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Ah, o folk japonês dos anos 1970…

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Ah, o folk japonês dos anos 1970...

Na virada dos anos 1960 para os 1970, nos Estados Unidos, quem queria se dar bem na indústria musical tinha um lugar para ir: Los Angeles. As gravadoras e os empresários estavam todos lá. E por um curto momento, na década, os nomes mais poderosos do mercado passaram a prestar atenção a um novo movimento de artistas.

Essa turma deixava de lado grandes experimentações progressivas e jams psicodélicas, e fazia canções simples, que falavam das agruras da vida: Joni Mitchell, David Crosby, Neil Young, Tim Buckley. As raízes estavam no folk da década anterior, incluindo artistas como Bob Dylan e os projetos anteriores desses próprios novos nomes, como Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young.

O que pouca gente sabia é que houve um movimento análogo a esse (e bastante inspirado nessa galera aí) lá no… Japão. Nos anos 1960, em Tóquio, uma rapaziada de olhos puxados e violão debaixo do braço corria para os cafés de Dogenzaka, distrito de Shibuya, para conferir shows de jazz e rock, e mostrar seu trabalho. Já a região de Kansai era o lugar dos artistas mais politizados e críticos do país.

Em torno disso, ainda gravitavam artistas mais ligados ao blues e ao rock psicodélico, que chegavam um tanto atrasados a um país cuja maior atividades nos anos anteriores tinha sido recuperar-se economicamente e transformar-se (a custa do que fosse) numa grande nação após a Segunda Guerra Mundial. Com vários protestos estudantis rolando em todo o mundo, essa galera constituiu o chamado angura (underground) local.

Se você não tinha a menor ideia de que rolava uma cena dessas por lá, o surpreendente selo Light In The Attic acaba de lançar o CD Even a tree can shed tears: Japanese folk & rock 1969-1973, só com algumas das canções dessa turma. Assim como acontecia no Brasil, que tinha até uma banda chamada Brazilian Bitles em rendição aos Beatles, o Japão tinha curiosamente uma banda chamada The Dylan II. Cujo nome, na real, vinha de um café ligado a onda folk music, dirigido pelos músicos.

A região de Kansai tinha também uma Joni Mitchell particular, Sachiko Kanenobu. Em Even a tree, ela aparece com Anata kara toku. Seu principal disco, Misora, saiu em 1972. Ela chegou a montar uma banda punk nos anos 1980, Culture Surprise.

E esse é um dos principais hits de Tetsuo Saito, cantor e violonista da cena de Dogenzaka, Ware ware wa.

Kazuhiko Kato, que depois fundaria a Sadistic Mika Band, é o responsável por uma das pérolas lisérgicas da coletãnea, a bela Arthur hakase no jinriki hikouki.

Conheça o Brian Wilson local, uma das maiores pérolas pop do Japão, Haruomi Hosono.

https://www.youtube.com/watch?v=kkOiiYo8w7U

Esse aí é mais um gol do Light In The Attic, selo localizado em Seattle. E que tem sido responsável tanto por descobrir pérolas do underground dos EUA e da Europa, quanto de cenas espalhadas ao redor do mundo. Entre os feitos da gravadora, ela relançou mundialmente os discos de Erasmo Carlos editados entre o fim dos anos 1960 e 1970. Repôs a fase chicken shack de Link Wray nas lojas – você já leu sobre isso no POP FANTASMA. E também relançou os discos de Sixto Rodriguez, cantor americano cuja história foi contada no documentário Searching for sugarman.

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Crítica

Ouvimos: Yves Jarvis, “All cylinders”

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Ouvimos: Yves Jarvis, “All cylinders”

All cylinders, quinto disco de Yves Jarvis, dura apenas 26 minutos. Se você decidiu ouvir esse disco por uma questão de tempo disponível no seu dia… prepare-se para chegar ao final lamentando que Yves não tenha decidido fazer um álbum duplo. Bom, pelo menos você pode decidir voltar ao começo e ouvir segundo por segundo do disco, para sacar todos os detalhes e referências de All cylinders, um álbum que parece homenagear, simultaneamente, a música brasileira (via Marcos Valle, Edu Lobo ou João Donato) e também toda a esquisitice impregnada em discos de Prince, Todd Rundgren e até Jack White.

Um texto publicado na Far Out Magazine explica que Yves passou um ano escutando apenas Frank Sinatra antes de terminar o disco, em busca da “clareza” que o cantor colocava em sua obra. Nem é impossível imaginar isso: músicas como Gold filigree são pop easy listening de FM texturizado, e a faixa-título tem algo de Burt Bacharach escondido, sob uma argamassa de folk pop sonhador. Mas em boa parte do tempo, o clima é outro.

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Na abertura, With a grain oferece jazz “brasileiro” com cara nordestina e caudalosa – ate que depois a música se torna uma espécie de jazz indie rock. One grip e I’ve been mean são versões “experimentais” do boogie no estilo de Prince. Decision tree faz o mesmo com o pop adulto, trazendo palminhas no estilo de uma canção pop oitentista, um batidão que lembra Queen e o já citado Prince, e guitarras que lembram todas as matrizes do pop adulto nacional dos anos 1980 (de Michael Jackson a Marillion, passando por The Police).

