Crítica
Ouvimos: Pretenders, “Relentless”

- Relentless é o décimo-segundo álbum dos Pretenders. Todas as doze faixas são de Chrissie Hynde e James Walbourne. É o segundo disco da banda composto por eles (o primeiro foi o anterior, Hate for sale, de 2020). E o primeiro pela Parlophone.
- Os Pretenders em Relentless são Chrissie Hynde (voz, guitarra), Martin Chambers (bteria), Nick Wilkinson (baixo), James Walbourne (guitarra solo, teclados, backing vocals) e Eric Heywood (guitarra pedal steel, backing vocals).
- O material foi composto por Chrisse e James remotamente. “Desenvolvemos esse método de trabalho remoto e parecia que continuamos fazendo isso para este álbum. Isso é algo que aprimoramos para uma arte nos últimos anos. James sempre vem com algo que eu mesma não teria pensado”, contou Chrissie.
- Sobre o título do disco (“implacável”, em português), Chrissie disse que ele fala sobre “a vida do artista. Você nunca se aposenta. Você se torna implacável”, conta. “Gosto de ver os vários significados e origens de uma palavra. E gostei da definição: ‘Não apresentando diminuição de intensidade’”.
Chrissie Hynde pode dizer tranquilamente que, no novo álbum, ela entregou para os fãs o Pretenders de todos os tempos. O grupo vinha se tornando uma banda mais próxima do rock de garagem em seus discos mais recentes. Hate for sale, o excelente álbum de 2020, era quase punk em vários momentos; Alone, o anterior (2016), unia canções mais pesadas com momentos herdados do country e do rock dos anos 1950.
E tá aí Relentless, que (vá lá) traz partículas da fase anos 1990 da banda, de discos um tanto quanto melancólicos como The last of the independents (1994), mas que traz duas músicas que lembram bastante o grupo na época do primeiro álbum: A love e Let the sun come in – essa última parece a continuação de uma das melhores faixas do debute da banda, Up the neck. Dos discos mais recentes dos Pretenders, é o mais associável a fases anteriores da banda – tanto em composição quanto em produção – mas fica bem atrás de Hate for sale em termos de brilho e agilidade. É um disco bem mais sombrio, perfeito para quem curte o lado mais nostálgico e contemplativo dos Pretenders, marcado pelo tom barítono das guitarras, com baladas soturnas como The copa e Promise of love, ou na abertura com o rock melancólico e ruidoso Losing my sense of taste.
Relentless é também o disco de surpresas como a já citada Let the sun come in, as sombrias Merry widow e Domestic silence e a última faixa, a emocionante I think about you daily. Em Merry, Chrissie encarna uma mistura exata de Nico e Roy Orbison para cantar sobre armadilhas do amor romântico (“Ele era muito bonito e forte/mas ele me tratou mal/ele me tratou mal/ele pensou o amor era competitivo, como o esporte/ele não era meu tipo/então eu o deixei no porto”, diz a letra).
I think, com cordas arranjadas por Jonny Greenwood (Radiohead), vai no oposto e fala sobre amores perdidos e coisas do passado. E tem beleza acentuada pelo clipe da música, que mostra um homem que parece ter uns 60 e poucos anos dançando – e seu “eu” jovem dançando no mesmo local. Já Vainglorious parece ter sido composta por Chrissie e James Walbourne tendo em mente discos setentistas de Iggy Pop como Raw power (gravado com os Stooges) e Lust for life. São detalhes que fazem de Relentless um disco cuja maior arma é a diversidade e a abordagem de lados diferentes da obra dos Pretenders, ainda que falte o clima explosivo de lançamentos até mais recentes da banda.
Gravadora: Parlophone
Nota: 7,5
Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Gaby Amarantos – “Rock doido”

RESENHA: Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 29 de agosto de 2025
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Rock doido, o disco novo de Gaby Amarantos, tem um formato que lembra o de discos de bandas casca-grossa como D.R.I.: são 22 faixas curtíssimas em 36 minutos (!). Não é apenas um disco: tem ainda Rock doido, o filme, que traz todas as músicas do álbum filmadas com Gaby, convidados e sua turma, tudo em plano sequência, com o pessoal se movimentando em vários cenários subsequentes.
O disco funciona na medida que você esteja disponível para aprender uma nova forma de ouvir música: Rock doido é totalmente montado como se fosse uma festa, um DJ set, ou um passeio curto pelas festas de aparelhagem do Pará. Junto com a recente volta da Gang do Eletro (resenhada pela gente aqui), é quase um relato de como várias tendências musicais se uniram em momentos diferentes para gerar o tecnobrega e estilos afins.
Não é um disco feito para “tocar no rádio” e está mais para um suposto antecipador de tendências que, provavelmente, vão dar canal no rádio ou na TV em algum momento – a graça de Rock doido é justamente o lado multimídia dele, de ser um álbum que vira filme (está no YouTube na íntegra e pode, quem sabe, ser exibido na TV). A mistura de referências também chega à capa, que lembra tanto Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, quanto Dangerous, de Michael Jackson.
- Ouvimos: Lambada da Serpente – Lambada da Serpente (EP)
Com tanta rotatividade, eleger uma música preferida fica até complicado – inclusive porque os beats e refrãos vão se seguindo bem rápido. Essa noite eu vou pro rock introduz a/o ouvinte no clima festeiro. Short beira cu, Te amo fudido (com Viviane Batidão), Tumbalatum (terror fake com a já citada Gang do Eletro), Dá-lhe sal e Viciada em seduzir apresentam expressões locais e o clima da noite paraense a quem ouve o disco bem distante do Pará. Bonito feio é uma das faixas que separam um pouco o “tecno” do brega no álbum.
No final, tem Deixa, um samba-reggae que parece meio deslocado no álbum – é a música menos “rock doido” da fornada, mas talvez seja a tal “música de rádio” do disco. Sem crise: Rock doido é um disco-filme que confirma Gaby Amarantos como uma das artistas mais inventivas do pop brasileiro.
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Crítica
Ouvimos: Big Special – “National average”

