todo mundo dentro de casa. O tanto de demônios que bateram na minha porta se apresentando, não foi brincadeira. Fui forçado a lidar com vários sentimentos, que facilmente a gente se desfaz numa pedalada. Então poder olhar pra si, como indivíduo mais também dentro de um coletivo. O que é ser para mim e o que sou para os outros?
A banda atualmente é o principal projeto dos integrantes? O que vocês vêm fazendo?
Katia: A banda tem um lugar de prioridade pra mim hoje. Pois tem muito trabalho autoral. Isso acaba me trazendo a vontade de que a banda cresça muito. Eu tenho alguns outros trabalhos paralelos. Atualmente sou idealizadora e diretora artística do Viva Gal, projeto dedicado a memória da minha ídola maior Gal Costa. Já tenho um trabalho de pesquisa sobre a Gal desde 2012 e depois com meu show Mãe em 2019, cantando só o repertório dela. Depois da morte da Gal eu resolvi fazer esse tributo e tem sido lindo. Tenho alguns singles lançados e feats nas plataformas. Também tenho projetos solos pro futuro mas por agora, Ave Máquina é minha prioridade
Rafael: Sou professor de música da rede pública do Rio de Janeiro. Então, além do privilégio que é ensinar música, posso me dar ao luxo de me dedicar artisticamente apenas ao que me interessa, sem ter que pensar num retorno financeiro rápido. Sendo assim, artisticamente a Ave Máquina é meu principal projeto, sim. Tenho também planos de lançar um álbum de um projeto de música infantil do qual sou um dos criadores, o Expresso Pindorama. O disco já está gravado, falta apenas uns detalhes finais.
Fiu: Infelizmente não. Apesar de amar muito essa banda o meu ganha pão é produzindo alimentos veganos e sendo feirante, pra complementar a renda. Mas sonho todos os dias poder um dia largar tudo pra viver dessa paixão que é a música.
O disco vai sair em formato físico? Como vocês estão pensando o lançamento?
Rafael: Não é uma ideia que descartamos, mas como grana é sempre uma questão delicada, preferimos investir na qualidade da gravação e deixar só no digital por enquanto. Dessa forma, o EP estará em todas as plataformas digitais a partir do dia 14 de abril.
Vocês foram influenciados pela vanguarda brasileira dos anos 1960 e 1970. O que essa geração tem pra ensinar a músicos novos, ainda mais nessa época em que tudo é algoritmo?
Fiu: Desde que conheci o tropicalismo – e isso me rendeu uma monografia – fiquei apaixonado com esse movimento de liberdade de expressão, da antropofagia atiçada, do canibalismo cultural. Nessa mistura de referências, não só no aspecto sonoro mas num todo. “É preciso estar atento..” e antenado.
Rafael: Uma coisa incrível dos tropicalistas e dos artistas de vanguarda que vieram na sequência é a capacidade de absorver elementos e influências que para a maioria pareceriam inconciliáveis. Misturaram o “brega” e o “erudito”, o “regional” e o “urbano” sem o menor pudor. Tudo é arte e tudo pode dialogar. Acho que isso é algo que eles tem nos ensinado desde então.
O que vocês têm ouvido ultimamente e o que tem entrado como influência no trabalho novo?
Rafael: Eu tenho me interessado cada vez mais pela música latino-americana de um modo geral. O Tostoi também tem esse interesse, então acho que rolou um alinhamento. Foi ideia dele dar aquele tempero latino em A outra mulher. De coisas mais atuais gosto muito da Natalia Lafourcade (México), Mon Laferte (Chile) e da Eruca Sativa (Argentina). Mas ando sobretudo fascinado pelo rock argentino. Caras como Charly García, Spinetta e as bandas que eles fizeram parte.
Fiu: Tenho ouvido muito dois grandes produtores do rap, Madlib e J Dilla. Mas tenho o hábito de ouvir de Miles Davies, Pharonah Sanders, Paul Desmond a Anelis Assumpção, Candeia, Planet Hemp, Gilberto Gil… Acho que estar numa banda de rock sem pensar – somente – como uma banda de rock é a liberdade que preciso pra compartilhar minhas influências com a Ave Máquina.