All cylinders caminha também para o pop espacial em I’m your boy; para folk e vozes gospel na cola de Bee Gees e Earth, Wind and Fire em Luck’s last luster; para um som agridoce e psicodélico que lembra as influências de Joni Mitchell na obra do já bastante citado Prince (a curta Warp and woof). E migra para algo próximo do pós-disco em The knife in me. Nessa faixa, tudo soa como uma trilha de desenho animado, ou uma vinheta feita de brincadeira, com instrumentos da turma da Mônica.

Uma tendência da música feita hoje em dia é que certos álbuns não são realizados como há 20, 30 anos: o artista prefere que o disco seja um manifesto, com várias referências, vinhetas “climáticas” e canções que muitas vezes morrem no ar, abruptamente. All cylinders leva esse pós-pós-modernismo musica à categoria de arte, vamos dizer assim.

Nota: 9
Gravadora: In Real Life Music
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Ana Cañas, “Vida real”

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Ouvimos: Ana Cañas, “Vida real”

Fazer uma turnê e um disco em tributo a Belchior mudou a vida de Ana Cañas – a cantora e compositora vinha de alguns discos que não renderam sucesso o suficiente, foi colocada de volta no mainstream, ganhou mais fãs e viu chegar uma nova lenda pessoal para o seu trabalho.

Vida real, disco novo, tem ar de relato de todas essas experiências, envolvido num pop-rock adulto com muitas referências de Rita Lee e Ney Matogrosso. E, sintomaticamente, dá super certo quando Ana tenta soar mais visionária e existencial, da mesma forma que Belchior soava, ou que Rita e Raul Seixas soavam. Isso rola na faixa-título do disco, uma balada com ar de talking blues, com versos como “senti o amor das pessoas que muito têm / porque não possuem nada / e eu vi a mulher da vida vivida / me estender a mão”. Acontece também no bittersweet de Cicatriz, pop acústico folk, triste e ótimo; no clima quase grunge da estradeira Vai passar; e no pop-rock jovem, funkeado e feminista de Toda mulher é além (esta, com versos como “meu cabelos são cor de fogo / eu sou braba e o mundo é louco”).

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Esse clima também paira sobre Derreti, com participação de Ney Matogrosso, e com prosódia musical de quem viveu a MPB dos anos 1990 e 2000 (tem algo de rap nas linhas vocais da faixa, inclusive), e sobre o feminejo de Amiga, se liga, com Roberta Miranda. O lado mais romântico do disco, de Quero um love e Brigadeiro e café (essa, com participação de Ivete Sangalo) é que soa meio repetitivo, precisando de um retrabalho – são músicas que serviriam bem como temas de novela, pensados para personagens específicas. Nando Reis ressurge no repertorio de Ana com a (boa) gravação da mediana O que eu só vejo em você.

No final, Vida real fecha o ciclo com a bela Do lado de lá, uma canção triste feita por Ana para o irmão que morreu em 2013. É a hora de Ana Cañas se conectar cada vez consigo própria e com sua história, potencializada pelos últimos movimentos em sua carreira.

Nota: 8
Gravadora: Soul Rica Records
Lançamento: 4 de abril de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Melvins, “Thunderball”

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Ouvimos: Melvins, “Thunderball”

Sequência da formação alternativa “Melvins 1983” – em que o vocalista e guitarrista Buzz Osborne se junta ao baterista original da banda, Mike Dillard – Thunderball é praticamente uma sequência do disco anterior dos Melvins, Tarantula heart. Não que isso seja ruim, ou que se trate de um disco repetitivo, e em se tratando do duradouro grupo de Seattle, o mais fácil é imaginar sempre alguma surpresa aparecendo, quando menos se espera por isso.

De qualquer jeito, fica a impressão de que num futuro próximo o Melvins vai se tornar algo bastante parecido com o Guided By Voices: discos lançados em cascata, e mesmo que os álbuns novos tenham elementos parecidos, são algo que você sempre vai querer escutar. Thunderball, como o anterior, tem faixas enormes (são 5 músicas em 34 minutos), e um subtexto blues-metal-grunge especial passando pelas faixas.

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Além do interlúdio ruidoso de Vomit of clarity, a mais diferentona do álbum é Victory of the pyramids, uma espécie de metal pós-punk, que parece inicialmente um cruzamento entre Black Sabbath e Joy Division – e ganha um aspecto mais progressivo logo depois, remetendo a bandas viajantes e podres como Hawkwind. Uma música (de 9m36) realmente bonita e pesada, num disco que Buzz definiu, num papo com o site Scream & Yell, como “bombástico”, e simultaneamente, melódico.

No restante, Thunderball traz metal filtrado pelo grunge em King of Rome, ritmos quebrados e psicodelia em Short hair with a wig e compassos incomuns no punk blues metal de Venus blood. Pode não reinventar nada, mas também não precisava: os discos do Melvins são desafiadores até quando não pretendem ser.

Nota: 8,5
Gravadora: Ipecac Recordings
Lançamento: 18 de abril de 2025.

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