Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre Pleased To Meet Me, dos Replacements

Pleased to meet me (1987) era o quinto disco dos Replacements, banda formada em Minneapolis (EUA) em 1979. Era também o segundo LP por uma gravadora grande, a Sire (que contrataria Lou Reed feliz da vida logo depois). Para o grupo, representou o primeiro movimento de uma fase bem problemática. Afundada nas drogas, a banda havia demitido o guitarrista e fundador Bob Stinson (ironicamente porque o músico perdia a linha no abuso de substâncias), tinha a obrigação de entregar à gravadora um disco que funcionasse no mercado e, mesmo contratada por uma major, brigava com a possibilidade de vender discos e estar nas paradas.
Paul Westerberg (voz, guitarra), Tommy Stinson (baixo, irmão de Bob e também co-fundador) e Chris Mars (bateria) estavam inspirados durante as gravações – em especial Westerberg, autor único de sete das onze canções do disco. A receita punk dos álbuns anteriores era substituída por canções grandiloquentes e existenciais (The ledge, sobre suicídio, com ar de U2 e Simple Minds), temas próximos do jazz e do rock estilo Roy Orbison (Can’t hardly wait, Nightclub jitters) e baladas simples de violão (Skyway), além de power pop festeiro e emotivo (o hit Alex Chilton e I don’t know) e de punk pop que influenciaria com folga o Green Day e o Nirvana (I.O.U.).
O resultado não levou a banda a vender milhões de cópias nem representou o sucesso que a Warner (que controlava a Sire) queria, mas rende fãs para a banda até hoje. E em especial, rende histórias: de brigas no estúdio, excesso de drogas, hesitações, momentos em que a banda sabotou a si própria, etc. E gera também lançamentos. Dia 9 de outubro chega às lojas uma versão box set de Pleased to meet me, com mais 29 músicas inéditas (incluindo demos, rough mixes e alguns outtakes). O disco original vem remasterizado e com lados-B.
E vai aí nosso humilde relatório sobre Pleased to meet me. Leia ouvindo o disco.
DE QUATRO. Pleased to meet me foi o primeiro e único disco que os Replacements gravaram como trio. Mas ao saírem do estúdio, já eram um quarteto de novo: convidaram Bob “Slim” Dunlap para tocar guitarra nos shows de lançamento. Bob, quase dez anos mais velho que os outros integrantes (e mais influenciado pelos riffs de Keith Richards), durou na banda até o fim e gravou depois dois discos solo, ainda nos anos 1990.
ERA BRABO. Lidar com os Replacements não era das coisas mais tranquilas do mundo. A começar porque a banda tinha certa rejeição a fazer muito sucesso e a que mexessem no seu som. Até Tim (1986), primeiro disco pela Sire, testemunhas afirmam que a banda mal sabia para que servia um produtor, e recusava todos os nomões (de Scott Litt, produtor do R.E.M. a Sandy Pearlman, do Clash e do Blue Öyster Cult) que a gravadora oferecia. Isso quando não recebia os candidatos com frases encorajadoras como “você só produziu discos de merda”.
EXPERIENTE. No caso de Pleased to meet me, a banda encontrou mais segurança (e parou de aporrinhar o saco por conta disso) no trabalho de Jim Dickinson, que produziu vários artistas do soul e também cuidou das gravações de Third (1974), terceiro disco do Big Star, banda adorada pelos Replacements, e liderada pelo homenageado do álbum, Alex Chilton. O fato de ter produzido o grupo de power pop serviu como credenciais para o grupo. A experiência de Dickinson com a turma do soul liberou Westerberg e seus amigos para incluir metais e algumas cordas em momentos estratégicos do disco.
GENTE MALUCA. Jim conquistou a banda pelo currículo e pelas histórias que contava, mas passou poucas e boas com a arrogância dos Replacements – de Paul em particular. Costumava evitar conflitos e saía do estúdio quando o bicho pegava. Filho de um alcoólatra, não demorou a perceber o que realmente estava acontecendo ali. “O problema é que não dá para fazer um disco punk sem punks. Acabei deixando eles fazerem o que queriam”, disse.
LOCAL CLÁSSICO. Pleased to meet me foi gravado no Ardent Studios, em Memphis – não por acaso, o mesmo estúdio do qual saíram os discos do Big Star. Jim começou a trabalhar lá em 1966 e adorava as salas e as máquinas, que eram da mais alta tecnologia por aqueles tempos, mas ainda dividiam espaço com gravadores Ampex de oito canais.
SAI FORA! Já Joe Hardy, técnico de som do estúdio, era responsável por três serviços importantes para a elaboração do LP: gravar, mixar e dar esporros trágicos no arrogante Paul Westerberg quando o músico dava uma de moleque mimado. Nesses momentos, Hardy lançava mão de frases edificantes como “quantas porras de discos você já gravou na vida? Já gravei uns mil discos, e você?”.
CHILTON. Criador do Big Star, Alex Chilton já conhecia os Replacements de outros carnavais. Em 1985, o grupo deu um malfadado show no campus da Universidade de Houston em que Westerberg estava bêbado demais para conseguir cantar. A banda foi vaiada e o vocalista chegou a distribuir notas de dinheiro para o público. Chilton era um dos convidados da apresentação. Um ano antes, Westerberg encontrou Chilton no camarim do CBGB’s e, sem saber o que falar para quebrar o gelo, soltou a frase: “Eu amo aquela sua canção, qual o nome mesmo?”.
