Crítica
Ouvimos: The Kills, “God games”

- The Kills é uma dupla formada pela cantora norte-americana Alison Mosshart e pelo guitarrista britânico Jamie Hince. God games é o sexto disco dos dois, produzido por Paul Epworth e lançado pela Domino.
- Inicialmente, o material surgiu de uma ideia de Paul Hince: fazer um projeto paralelo que não se parecia com The Kills, até ele perceber que, sim, o material se parecia com a banda.
- As músicas foram começadas em 2019. O release do disco publicado no site da Matador cita o velho ditado “enquanto você faz planos, deus ri deles”, ao comentar que a banda deparou com a pandemia assim que começou a fazer o disco.
- Por acaso, o disco foi gravado numa antiga igreja: ou melhor, num tradicionalíssimo estúdio londrino construído numa igreja desativada em Crouch End, o The Church Studios, que já foi de propriedade de Dave Stewart, dos Eurythmics, e hoje pertence ao produtor Paul Epworth.
Tem textos por aí citando o lado espiritualista do disco novo da dupla The Kills – um “lado” que, de fato, serve apenas como um recado nesse God games, a partir da capa, com uma pintura de cena de tourada. Nomes como “deus”, “paraíso”, “inferno” surgem nas letras como imagens quase existenciais, ou no rancor amoroso de músicas como a genial Love and tenderness (“doces sonhos o cacete/quero de volta todo o meu amor e ternura/todos os pensamentos e orações/que sua cruz seja carregada”) e a faixa-título (que põe vida na imagem do lay out do álbum). Se tem religião aqui, quase sempre é um credo romântico e sombrio, que lembra antigos blues ou músicas de bandas como Siouxsie and The Banshees (a voz de Alison Mosshart, a cantora dos Kills, lembra em vários momentos a da cantora de Cities in dust).
Surgidos do encontro de gerações (as idades Alison e o guitarrista Jamie Hince são separadas por dez anos de diferença), os Kills são uma banda vanguardista surgida em 2001. Uma época em que era ótimo e lucrativo ser “alternativo” e criativo, duplas começaram a surgir como se fossem bandas (reduzidas a guitarra e bateria), o jogo pop-rock abarcava artistas com estética vintage (Amy Winehouse, Adèle, James Morrison) e discos supostamente “orgânicos” eram tão mexidos digitalmente que, em vários casos, mal dava para saber onde terminava uma coisa e começava outra. Seu rock-blues-soul de garagem “de estúdio”, com técnicas avançadas de gravação/mixagem, climas quase cinematográficos, programações e timbres estudados, volta com peso e força no sexto disco, com uma ou outra faixa boa de pista, como o single Wasterpiece, o rock eletrônico Bullet sound e o soul New York, que traz sons artificiais e sujos onde, lá pelos anos 1960 ou 1970, haveria metais.
Em God games, tem ainda o clima sensual e provocativo de Love and tenderness, o tom nostálgico do spiritual My girls, my girls, o som punk e lento de 103, e muita coisa mais próxima da imagem de uma dupla pop sessentista, só que com roupas de couro e sensação de perigo. No final, o credo verdadeiro da banda: um soul abolerado, Better days, com melodia sombria e distorcida, e letra esperançosa (“o destino está em nosso caminho/mas ficaremos bem, se deus quiser”).
Gravadora: Domino Records
Nota: 8
Foto: Myles Hendrik/Divulgação
Crítica
Ouvimos: Luvcat – “Vicious delicious”

RESENHA: Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: AWAL
Lançamento: 31 de outubro de 2025
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Luvcat é a segunda encarnação – e o segundo ato de carreira – da britânica Sophie Morgan Howarth, nascida em Liverpool em 1996, e que tem três EPs de folk alternativo lançados como Sophie Morgan. Rola um subtexto pós-punk/britpop na história dela: ainda com seu nome anterior, ela abriu uma turnê dos Waterboys e foi ajudada pelo baixista do The Verve, Simon Jones. Luvcat, seu novo nome artístico, é uma referência ao sucesso do The Cure, The lovecats.
Vale citar que folk e pós-punk são estilos que até aparecem em Vicious delicious, estreia de Luvcat, mas são secundários ou terciários num manifesto pop que, basicamente, é tão nostálgico da velha Hollywood quanto os discos de Lana Del Rey, e tão “lânguido” quanto Lana e Billie Eilish – e cuja estética mexe com as mesmas estranhices pop de vários lançamentos de hoje.
- Ouvimos: Angélica Duarte – Toska
É um álbum pop, feito com um alvo à frente, mas com princípios básicos que o tornam às vezes mais próximo do art-pop, como na sexy e latina Lipstick, no soft rock Alien (música sobre inadequação, drogas e introspecção, com versos como “sempre fui uma de nós / garotinha verde em seu próprio mundo”), a experimentação reggae-pós-punk-gore de Matador (“eu queria amor / mas você quis sangue”). E na onda sofisticada de Dinner @ Brasserie Zedel, com heranças da música francesa, e He’s my man, alt-folk com recordações de Jacques Brel, Scott Walker e David Bowie do começo.
Tem um lado sombrio no disco, como no folk mórbido de Laurie, música de amor tristonho com metais, violão e cordas. Ou na vertigem de The Kazimier Garden, e ono clima meio Siouxsie + David Bowie de Emma Dilemma. Faz parte da lista de sensações visitadas por Luvcat, no disco, embora haja também uma canção que poderia concorrer ao Eurovision (a faixa-título) e algo que faz lembrar o lado praiano e desértico do Roxy Music (Love & money).
Lá pelas tantas, dá para se perguntar até o que o dispensável hard rock country Blushing, que lembra Bon Jovi, está fazendo no disco, já que Vicious delicious, mesmo com uma certa confusão conceitual e musical, tem lados melhores para apresentar.
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Crítica
Ouvimos: Ira Glass – “Joy is no knocking nation” (EP)