Katia: Minhas referências são louquésimas. Escuto de Nina Simone a Slipmami. Adoro a música como um todo. Não só a letra, melodia e harmonia. Eu gosto do que a artista tem a dizer. E todo mundo precisa de um porta voz do seu nicho. Isso me encanta. Ouvir o que a galera jovem quer falar. Meu repeat no Spotify é sempre diferente. Letrux, Duda Beat, Micah, FKA Twigs, Feist, Fiona Apple, Silvia Machete, Mary J Blige, Rosalia… e por ai vai.
Notícias
Urgente!: Talking Heads no mistério. Lupe de Lupe na tristeza. Novas de Pavement e Haim.

RESUMO: Talking Heads vão anunciar sabe-se lá o que na quinta-feira. Em 25 de julho sai reedição deluxe de More songs…., segundo disco do grupo. Lupe de Lupe lança o intenso single Redenção e anuncia disco novo. Pavement lança trilha do doc Pavements – e tem single novo. Haim lança single novo com clima nostálgico.
Texto: Ricardo Schott
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A bolsa de apostas indica que esse anúncio misterioso que apareceu no Instagram dos Talking Heads, mencionando a data de 5 de junho de 2025 (quinta-feira) é porque… a banda vai passar por cima de todo ranço acumulado e vai anunciar um show ou uma turnê.
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Por enquanto nada certo, embora seja uma data bem significativa: biógrafos dizem que foi em 5 de junho de 1975 que David Byrne, Tina Weymouth e Chris Frantz (ainda sem Jerry Harrison) fizeram seu primeiro show, abrindo para os Ramones no CBGB, em Nova York.
Uma outra novidade dos Talking Heads é que no dia 25 de julho sai uma edição turbinadíssma do segundo álbum do grupo, More songs about buildings and food (1978). Entre outras curtições, o set deluxe traz o disco remasterizado, além de 11 raridades (4 inéditas), um show ao vivo completo e inédito de 1978 gravado no Entermedia Theatre em Nova York e um livro de capa dura de 60 páginas.
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Nos comentários do YouTube, um fã da banda mineira Lupe de Lupe preferiu ironizar o novo single do quarteto, Redenção (Três gatos e um cachorro): “Muito boa essa metáfora sobre o fim do casamento do Zé Felipe e da Virgínia. Foi uma boa sacada de branding”. Mas a música, que dura quase dez minutos, não tem nada a ver com a separação da influencer e do cantor – e fala mesmo é da angústia do autor/vocalista Renan Benini após o fim de seu casamento.
Ao contrário das faixas de Um tijolo com seu nome, o experimental álbum anterior do grupo (resenhado pela gente aqui), a belíssima e dolorida Redenção une pós-punk e música pop, ruídos e sentimentos, climas herdados tanto de Joy Division e Interpol quanto da sofrência sertaneja. A faixa anuncia o próximo álbum da banda, Amor, que sai no dia 1 de julho pela Balaclava Records e pela Geração Perdida de Minas Gerais. O release do single, por sua vez, trata de zoar impiedosamente o que deveria ser um momento de (hum) marketing.
“A infame Lupe de Lupe é uma razoável banda de rock barulhento de Belo Horizonte, Minas Gerais, formada por 4 garotos que vieram do interior e se julgam bons compositores, no que se iludem”, afirmam, lembrando também que o grupo sumiu das redes sociais e só seus integrantes (Vitor Brauer, Renan Benini, Gustavo Scholz e Jonathan Tadeu) mantém perfis em separado. “Os pequenos e grandes produtores, críticos e músicos do país tendem a lembrar-lhes todos os dias que eles não são sequer uma banda”, zoam.
