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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre The Seeds Of Love, do Tears For Fears

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Várias coisas que você já sabia sobre The Seeds Of Love, do Tears For Fears

Adivinha que disco é a verdadeira pedra de toque da transição de vinil para CD e das mudanças gerais no mercado fonográfico no fim dos anos 1980? Calma que não é nenhuma pérola grunge. O disco definitivo dessa era é o terceiro disco do Tears For Fears, The seeds of love, que completou 30 anos em 2019 e acaba de ganhar uma super edição com todo o material gravado pela banda durante os quatro anos (!) em que passaram gestando o álbum.

Várias coisas que você já sabia sobre The Seeds Of Love, do Tears For Fears

Não é nada fácil produzir novos discos em períodos sérios de mudança. Ainda mais se seu disco anterior virou símbolo dos anos 1980, vendeu feito água e garantiu onipresença na MTV. Como foi o caso de Songs from the big chair (1985), segundo disco do TFF, lançado com uma turnê concorrida e tensa, em que as diferenças entre as duas cabeças da banda (Roland Orzabal e Curt Smith) começaram a aflorar.

JANOV

Apesar de ser uma banda pop, frequentadora das rádios, o Tears For Fears sempre foi um grupo ligado às neuroses humanas. O nome da dupla (que vem de uma frase sobre “trocar os medos pelas lágrimas”), além de boa parte das letras, eram inspirados na terapia psicanalítica do Grito Primal.

A teoria foi desenvolvida por Arthur Janov, um psicólogo americano, e fez a cabeça de uma gama de artistas que vai de John Lennon a Ney Matogrosso. Muitas músicas da estreia, o pós-punk e deprê The hurting (1983), falavam de abusos na infância, uma realidade vivida na infância por ambos os integrantes do grupo.

The seeds of love misturava as encucações psicanalíticas dos dois a preocupações sociais e políticas – quer nos comentários de Sowing the seeds of love, quer no anti-machismo de um dos maiores hits do álbum, Woman in chains. O disco também dava ares pop e vitoriosos a uma tendência que já estava nadando há anos e quase sempre morria na praia – a neopsicodelia oitentista, por intermédio das influências de Beatles na faixa-título.

E tá aí nosso relatório sobre The seeds of love. Ouça o disco lendo. Leia ouvindo.

TEARS FOR FEARS EM POUCAS LINHAS

ROLAND ORZABAL E CURT SMITH, amigos de adolescência de Bath, Inglaterra, começaram a tocar em 1981 num grupo meio mod chamado The Graduate (você já leu sobre isso no POP FANTASMA), que teve hits menores como Elvis should play ska – referência a Elvis Costello, não a Elvis Presley. Os dois saíram da banda e montaram a History of Headaches, que já falava de temas mais, digamos, psicologicamente profundos nas letras. E que depois virou Tears For Fears.

A IDEIA DE Roland e Curt era, à maneira de duplas famosas do universo pop, trabalhar juntos e atrair músicos acompanhantes para completar a banda. As fotos de divulgação da nova banda traziam só os dois. Ainda assim, The hurting (1983) primeiro disco, trazia Manny Elias (bateria) e Ian Stanley (teclados) como integrantes oficiais do TFF ao lado de Roland (voz, guitarra, teclado) e Curt Smith (voz, baixo, teclado). O sucesso viria de vez com o segundo disco, Songs from the big chair (1985), número dois no Reino Unido e número um nos Estados Unidos e Canadá. Em decorrência disso, não houve ser humano vivo que escapasse de Shout e Everybody wants to rule the world naquele ano.

VALE CITAR que o tino pop nunca fez com que o Tears For Fears deixasse de fazer experimentações musicais e tentar coisas novas no estúdio. The hurting já tinha The prisioner, uma música que soa como um proto-Marilyn Manson, perdido no mar pós-punk do disco. E a fórmula meio eletrônica de Songs… já parecia meio esgotada naquela época.

