Cultura Pop
Um papo com Marília Neves, a criadora do @capasderevistas

A julgar pelas previsões que estão sendo feitas para o mercado de revistas, há notícias ruins para quem continua frequentando bancas de jornal. Só que as revistas – e derivados – continuam dando meia volta e invadindo a web, às vezes de maneira completamente torta, com títulos antigos sendo relembrados. Lá fora, a conta do Twitter @pulplibrarian, por exemplo, faz a alegria de seus seguidores com threads excelentes sobre livros pulp, revistas e publicações antigas. Também faz muitos posts sobre outros aspectos da cultura pop (discos, programas de TV, etc).
Fifth insight: sic transit gloria mundi. You don't pay for Twitter, and some day they will switch it off. All your content will be lost and your followers evaporate. Like the samurai you should think of the inevitability of death every day, then go and do something heroic. pic.twitter.com/mvkCdFHBJ6
— Pulp Librarian (@PulpLibrarian) September 1, 2018
Dá para descobrir muito sobre como as pessoas pensavam, numa determinada época – ou o que elas toleravam – por intermédio das capas das revistas vendidas nas bancas. Muitos questionamentos que nem são feitos em 2018 (felizmente ou infelizmente) estavam presentes em capas de publicações dos anos 1970, 1980, 1990, por aí.
Transforme sua agressividade em sucesso #1974 pic.twitter.com/zd8FkG5KU5
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 20, 2018
Traduzindo: hoje, dificilmente algum editor deixaria passar uma manchete que pergunta algo como “devo bater no meu fllho?”. Ou: “A censura é necessária?” Há uns trinta anos, pode acreditar, você iria numa banca de jornal e acharia essas manchetes, além de outras que você jamais veria hoje. A Capricho já incentivou suas leitoras a escovar o cabelo para “agradar mais os garotos”. Quem tem entre 30 e 60 anos em 2018, é fruto de vários desses produtos jornalísticos.
No Brasil, um pouco do papel que cabe ao @pulplibrarian é feito pela conta @capasderevistas, que é atualizada por Marília Neves Viana, que tem 29 anos e mora em Brasília. Ela trabalha numa agência, tem acesso a publicações diariamente, mas boa parte do material que põe na conta vem de pesquisas pela web. Não apenas em sites especializados como também na maior fonte de material para malucos (as) por discos, livros e revistas antigas: o Mercado Livre. No dia em que proibirem a publicação de páginas inteiras por lá, muita gente vai deixar de movimentar o site.
Tem muitos posts lá que, com a ação do tempo, apontam para detalhes que hoje já devem ter sido esquecidos. Como o fato da revista O Cruzeiro ter perdurado por tanto tempo (até os anos 1980). Natália do Vale já esteve na capa da publicação em 1981, e foi definida como “tímida e agressiva”.
Vale a pena andar armado? #1981 pic.twitter.com/MwgtEDMmB2
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 22, 2018
Seios à mostra (e “concurso de seios e bumbuns”) na capa de outro exemplar.
A verdade sobre a vida sexual dos índios #1981 pic.twitter.com/hnlUSewmeY
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 22, 2018
Há capas que parecem ter sido feitas hoje. Mas não foram, não.
Como segurar seu emprego na crise #2008 pic.twitter.com/m6MlBNCghV
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 24, 2018
O ator Juca de Oliveira (ou algum sósia) preocupado com o cara lá de baixo em 1973.
Quem tem medo da impotência? #1973 pic.twitter.com/U0441fdv1w
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 20, 2018
Capricho impressa em 2013, com Anitta pós-teen falando em “garotos”.
Anitta
"Faço o que quero. O garoto que aceite." #2013 pic.twitter.com/9AmstZTbNG— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 20, 2018
Quando “sexo sem amor?” era um dilema cabeludo a ponto de ir para a capa de uma revista.
Sexo sem amor? Quase metade dos jovens aprovam #2002 pic.twitter.com/cgGEwyzS5o
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 19, 2018
Não tem só capas. Se você mal lembrava que em 1993 teve plebiscito para escolher entre presidencialismo e parlamentarismo, saiba aqui a opinião de Alcione sobre o assunto.
Gugu Liberato: 5 perguntas para Alcione #1993 pic.twitter.com/AlH4FlhxbG
— Revistas Antigas (@capasderevistas) September 17, 2018
Fomos bater um papo com Marília, criadora do @capasderevistas (que tem também uma toca no Facebook). Marilia sabe bastante da importância do seu trabalho e reconhece – o que é melhor ainda – semelhanças entre o que ela fez e o que o @pulplibrarian faz. E fala sobre como ela trabalha na conta.
Como você resolveu montar o Revistas Antigas?
Eu sou bem fã de história, principalmente da vida privada, política, celebridades e esportes e numa dessas buscas de Google da vida acabei me deparando com uns posts de revistas antigas e achei legal, porque acho incrível mesmo ver a história retratada no presente, sem que quem estivesse escrevendo aquilo pensasse no registro pro futuro (divaguei aqui hahaha). Enfim, volta e meia eu fazia essas buscas só por hobby mesmo e postava alguma coisa no meu Twitter pessoal. Calhou que um dia alguém comentou comigo por lá que eu era o @pulplibrarian brasileiro. Eu vi o perfil, gostei, percebi que não tinha nenhuma página específica sobre o tema no Facebook e comecei a postar.
Sempre colecionou revistas?
Meu gosto por revista começou com a assinatura de Veja que tinha na casa da minha avó, fora isso eu também acompanhava muito a Carta Capital que tinha na biblioteca da escola. Mas assinatura mesmo só tive de gibi da Panini e da Mundo Estranho quando era mais nova, hoje em dia é bem raro eu comprar.