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Pavements, documentário sobre a banda Pavement dirigido por Alex Ross Perry, já rendeu trilha sonora com 26 faixas – uma mistura maluca de frases do filme, gravações ao vivo e trechos de ensaios. Uma das faixas é a versão do grupo para Witchitai-to, faixa composta pelo saxofonista de jazz norte-americano Jim Pepper e, em 1969, gravada por sua banda Everything Is Everything. Um curioso clássico da pré-new age e da psicodelia (cuja letra foi tirada do sincretismo religioso nativo do peyotismo), transformado num slacker rock mais perturbador ainda pelo grupo norte-americano. Ouça a versão do Pavement e a do EIE em sequência.
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Dia 10 de junho sai I quit, disco novo do Haim – ou das Haim, como se diz em Portugal. O single mais recente, Take me back – que vem depois de Down to be wrong, Everybody’s trying to figure me out e Relationships – mostra que o clima alegrinho das músicas anteriores continua, com uma ótima dose de nostalgia e de senso melódico extremamente pop.
Pode ser que esse papo de “me leve ao passado” soe até meio ingênuo, mas a ideia das irmãs Danielle, Este e Alana foi relembrar a loucura do ensino médio, quando elas estudavam na LACHSA, uma escola de artes gratuita de Los Angeles, e levavam uma vida maluca, caótica e cheia de diversão.
Daí versos como “Molly cagou na traseira da caminhonete / nem percebeu que estava muito chapada” e “Alana perdeu a cabeça quando teve um crush”, num clima sonoro entre o folk fofo, o pop e o punk – sim, porque as linhas vocais faladas lembram direto People who died, da The Jim Carroll Band, ou será que é viagem nossa? Ouça as duas em sequência aí.
Lançamentos
Radar: Quiçaça, Iorigun, Mildred Kid, Trio Solar, Fabio Brazza, Gustavo Galo

Semana começando e Radar nacional voltando, com seis músicas captadas pela gente nos últimos dias – a fila tá grande e cada vez mais chegamos a outros sons, cada vez mais outros sons chegam a nós. Ouça, escolha, compartilhe e faça sua playlist (Foto Quiçaça: Iago Caíque/Divulgação).
Texto: Ricardo Schott
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QUIÇAÇA feat LUIZ DE ASSIS, “ZUMBIDO DA MATA”. Aberto com um ataque de guitarras que lembra 21 century schizoid man, do King Crimson, a música do Quiçaça, essa banda de Arapiraca (AL), está bem longe do rock progressivo. É um reggae que traz várias outras misturas sonoras – entram na receita sons psicodélicos, cantos de trabalho, a música do Nordeste, o clima do agreste alagoano e a mística dos cordelistas, que influencia bastante o Quiçaça na hora de fazer as letras. Dichavadores de fumo de Arapiraca, EP do grupo, é definido por eles como um rito musical. Luiz de Assis, da banda Vibrações, participa de Zumbido da mata.
IORIGUN, “NÃO VAI VALER A PENA”. Essa banda de Feira de Santana (BA) tem dois EPs em inglês e agora, três singles em português. O terceiro, esse Não vai valer a pena, une climas herdados do pós-punk e do emocore, com uma guitarra solo distorcida permanentemente ressoando no canal direito, e uma letra que, segundo o vocalista e guitarrista Iuri Moldes, “funciona como mais uma peça do gigante quebra cabeça formado com as outras músicas (em português), trazendo notas de rodapé sobre o término de um relacionamento”. O clipe da faixa traduz bastante essa mescla de tédio e desespero.
MILDRED KID, “THE BAGGY JEANS DOESN’T MEAN ANYTHING”. Direto de Bragança Paulista (SP), o Mildred Kid chega com os dois pés na porta: estreia com o EP First four reggae kids e com o clipe dessa faixa que mistura zoeira punk, skate e energia de show marcado no “faça você mesmo”. Trazendo várias cenas em técnica de lomografia, com moldura redonda, o vídeo foi gravado no espaço cultural local Edith Cultura, em clima de festa e caos organizado – com direito a cenas extras com takes de rua e manobras de skate. Um clima ruidoso vindo do shoegaze também surge no som deles, com vocais e guitarras quase na mesma massa.