OLETA COMEÇOU TUDO

GRANDE DESCOBERTA de Roland e Curt em The seeds of love, Oleta Adams (36 anos em 1989) já tinha feito algumas tentativas de estourar durante os anos 1970 e 1980. Afro-americana nascida em Seattle, ela é filha de um pregador e começou cantando na igreja. Nos anos 1970, tentou carreira em Los Angeles cantando gospel, mas esbarrou numa exigência básica: todos os executivos só queriam saber de disco music. Ainda assim, ela investiu em dois LPs independentes no começo dos anos 1980.

ALIÁS E A PROPÓSITO, quem assistiu na TV ao campeonato da Liga Americana de Beisebol em outubro de 1984, viu Oleta cantando o Hino Nacional Americano antes do segundo jogo. Ainda assim, o sucesso pop não bateu na porta dela naquele momento.

A CANTORA acabou sendo responsável por, sem nem desconfiar disso, dar a Roland e Curt a diretriz para o que deveriam fazer no próximo disco. Em agosto de 1985, em meio à turnê de Songs from the big chair, Roland e Curt foram ao bar de um hotel no Kansas e virem Oleta tocando piano com um baixista e um baterista. Um show totalmente orgânico e intenso, na batuta do jazz, com um público animado. Esse acontecimento acendeu uma luz na cabeça da dupla, que já estava cansada de excursionar com uma bateria eletrônica e vários samplers em meio aos músicos de turnê. Os dois afirmam que The seeds of love começou a nascer nessa noite.

SOM DE YUPPIE

NO PERÍODO ENTRE 1985 E 1989 houve um fator determinante para várias mudanças de rota na música: o impulsionamento do CD no mercado. Ainda que o disco laser (era assim que muita gente chamava o disquinho prateado no Brasil naquele período) não fosse um bem de consumo popular, ele fomentou uma espécie de yuppização no gosto musical que bateu fundo nas gravadoras, no jornalismo musical, na chegada de novos artistas ao mercado, na produção de bens culturais, no fabrico e vendas de aparelhagens de som e em tudo o que você pudesse imaginar.

NO BRASIL, essa novidade abarcava desde as rádios estilo Antena 1 que ofereciam sucessos da música pop em “som laser” (sic) até aquela famosa cena da novela Vale tudo em que Heleninha Roitman (Renata Sorrah), feliz da vida, pede ao mordomo para colocar um CD de música clássica no aparelho de som. Os primeiros LPs com “remasterização em digital” (como os discos da série Personalidade, da PolyGram, hoje Universal) causavam furor repondo catálogos nas lojas, ainda que muitos compradores mal soubessem pronunciar “remasterizado”.

“ESPEC…” O QUE?

NA IMPRENSA NACIONAL, revistas como a Som Três passaram a dedicar páginas aos novos CDs que chegavam ao mercado gringo – incluindo avaliação de temas como “análise espectral” e “extensão da banda passante”, desconhecidos até mesmo para o fã mais ardoroso de música. Também surgiu uma Revista do CD, de curta duração, feita pela Editora Globo. A onipresente e duradoura Bizz também já vinha falando bastante do assunto. Em 1987, a Microservice, empresa do ramo da microfilmagem, inaugurava a primeira fábrica de CDs do Brasil, na Zona Franca de Manaus.

Várias coisas que você já sabia sobre The Seeds Of Love, do Tears For Fears

“Disco compacto”

COMPRA, TIO. Queria ouvir CD em 1989/1990 e não tinha grana? Sem problemas. Na finaleira da década, chegaram às lojas os primeiros Discman (walkman de CD que virou moda) e os primeiros sound systems com K7, rádio e CD. Esses aparelhos eram vendidos a preços relativamente mais acessíveis do que as grandes aparelhagens de som de marcas como Philips e Gradiente. Mas de modo geral, o disquinho fomentou a criação de um novo tipo de mauricinho (termo da época, atribuído ao jornalista Tim Lopes) que impressionava amigos e namoradas com sua coleção de CDs (e evidentemente o assunto ocupou páginas da Playboy nacional naquele período).