RESENHA: EP maníaco do Ira Glass, Joy is no knocking nation mistura pós-hardcore, math rock, fanfarra sombria e ataques free-jazz, criando uma avalanche ruidosa, tensa e coesa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Fire Talk
Lançamento: 14 de novembro de 2025.
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Vindo de Chicago, o Ira Glass vive de causar estranhamento: é um quarteto escoladíssimo no pós-hardcore e no math rock, mas que às vezes, parece estar querendo repetir eternamente o final de 21 century schizoid man, do King Crimson, com aquele ataque free-jazz de guitarra, baixo, bateria e metais.
Joy is no knocking nation, segundo EP da banda, é basicamente um disco de rock experimental maníaco, soando como uma fanfarra sombria em faixas como It’s a whole “Who shot John” story – faixa, que curiosamente tem vocal em clima grunge e destruidor, chegando a lembrar Alice In Chains. Essa onda de fanfarra do mal chega no seu ápice em fd&c red 40, repleta de vocais guturais e gritos mais chegados do screamo, e no stoner tenso e quebradiço de New guy (Big softie). Nem precisa falar que nomes como James Chance, Wire e Swans pairam sobre todo o repertório do disco, e que o próprio Fugazi, com suas quebras rítmicas, também é citado aqui e ali.
Jill Roth, saxofonista da banda, é um dos responsáveis pela tal cara free-jazz que o Ira Glass tem – e que, felizmente, não surge forçada nem mesmo quando é inserida em momentos mais pesados do disco. Fritz all over you é o mais progressivo e suave que o grupo parece querer soar, mas sempre numa onda sombria. No fim, That’s it/That? That’s all you can say?, entre gritos e vocais demoníacos, soa como uma música tocada ao contrário, uma roda de ruídos presa numa corrente igualmente ruidosa. Uma porrada bem elaborada, mesmo quando parece que tudo saiu do controle.
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Crítica
Ouvimos: Jerk – “As night falls”

RESENHA: Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: DeepMatter Records
Lançamento: 14 de novembro de 2025
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Com um nome artístico bem autodepreciativo, Jerk (ou Joshua Kinney, seu nome verdadeiro) pode soar como um daqueles sujeitos que falam da alegria e da tristeza do perdedor – pelo menos quando a gente lê o nome dele por aí. Nada a ver: As night falls, seu novo álbum, é basicamente uma mescla de soul, smooth jazz, jazz fusion, drum’n bossa, city pop, sons psicodélicos e MPB instrumental transante na onda de Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Nas oito curtas faixas do disco (que dura 20 minutos), ele toca de tudo: guitarra, baixo, flautas, saxofone, sintetizador, piano Rhodes – a bateria fica com a amiga e colaboradora Martina Wade.
As night falls é a primeira parte de um projeto dividido em dois discos (ele fala que são dois EPs, mas o disco figura como álbum nas plataformas). Aliás, ele também diz aqui que cada lançamento representa “dia” e “noite”, e que se lançasse as 16 faixas de uma só vez, o disco poderia nem ser tão ouvido, já que é “difícil captar a atenção das pessoas hoje em dia”.
Seja como for, As night falls captura a atenção imediatamente, especialmente de caçadores de raridades nos sebos. A faixa-título abre com violão e flauta, chegando a lembrar Dori Caymmi – até que ganha programação eletrõnica e som comandado pelo piano elétrico e pelos beats enérgicos. Dance beneath the dripping moon e o soul latino Stealthy, she moves! soam como sobras jazzísticas de Robson e Lincoln. Incoming, A divine wrath e Set adrift são jazz fusion psicodélico e vaporoso.
Wading, com percussão relaxante e clima quase espacial, tem tom musical de mergulho – segundo o próprio Jerk, que quase pôs na faixa o nome de “underwater” (subaquático), e decidiu dar à faixa uma cara diferente e experimental, usando pedais de guitarra em todos os instrumentos. Emergence and reckoning tem beat brasileiro, som derretido (com guitarra parecendo que vem de uma fita antiga) e metais. Uma viagem sonora daquelas.
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