Tinha alguma revista que você esperava chegar na banca, ansiosamente?
O Homem-Aranha Ultimate que meu amigo comprava e me emprestava mensalmente hahahaha.
Espera alguma hoje? Continua comprando?
Não, gosto muito da Piauí, mas ultimamente eu só tenho focado em revista antiga mesmo.
Você faz questão de informar que “nossos posts são feitos majoritariamente com buscas do Google e pesquisas em blogs especializados”. Rola muito pedido dos leitores? Ou de gente pedindo para comprar as revistas, achando que se vocês puseram as capas, elas estão à venda?
Sim! Muita gente pergunta se eu vendo revistas específicas, ou até se eu estou comprando alguma publicação antiga, daí eu resolvi colocar esse aviso pra sanar a dúvida do pessoal. Fora isso volta e meia alguém pede ajuda com trabalho de faculdade, mas quando eu sei como achar a informação eu sempre tento passar pra pessoa que pediu.
Tem muitas capas de revistas para garotas, como a Capricho, que hoje seriam consideradas machistas, com chamadas para reportagens do tipo “como agradar todos os garotos”, etc. Como enxerga esse tipo de coisa hoje?
Por um lado eu entendo isso como uma coisa de espírito da época mesmo, é até interessante ver pela ótica crítica que nós temos hoje, porque querendo ou não esse tipo de conteúdo moldou e acabou influenciando muitas meninas pra um lado ruim relacionado a padrão de beleza e não corresponder ao que a revista dizia que você devia ser impacta muito a autoestima. Ainda tem muita coisa pra melhorar, mas é bacana ver como já existe um estrato de representatividade na mídia.
Você lembra de alguma manchete (publicada no Twitter) que você achou particularmente distópica? Tem aquela capa da Realidade que tem a chamada “devo bater no meu filho?”…
Eu gosto muito das capas de revistas de tecnologia que tentavam adivinhar o futuro. E tem essa aqui com a Ana Paula Arósio adolescente, que eu só consigo seguir o meme e dizer que “caso as armas sejam liberadas, esse tipo de cena será normal”.
Pólvora Negra: o tiro do futuro #1988 pic.twitter.com/LVoU8OAKvN
— Revistas Antigas (@capasderevistas) August 30, 2018
Mas o que eu acho bem doido mesmo é propaganda, tem umas de cerveja que são incríveis, botam até criança no anúncio, dizem que é bom pro leite e etc. A Malzbier tem algumas das minhas favoritas.
Malzbier: excellente bebida para senhoras, crianças e pessoas fracas em geral #1933 pic.twitter.com/CFu9xZoNCz
— Revistas Antigas (@capasderevistas) April 27, 2018
"Virar" no trabalho só mesmo com Malzbier #1967 pic.twitter.com/6lqVz9rd6e
— Revistas Antigas (@capasderevistas) June 13, 2017
Malzbier – a cerveja doce para senhoras e crenças #Anos30 pic.twitter.com/nPh25sXA2Y
— Revistas Antigas (@capasderevistas) May 12, 2017
Você faz algum tipo de planejamento para os posts? Costuma seguir alguma ordem, do tipo “vou botar capa do tema tal porque ele está na moda”, etc?
Quando eu criei a página, normalmente eu tirava o domingo pra agendar os posts da semana inteira. Daí eu percebi que acompanhar o noticiário ou os temas do dia no Twitter geravam muito mais engajamento e comecei a publicar as capas de acordo com o que tá rolando na rede mesmo. Fora isso eu ainda faço planejamento pra algumas datas ou eventos específicos, foi o caso da Copa do Mundo, julgamento do Lula, dia dos Namorados. Se eu vejo que vai ter um dia que só vão falar do assunto tal já tento me antecipar.
Uma capa, mesmo que desacompanhada da reportagem que ela se destina a anunciar, tem peso histórico? Por que?
Claro. É um registro da época, né? Mostra o que era tão importante que virava o principal tema da publicação. E o que eu mais gosto em fazer esse trabalho e essas pesquisas é justamente isso, ver quem ou o quê chamava atenção, sei lá, em 1967, e que tipo de texto acompanhava essa pessoa ou tema.
Qual foi o post que teve mais repercussão até hoje?
No Facebook:
No Twitter:
Angélica em: o bolo pic.twitter.com/hUX8tqb0zz
— Revistas Antigas (@capasderevistas) May 16, 2017
E qual foi o que você gostou mais de ter publicado?
Em geral eu gosto muito de ver as propagandas, essa aqui é uma das minhas favoritas
Grave uma hot tape para a garota mais bonita da sua rua #1988 pic.twitter.com/oCpRR14SHQ
— Revistas Antigas (@capasderevistas) January 3, 2018
Também gosto muito das capas da Realidade, da Para Todos e da O Malho.
Tem ideia do que está fazendo mais sucesso hoje em dia no @capasderevistas?
Em geral propaganda dos anos 80 e revista de fofoca dos anos 90/2000 sempre repercutem bem, tanto no Twitter quanto no Facebook. Fora isso, quando eu consigo acompanhar as discussões do dia e posto alguma coisa acompanhando o timing vai muito bem.
Como você, que lida com revistas o tempo todo nas redes sociais, está encarando o fato do segmento “revista” estar enfrentando tantos problemas? Dá uma certa tristeza?
Com certeza, não só pela página, mas por apego afetivo também. Apesar de não comprar faz tempo, eu gosto muito de ler o material físico e sempre curti visitar banca e livraria. Torço muito pro mercado editorial conseguir se reinventar, as revistas contam um pedaço muito importante da história – e o mais importante aqui eu acho que é perceber o trabalho do ponto de vista de cada época.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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