CEREJANDO O BOLO, rolou um interesse por música clássica e ópera que impulsionaria bastante o mercado de CDs. Em 7 de julho de 1990 – data do encerramento da Copa do Mundo, realizada na Itália – o trio de tenores Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti, regido por Zubin Mehta, soltou a voz nas Termas de Caracala, em Roma, cantando um repertório formado por trechos de óperas populares. Three Tenors in concert, disco do show, virou o álbum clássico mais vendido em todos os tempos. Pela primeira vez em muito tempo, o estilo tinha vez no mercado pop.

MÚSICA, HUMANA MÚSICA

NUMA INVERSÃO curiosa de valores, se nos anos 1980 boa parte do catálogo dos grupos de tecnopop e new wave havia sido pensado para vinil, a balança dos tempos da música digital pendia para a tal música “orgânica e intensa” que tinha deixado Roland e Curt babando no hotel em Kansas. Fazia sentido: era mais fácil vender em CD música clássica, jazz e MPB gravados com apuro técnico, do que teclados e baterias eletrônicas artificialmente produzidos. O clima “nossa, parece que eles estão tocando na sala da minha casa!” estava garantido. Assim como a longa de temporada de “ah, o som do vinil é melhor!” e “deixa eu comparar um com o outro”.

OS NOVOS TEMPOS favoreciam a entrada no mercado de uma banda de hard rock com pedigree punk (o Guns N Roses), de um multi-instrumentista que gravava discos com técnicas vintage (Lenny Kravitz) e da chegada à fama de um grupo de pós-punk suingado com guitarras distorcidas e sintetizadores “sujos” (o Faith No More). Houve também uma onda de blues e rock bem antigo na passagem dos anos 1980 para 1990. Esse interesse foi capitaneado pelo filme Great balls of fire (1989), de Jim McBride, que contava a história de Jerry Lee Lewis, e por acontecimentos trágicos como a morte do guitarrista Stevie Ray Vaughan num acidente de helicóptero, em agosto de 1990.

NO BRASIL, a troca de guarda incluiu o esvaziamento do rock nacional e a chegada de nomes mais ligados a uma sonoridade menos “jovem” e mais vintage, como Ed Motta, Marisa Monte, Cássia Eller (lançada em reportagens sobre “novas cantoras” ainda nos anos 1980) e Selma Reis. A tal onda blues, por aqui, gerou contratos para artistas como André Christovam (que tocara com Rita Lee e Kid Vinil) e Blues Etílicos.

MAS E A OLETA? E O DISCO?

BOM, o primeiro contato pessoal com Oleta não foi naquela noite de 1985. A cantora sabia que estava sendo assistida por Orzabal e Smith, mas deu de ombros (“o que eles poderiam fazer por mim?”, afirmou). Mas em novembro de 1987, tocou o telefone na casa da artista e era Roland Orzabal. O músico falou que o TFF compusera Woman in chains e precisavam dela para levar aquele mesmo “sentimento” do show do hotel para a canção. Inicialmente, a conversa parou no “claro, vamos conversar”, mas era sério: a dupla pegou um avião, foi ao Kansas e passou alguns dias tocando com a cantora.

OLETA tinha bastante trabalho pela frente nos próximos meses: ia fazer uma turnê piano-bar pela Escandinávia em 1988. Mas alternaria os shows com idas ao estúdio para gravar com os Tears For Fears. Curt e Roland afirmam que sem Oleta, a musicalidade do disco jamais existiria, e que ela serviu para desbloquear qualquer coisa que estivesse travando a criatividade da dupla. “Foi quando o álbum realmente começou”, diz Roland. Ela acabaria tocando piano e cantando em Woman in chains, Badman’s song e Standing on the corner of the third world. E depois conseguiria contrato com a mesma gravadora do TFF, Fontana.

PARCERIA DE SUCESSO

NO DISCO The seeds of love, quem olhasse os créditos, veria que boa parte das músicas, até mesmo hits como Advice for the young at heart, eram parcerias de Roland Orzabal com Nicky Holland. Nicky, uma pianista britânica, havia se juntado à banda na turnê de Songs from the big chair tocando teclados, e acabou trabalhando com Roland numa versão de Sea song, de Robert Wyatt, que foi parar no lado B do single de I believe.