TRIO SOLAR, “SOLAR”. Esse trio de música instrumental nasceu da pressão criativa da segunda edição do projeto Encontros Instrumentais – uma série do Selo Sesc que propõe um desafio direto: reunir artistas da cena instrumental brasileira para compor e gravar três faixas em quatro dias de estúdio. Desta vez, quem topou a missão foram Debora Gurgel (piano), Vanessa Ferreira (baixo) e Vera Figueiredo (bateria) – três musicistas que nunca haviam tocado juntas.
O destaque do encontro é a música Solar, um samba em 7/8 cheio de curvas e invenção, que virou ponto de virada e nome do grupo recém-formado. A conexão foi tão intensa que o trio decidiu seguir em frente. O EP completo EIN 002 (o segundo da série do Selo Sesc) já está disponível nas plataformas e no Sesc Digital. Jazz, baião e samba-jazz ganham corpo e liberdade nesse encontro afiado entre gerações.
FABIO BRAZZA feat CRIOLO, “SONHOS”. Rapper, poeta, compositor e improvisador – e neto do poeta concretista Ronaldo Azeredo -, Fábio retorna com seu novo álbum, A roda, a rima, o riso e a reza, firme na mistura de rap, samba, sons eletrônicos e vivências pessoais, com participações de peso. Em Sonhos, parceria com Criolo, ele mergulha num rap afro-blues-gospel, reflexivo e urgente. A letra mostra como a rotina desgasta os sonhos (“um busão lotado é um cemitério de sonhos”) e fala da importância de recuperar o que é verdadeiramente nosso, num mundo onde até nossos desejos parecem moldados por algoritmos.
GUSTAVO GALO, “VIVER É FATAL”. Primeiro, vamos deixar que o próprio Gustavo explique a história de sua nova música. “Escrevi a letra de Viver é fatal no dia em que Gal Costa morreu. Eu estava a caminho de um show em que cantei poemas de Torquato Neto. Torquato e Gal morreram no 9 de novembro – ele em 72 e ela em 2023″, conta Gustavo, que tem Gal como referência maior na música.
A faixa, uma balada melancólica com ecos de blues e samba — fácil de imaginar na voz da própria Gal — surge como faixa bônus de Folhas_fruto, disco que junta os dois álbuns lançados por Gustavo em 2024 (Folhas e Fruto). A letra funciona como tributo e despedida, mas também como declaração de permanência: o som não morre. “Morrer com você no alto-falante / para mim é viver bastante”, canta Gustavo, em versos que soam como aceno carinhoso e testamento afetivo.
Lançamentos
Radar: Real Estate, The Dirty Nil, Snõõper, Ministry, Paul Weller, 61 OHMS, tudo junto

Felicidade é quando todas as bandas e artistas que a gente escolhe pro Radar têm nomes pequenos – e cabe todo mundo no título. Hoje tem Radar internacional, unindo novos e veteranos em torno da música nova – e, no caso do Ministry e do Paul Weller, do novo olhar sobre velhas canções. Divirta-se. Em tempo: esse texto era para trazer o clipe novo do Ministry, mas aparentemente ele foi censurado pelo YouTube (Foto Real Estate: Bandcamp).
Texto: Ricardo Schott
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REAL ESTATE, “EXACTLY NOTHING”. O Real Estate foi atrás das sobras e achou coisa boa: a coletânea The Wee Small hours: B-sides and other detritus 2011–2025 reúne lados B, faixas perdidas e outtakes desde o início da banda até o disco Daniel (2024). O nome do disco vem de uma música inédita feita nas sessões do terceiro álbum, Atlas (2013), e também acena pra um álbum clássico de Frank Sinatra. Uma raridade pra quem acompanha a banda de Nova Jersey desde o comecinho — ou pra quem quer descobrir as entrelinhas do som deles. Destaque para Exactly nothing, um B-side de 2012 que consegue ser ensolarada e misteriosa simultaneamente.
THE DIRTY NIL, “SPIDER DREAM”. The lash, quinto disco dessa banda punk canadense, tá marcado para sair no dia 25 de julho. Enquanto o álbum não chega às lojas, dois singles, Gallop of the hounds e este Spider dream, servem de vislumbre. A canção é uma balada soft, tranquila, mas trevosa.