RESENHA: Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria com ironia, fúria e riffs venenosos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: SO Recordings / Silva Screen Records Ltd
Lançamento: 4 de julho de 2025
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Chega a escorrer veneno de National average, segundo álbum do Big Special, dupla britânica cujo clima basicamente é o da dança punk – às vezes soando como um EMF (lembra deles?) que entrou em órbita, ou como um desdobramento da receita doidona do selo Food, na virada dos anos 1980 para os 1990. Em vibe funky, Joe Hicklin e Callum Moloney falam dos problemas mais bizarros vividos pela população britânica nos dias de hoje.
Na real, nada que seja estranho até mesmo aqui no Brasil. A faixa God save the pony, tributo pago a Talking Heads e à turma de Madchester, inclui no mesmo saco hambúrgueres superfaturados, gentrificação, gente instagramável (“mal ganho o salário mínimo / e sou um clichê do rock and roll / e, para ser honesto / não consigo acreditar em quanto tempo isso já durou”) e um estado de letargia total, como se todo mundo já estivesse acostumado com isso – à Rolling Stone, a banda disse que se trata de um “boa noite e boa sorte para o peso que todos carregamos. Somos os cavalos cansados arrastando uma carga pessoal e, muitas vezes, o peso de outra pessoa”.
- Ouvimos: Immoral Kids – Tantrika
Outras canções falam também da merdificação geral que todo mundo vai levando adiante na vida, como The mess (que soa como um Tom Waits alt-metal) e Hug a bastard – esta, um reggae preguiçoso transformado em indie rock, com cara de Beastie Boys, Beck e até de Gorillaz, iniciado com os versos “encontrar deus? / cara, não consigo achar minhas chaves”. Nada se comparado a Shop music, synth pop stoner que equivale a um soco na boca do estômago de quem acredita em virtudes no mundo fonográfico, em versos como “vamos vender suas merdas / (…) e depois de vender suas merdas, vamos vender outras merdas” e “não consigo identificar o monstro quando ele está bem vestido / é o seguinte: dinheiro fala, mas não canta”.
Esse clima de desesperança e ironia é a cara de National average, disco que também fala sobre merdas passadas de geração a geração em família (o blues zoeiro Pigs puddin), de choque com o mercado fonográfico “profissional” (Professionals, uma mescla de The Who e Viagra Boys, se é que é possível), e de como todo e qualquer emprego ou chefe é uma merda (Yesboss, rap-punk sem o menor cacoete de rapper, com voz praticamente falada).
O disco novo do Big Special chega a ser um projeto multimídia – no sentido de que você tem que prestar atenção nas letras, ler as entrevistas, saber qual é a da banda e acompanhar o que eles andam falando para ter uma fruição total do disco. Em letra e música, tudo em National average soa como uma sequência de porradas bem dadas. O Big Special revisita-parodia o blues a la Eric Clapton em Domestic bliss, uma espécie de canção sophisti-punk que revira ao contrário o mito de Sísifo para falar sobre depressão e máscaras do dia a dia. Tem ainda Judas song, dance-punk sobre traição e rancor, com guitarras pesadas e um clima “eletrônico” que faz lembrar o Ultravox – mas com bastante sujeira.
Em resumo: National average é daqueles discos que fazem você rir, pensar e se envenenar ao mesmo tempo — e ainda sair dançando no final.
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Crítica
Ouvimos: Helado Negro – “The last sound on Earth” (EP)

RESENHA: Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Big Dada
Lançamento: 7 de novembro de 2025
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Realizado em 1967 por um cineasta então ainda inexperiente (o canadense Michael Snow), o documentário Wavelength – disponível no YouTube – mostra várias experimentações com sons, imagens, situações e emoções. Foi esse filme que inspirou o músico norte-americano Roberto Carlos Lange, mais conhecido como Helado Negro, no conceito de seu novo EP, The last sound on Earth. Basicamente um disco que trabalha numa questão que muita gente jamais gostaria de imaginar: qual seria o último som ouvido imediatamente antes da morte?.
Na real, o EP de Helado Negro é mais uma experiência existencial do que apenas espiritual, falando também sobre solidão (More, cujo clipe traz emoções sendo representadas por um coração de origami) e política (Protector). Em todo caso, a música de The last sound é uma experiência transcendental, na qual cabem sons espaciais e futuristas, vocais quase fantasmagóricos e, em muitos casos, um clima meio “o Prince que veio do espaço”, como na dance music de More e na gélida e animada Don’t give up now.
- Ouvimos: Stealing Sheep – GLO (Girl Life Online)
Em Sender receiver, tema psicodélico e eletrônico com frases e palavras soltas que formam uma mensagem sobre tecnologia, desigualdade e solidão (no estilo de Arnaldo Antunes e do Can: “crescendo sozinho / amigos fantasmas / eleve a esperança / diminutiva preocupação consigo mesmo”), surpresa: Helado canta de forma impostada, quase lembrando seu xará brasileiro Roberto Carlos. A “onda sonora” do doc que inspirou Helado ganha comentários musicais no jungle Protector (com clima lo-fi e derretido, como uma fita que se desfaz) e no instrumental Zenith, cuja espacialidade é dada pelos teclados.
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