NICKY acabou substituindo Ian Stanley, o principal parceiro de composições de Roland. Ian era uma figura importante até mesmo na imagem do TFF – chegava a aparecer nos clipes tocando teclado e estava presente na banda desde The hurting (1983). No comecinho das gravações de The seeds, tanto ele quanto o produtor Chris Hughes, outra figura que estava com a banda desde o começo, saíram fora do projeto por causa de diferenças musicais. Isso abriu espaço para Holland sugerir coisas e atender à demanda de Roland (epa, quase xarás).

ROLAND, que não tinha em Curt Smith uma parceria constante de músicas (apesar de Sowing, por exemplo, ser composta pelos dois), passou a utilizar os serviços da nova parceira para dar ideias de acordes e para trabalhar em novas canções ainda em suas versões demo. Advice, por exemplo, veio de uma sequência de acordes dela e era bem simples no original. Mas a música que serviu de modelo para todo o disco foi outra composição da dupla, Badman’s song, cuja letra surgiu quando Roland escutou integrantes da equipe do TFF falando mal dele.

TIRA ISSO, PÕE AQUILO

O TERCEIRO disco do Tears For Fears envolvia, a pedido de Roland (que era o líder da dupla e o chefe de composição), um entra e sai de gente no estúdio – que foi se alongando à medida que a produção foi avançando. O monstro do baixo Pino Palladino tocou em duas faixas, Badman’s song e Standing on the corner of the third world. Isso, ainda que Curt fosse o baixista do TFF – mas Roland jura que Curt não se importou com isso, e este diz que as canções ficaram melhores com Pino. Phil Collins pegou nas baquetas em Woman in chains, mas só após a contagem de 3:32 – do começo até lá, ficou com o experiente baterista francês Manu Katché. Os teclados de Ian Stanley apareciam justamente em Sowing the seeds of love.

PRODUZIDO POR… UMA PORRADA DE GENTE? Nem tanto: The seeds of love acabou nas mãos do Tears for Fears e do engenheiro de som Dave Bascombe. Mas isso porque, no afã de traduzir em vinil (ou CD) as inquietações musicais de Roland Orzabal, a banda foi pulando de galho em galho até achar quem conseguisse cuidar daquela tarefa. Tanto que as gravações do disco começaram no fim de 1986 (!), com os produtores Clive Langer e Alan Winstanley. Roland tinha lembranças boas de gravações de Langer com Elvis Costello e Robert Wyatt.

AS GRAVAÇÕES com a dupla foram encerradas no começo de 1987 porque o diálogo estava complicado entre Roland e os dois produtores. Langer e Winstanley ficaram irritados com a lerdeza de Roland no estúdio (reclamaram da demora de quatro horas para fazer um acerto na programação Fairlight, usada por ele). Também não curtiram o fato de tudo, pelo menos naquela época, ser programado digitalmente. Por outro lado, Roland e Curt não gostaram da mixagem inicial da dupla. “Eles hesitaram e perderam a confiança em nós”, contou Langer. O quase-produtor, curiosamente, lembra de ter empurrado a banda para uma onda mais jazz e solta.

TROCANDO DE PRODUTOR SEM PARAR

EM TIME QUE ESTÁ GANHANDO se mexe? Bom, no desespero para as coisas voltarem a andar, o Tears For Fears decidiu trazer de volta o escrete campeão de Songs from the big chair. A Mercury, gravadora da banda, fez pressão e Chris Hughes, produtor do disco anterior, e Dave Bascombe, técnico de som, foram bater uma bola com o grupo. Chris modelou muita coisa que foi parar no disco, foi bastante útil e amigável, mas só ficou lá até surgirem os pontos de desacordo entre ele e os dois TFF. Roland ficou particularmente puto de ver Hughes citando o Fleetwood Mac como modelo para a gravação de guitarra de Woman in chains, e avisou que não trabalharia mais com ele. Nicky e ele também não se deram bem.