Aliás, o cantor e guitarrista Luke Bentham disse que a inspiração da música foi um pesadelo – o tal “sonho de aranha”, do qual ele fala na letra, que tem versos como “ontem à noite eu sonhei que meu corpo estava coberto de picadas de aranha” e “o passado me parece um cemitério que visito todos os dias, faça chuva ou faça sol”. Outra inspiração foi o documentário Get back, sobre as internas do disco-filme Let it be, dos Beatles. “Me inspirei a usar acordes mais vibrantes do que costumo usar”, diz.
SNÕÕPER, “INCOGNITO”. Em 2010 surgiu uma ramificação do punk que logo ganhou a alcunha de eggpunk – na verdade era uma espécie de synthpunk, com herança direta de bandas como Devo e Sigue Sigue Sputnik e uso de teclados baratos. Essa banda de Nashville se considera parte dessa onda, recriando o punk e o hardcore a partir de baterias eletrônicas, teclados e um aparato de gravação que parece sempre disposto a distorcer o som.
Depois de um excelente disco de estreia, Super Snõõper, de 2023 (resenhado pela gente aqui), o grupo retorna com um EP exclusivo para o Bandcamp, Unknown caller – disco gravado em casa, com quatro faixas curtas. A zumbizante Crash out, single do EP, é bem legal – por sinal até o momento é a única que você vai encontrar nas plataformas mais conhecidas. Mas destacamos o clima caótico e intermitente da acelerada Incognito.
MINISTRY, “I’LL DO ANYTHING FOR YOU (SQUIRRELY VERSION)”. O novo clipe do Ministry, uma provocação explícita que chegou a circular pelo YouTube, foi retirado do ar sem qualquer explicação oficial. Quem teve a chance de ver, encontrou o sempre sombrio Al Jourgensen em um modo inusitado — e quase fofo. De terno rosa, marias-chiquinhas no cabelo, óculos em forma de coração e uma camiseta com os dizeres “Eu não sou adorável?”, ele revisita I’ll do anything for you, música da fase tecnopop da banda, regravada no bizarríssimo The squirrely years revisited – álbum dedicado a desenterrar o repertório inicial do Ministry, que ele sempre disse odiar (e que foi resenhado pela gente aqui). No vídeo, que agora só circula em alguns trechos (tem shorts no YouTube e este pedaço no Instagram da banda), há até uma montagem de Vladimir Putin e Donald Trump dividindo um espaguete, ao estilo de A Dama e o Vagabundo. Segue pelo menos o áudio.
PAUL WELLER, “LAWDY ROLLA”/”PINBALL”. Você já deve ter visto, mas não custa falar que vem aí mais um capítulo da trajetória de Paul Weller: o músico britânico anunciou o álbum Find El Dorado, só com releituras de canções que marcaram sua vida, com convidados como Robert Plant, Noel Gallagher, Hannah Peel. Tá previsto para 25 de julho e Weller fez versões de artistas como Richie Havens, Bee Gees e Kinks.
De nomes pouco conhecidos, tem a releitura de Lawdy rolla, música do The Guerrillas – um grupo de músicos de estúdio formado por feras como Manu Dibango (sax) e Slim Pezin (guitarra), que gravou essa “canção de trabalho” em clima jazzy num single de 1969. Essa e Pinball (single de estreia do cantor, apresentador e ator britânico Brian Protheroe) ganharam versões e já saíram como singles.
61 OHMS, “SIGN OF THE TIMES”. Essa banda californiana considera seu single mais recente algo entre “Radiohead, Coldplay antigo ou Muse com um toque moderno” – e faz sentido, mas tudo filtrado por um toque musical que vem lá dos anos 1990 e da paixão pela música-de-guitarra-e-ruído que as bandas da década tinham (entre elas o próprio Radiohead do disco Pablo honey, de 1993). Sign of the times ganhou também um clipe tão imersivo quanto a própria faixa.
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