CURT LEMBRA que foi preciso convencer a Mercury que a banda não precisava de um produtor formal e que poderiam se virar com Bascombe na técnica de som e na co-produção. Mas deu trabalho: o disco estava demorando demais e a gravadora começou a ficar amedrontada com o que poderia vir. Aliás essa terceira tentativa começou no início de 1988 e seguiu por um ano.

CARO PRA C… Um detalhe que se tornou folclore em relação a The seeds of love e que ajudou a tornar tudo mais complicado: o entra e sai de músicos-estrela e de produtores transformou o álbum num investimento caríssimo. Sem contar (evidentemente) o tempo que a banda demorou gravando coisas que não foram aproveitadas. No total, a gravadora desembolsou um milhão de libras (!). Songs from the big chair custou apenas 70 mil libras.

TIAS NADAS FOFINHAS

ENTRE MORTOS E FERIDOS, das gravações de The seeds of love emergia um morto-vivo: o relacionamento de Roland Orzabal e Curt Smith. Testemunhas contam que Roland estava se tornando uma daquelas figurinhas típicas dos estúdios dos anos 1980: o gênio controlador que não sai do cangote do técnico de som até ficar tudo como ele quer, e que passa horas e horas mexendo na mesma rodação de lâmpada. Curt estava ficando meio entediado com essas demoras e enfrentava um divórcio na época.

BASCOMBE E SMITH admitem que na época de The seeds of love, a falta de foco tornou alguns processos muito contraproducentes. Roland e a turma chegavam ao ponto de acertar sons de partes da bateria (!), como o chimbau, para adequar o disco. E gastavam horas consideráveis com esse acerto. “Tinha ouvido que a gravadora havia dito: ‘Vá embora, gaste quanto dinheiro quiser e faça o álbum perfeito’ sobre The seeds of love. Mas não é assim que se faz um bom disco, pelo contrário”, diz Bascombe. Smith, por sua vez, acredita que a banda tinha se estressado tanto na turnê do disco anterior, que relutava em entregar o disco. Isso porque aí teriam que voltar para a estrada novamente.

QUE SELO É ESSE?

QUEM COMPROU The seeds of love no Brasil em 1989 estranhou uma coisa: o selo do disco era o mesmo usado nos anos 1970 e 1980 para as coletâneas budget da PolyGram (aquelas A arte de fulano, etc). A Fontana, na real, era uma gravadora bem antiga, iniciada como selo da Philips nos anos 1950, e que teve uma história bem interessante na música pop dos EUA e Inglaterra. Lançou bandas como Spencer Davis Group, Wayne Fontana & The Mindbenders, High Numbers (que depois virariam The Who) e vários outros. Muita gente aqui não sabia disso, fora os colecionadores de discos.

COM O TEMPO, o nome Fontana foi caindo em desuso e as bandas de rock foram migrando para o novo selo doidão da Philips, Vertigo. Só que no fim dos anos 1980, a PolyGram reativou o selo, que voltou contratando vários nomes do indie rock britânico: Pere Ubu, The Fall, Teardrop Explodes e vários outros. Aliás, contratou também dois grupos pop promissores, o Swing Out Sister e o Was (Not Was). E levou o Tears For Fears.

E O REPERTÓRIO?

BOM, o repertório de The seeds of love tem histórias bem interessantes. Woman in chains é tida como uma “canção feminista” e é inspirada por um livro que Roland estava lendo sobre sociedades matriarcais. Orzabal resolveu escrever sobre como o feminino costuma ser minimizado. No estúdio, Oleta suou para conseguir dar um jeito de cantar MUITO agudo, o que não era comum para ela.

Badman’s song, primeira música composta do disco (foi feita em 1985) passou por tantas fases, que a canção teve versões que lembram de Barry White a Steely Dan. Swords and knives nasceu de uma inspiração bem torta: Nicky tinha lido And I don’t want to live this live, livro de Deborah Spungen, mãe de Nancy Spungen (namorada de Sid Vicious, dos Sex Pistols). Ela e Roland souberam que Sid & Nancy, filme sobre o casal feito por Alex Cox, estava sendo terminado, e fizeram a canção pensando que talvez, quem sabe, ela entrasse no filme. “Mas a ideia era mesmo que ela fosse a trilha do livro”, conta Nicky (e a canção, claro, não foi aprovada).

O QUE VOCÊ FARIA? Famous last words, a última música do disco – e quarto single do álbum – também foi inspirada por um livro: O destino da Terra, escrito pelo professor universitário americano Jonathan Schell. A possibilidade de uma guerra nuclear naqueles tempos (fim da era Reagan…) fez Orzabal e Nicky escreverem uma canção sobre “o que você faria se soubesse que só tinha mais uma noite e o mundo iria acabar”, tema comum na época. A dupla criou cordas e arranjos sozinha e convidou Tom Waits para cantar um dos versos. Mas o cantor teria respondido algo como “Tears For Fears? Tá maluco?” e encerrou o assunto.

E ‘SOWING THE SEEDS OF LOVE’, ESQUECEU?

DE JEITO NENHUM. Sowing the seeds of love, primeiro single do disco, lançado em 21 de agosto de 1989, é a neo-psicodelia que o mundo precisava ouvir, naquele mesmo ano em que uma banda britânica de “jangle pop” chamada Stone Roses abocanhava eleições de disco do ano com sua estreia epônima. Mas a canção do TFF tinha o apuro técnico das melhores gravações pop da época, cuidado orquestral digno das produções dos Beatles e de Beach Boys, e clima amigável o suficiente para ser “a” canção que todo mundo queria ouvir no rádio.

A MÚSICA surgiu de um programa de rádio que Orzabal ouviu, sobre um homem que estava montando uma coleção de canções folclóricas inglesas tradicionais. Uma das músicas chamava-se justamente The seeds of love. A canção dos TFF foi escrita em junho de 1987 quando Margaret Thatcher e o Partido Conservador ganharam um terceiro mandato consecutivo na Inglaterra. Daí os versos que falam em “a avó política” e “somos idiotas nas regras de um plano governamental”. Roland incluiu um verso que tira um sarro de Paul Weller. Isso porque o compositor largara o The Jam para entrar no mercado do pop chique com a dupla Style Council (“kick out the style/bring back the jam!”).

EM BREVE VOCÊ VAI ESTAR VELHO…

CURIOSAMENTE, Advice for the young at heart trazia o Tears For Fears penetrando no mesmo mercado do Style Council – o do pop sofisticado, suingado e com influências dosadas de bossa nova e sons latinos. O single saiu lá fora em 19 de fevereiro de 1990. Aliás, Advice era a única música em The seeds of love que trazia Curt Smith nos vocais principais. Ganhou até mesmo um clipe filmado na Flórida, intercalando imagens de um casamento latino com cenas da banda tocando em clima de Sérgio Mendes & Brazil 77 (Roland usou até um chapeuzinho).

NO BRASIL lambadeiro daquela época, Advice fez sucesso e tocou muito em rádio até pelo menos 1991. E chegou a fazer parte da trilha internacional de uma pouquíssimo lembrada novela da Rede Globo, Gente fina (1990).

SAIU ‘THE SEEDS OF LOVE’

ENFIM, The seeds of love chegou às lojas, em 25 de setembro de 1989. Chegou no primeiro lugar das paradas na Inglaterra e da Irlanda, ao oitavo lugar da Billboard 200… A pior colocação (vigésimo-sétimo lugar) foi na Finlândia. Aliás, o disco foi recebido na base do “o lançamento mais esperado do ano”, e de modo geral, ganhou críticas positivas. Muita gente destacou as semelhanças entre Sowing e I am the walrus, dos Beatles. Uma voz discordante foi Ira Robbins, da revista Trouser Press, descrevendo o LP como  “absurdamente superintelectualizado” e “quase impenetrável”. Para completar o circo, a Virgin Books ainda lançou o livro The seeds of love, com 64 páginas contando detalhes da gravação do disco, além de fotos.

FALTOU FALAR DO CLIPE de Sowing the seeds of love, uma maravilha da era em que, para deixar um clipe “vistoso” e lindo, era só meter muito cromaqui na parada. O clipe foi dirigido por Jim Blashfield, que era o mesmo diretor de Leave me alone, de Michael Jackson. Ambos os clipes, aliás, têm lá seus apelos psicodélicos e semelhanças, com toques de arte pop e chupações dosadas da arte do filme Yellow submarine, dos Beatles. No caso de Sowing the seeds of love, houve discussões de mesa de bar por causa dos símbolos místicos que aparecem em vários momentos do vídeo. Ainda assim, não houve nenhum problema.

ALIÁS E A PROPÓSITO, os Tears For Fears receberam por causa desse vídeo os prêmios de “descoberta do ano” e “melhores efeitos especiais” no MTV Music Awards de 1990. Mas o vídeo foi indicado até para uma categoria relâmpago da premiação, a de “melhor vídeo pós-moderno” (Sinéad O’Connor levou essa com Nothing compares 2U).

AH, SIM E TEVE A CAPA DO DISCO

O DESIGN de The seeds of love foi feito por um estúdio britânico chamado Stylorouge. Era uma (vamos dizer assim) espécie de Hipgnosis pós-punk. Entre as capas realizadas pela empresas estão a de Once upon a time: The singles, de Siouxsie and The Banshees, e a de Parklife, do Blur. E até mesmo o projeto gráfico de The endless river, do Pink Floyd. Recentemente trabalharam com discos de Jake Bugg, Imelda May e Squeeze.

ROLAND ORZABAL E CURT SMITH foram enfiados no cenário psicodélico da capa, com roupas chamativas a la Falcão, e fotografados. A empresa fez realmente uma espécie de instalação psicodélica para a capa, que é o que você vê na foto. Aliás, a dupla chegou a protagonizar um making of para a TV francesa. Olha aí.

E DEPOIS?

DEPOIS de The seeds of love, o pau comeu no Tears For Fears. Roland passou a implicar com o parceiro Curt Smith, que procurava recuperar o tempo perdido após o divórcio e passou a levar vida de jet setter. Os dois tiveram uma briga feia, seguida por vários problemas sérios com os empresários da banda (o primeiro faliu, o segundo abriu falência em seguida). Curt Smith saiu do grupo, gravou solo e depois em outra dupla, com o nome de Mayfield, sem sombra de sucesso. Roland Orzabal manteve o nome Tears For Fears e gravou dois discos sem o companheiro, que fizeram sucesso moderado. Uma curiosidade é que o segundo disco dessa leva, de 1995, ganhou um nome que chegou a ser considerado para The seeds of love, Raoul and The Kings of Spain.

TIJOLO POR TIJOLO. Os dois voltaram a se falar em 2000, por intermédio de advogados, por uma razão que talvez os maiores fãs da banda não soubessem. O Tears For Fears, na época de vacas gordas, expandiu seus tentáculos para o ramo imobiliário. E Curt e Roland ainda eram donos de edifícios na Inglaterra. Começaram um papo sobre negócios e conversa vai, conversa vem, decidiram enterrar as diferenças e voltar. Em 2004 saiu o (excelente) disco da volta, com o nome significativo de Everybody loves a happy ending.

E JÁ QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI…

PEGA AÍ duas músicas do Tears For Fears no Hollywood Rock de 1990, aqui no Brasil – sim, eles vieram divulgar The seeds of love aqui. A Rede Globo, que transmitiu o evento com exclusividade, chamou o vocalista e guitarrista Roland Orzabal de “Orzatal”. E duas vezes.

Com informações de Super de Luxe Edition

VEJA TAMBÉM NO POP FANTASMA:

– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, a London calling (Clash), a Substance (New Order), a Fun house (Stooges), a New York (Lou Reed), aos primeiros shows de David Bowie no Brasil, a Electric ladyland (The Jimi Hendrix Experience), a Pleased to meet me (Replacements), a Dirty mind (Prince), a Paranoid (Black Sabbath), a Tango in the night (Fleetwood Mac) e a Mellon Collie and the infinite sadness (Smashing Pumpkins). E a The man who sold the world (David Bowie). E a L.A. woman (Doors). E Boy (U2).
– Além disso, demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais Tears For Fears no POP FANTASMA aqui.

Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

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O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

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Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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