CHILTON 2. A frase veio na cabeça do compositor quando começou a pensar numa canção para homenagear Alex, e acabou incluída no refrão. Mars e Stinson pressionaram Paul para fechar a canção, e ganharam parceria. A ideia era que Chilton tocasse guitarra na faixa, mas ele acabou tocando em Can’t hardly wait.
ALIÁS E A PROPÓSITO, os Replacements nunca tocaram a canção para ele durante a gravação do disco, com medo de que o amigo interpretasse mal a letra. Chilton só ouviu a canção em sua homenagem quando Pleased to meet me já estava nas lojas e ele abriu shows do grupo.
E AÍ, CURTIU? Fica a pergunta: Alex Chilton gostou da música que leva seu nome? Bom, parece que sim. “Não consegui entender a letra, nem quando ouvi no show, nem quando ouvi o disco. Mas é uma boa canção, me senti um fora da lei quando li a letra, algo como John Wesley Harding”, contou.
BIG STAR NA (ER) MODA. O grupo de power pop dos anos 1970, que teve discos lançados e ignorados no comecinho da década, começava a ser bastante falado naquele período. As Bangles haviam gravado September gurls no disco Different light (1985), que vendeu bastante. Volta e meia algum artista famoso falava do grupo. Alex Chilton continuava gravando solo e fazendo turnês ocasionais. Em 1986, gravou o EP No sex, cuja faixa-título falava de maneira tragicômica sobre a paranoia da aids, com versos como “venha, baby, me foda e morra” e “nada de sexo, nunca mais” (você já leu sobre isso no POP FANTASMA).
GAROTO DA CAPA. O conceito da capa de Pleased foi mostrar o encontro do lado classe-operária do grupo com uma certa faceta “bem sucedida”, de artistas contratados por uma major. O próprio Westerberg aparece na capa, com uma roupa social puída (à direita).
NASCEU! Pleased saiu em 27 de abril de 1987 e chegou ao 131º posto da Billboard. Biógrafos dão conta de que vendeu 300 mil cópias. Saiu no Brasil em LP e K7. A banda encarou vários shows e uma série de entrevistas em rádio e TV para divulgá-lo.
BEBAÇOS NA RÁDIO. Quem lidava com os Replacements já sabia: entrevistas ao vivo em rádio com a banda poderiam representar muito sucesso ou muito fracasso, não havia meio-termo. A banda foi divulgar Pleased no New American Rock, programa de grande audiência da rádio de Los Angeles KROQ FM, uma das forças-motrizes por trás do sucesso de bandas como Duran Duran e Depeche Mode na Costa Oeste americana. Tommy e Paul passaram o dia da maldita entrevista enchendo a cara com dois jornalistas da revista Creem, Bill Holdship e John Kordosh. Doidões, acabaram levando os dois amigos de copo para o estúdio, o que já não foi uma ideia das melhores.
BEBAÇOS NA RÁDIO E FAZENDO MERDA. A entrevista dos Replacements para a KROQ acabou virando um circo dos horrores, com Paul, Tommy e Chris trocando as pernas e agindo como descerebrados. Passaram a maior parte do tempo sacaneando o forte sotaque escandinavo do apresentador, Egil Aalvik. Westerberg disse no ar que “fazia canções porque queria fazer Tommy e Chris ficarem mal… não, é porque eu sou gay” e respondeu com um “o prazer é todo seu” ao agradecimento do DJ pela visita. Os ouvintes aproveitavam o clima de pastelão para fazer do programa um A praça é nossa do demo, telefonando à emissora para falar frases como “eu quero xoxota” no ar.
BOCA SUJA. O clima de bizarrice vazou para outra aparição da banda no rádio, na emissora WBRU, de Rhode Island. Fã da banda havia tempos, o apresentador Kurt Hirsch incomodou-se com o fato de Westerberg parecer estar ali só de corpo presente, sem fazer contato visual. O compositor sugeriu que os ouvintes que quisessem ganhar convites para um show da banda deveriam participar de um campeonato de sexo por telefone ao vivo. A entrevista do grupo acabou cortada no ar, por causa do excesso de palavrões.
QUANTO PALAVRÃO! Já num bate-papo com a WXRT, de Chicago, a birita rolou no estúdio. O apresentador Johnny Mars quis ser agradável e presenteou os rapazes com uma caixa de Heineken – não precisava, os Replacements já tinham levado seu arsenal de champanhe para a emissora. Westerberg bateu o olho na coleção de LPs de blues da emissora e, ao ouvir do DJ que poderia escolher uma música, não teve dúvidas: pediu Little village, clássico casca-grossa do bluesman Sonny Boy Williamson, cuja letra repete várias vezes a expressão “filho da puta”. Por sinal, a canção era tão banida da rádio que o LP tinha anotado na capa: “Proibida a execução”. Tanto tentou que conseguiu, mas a emissora não esqueceu a afronta (e epa, alguém gravou a entrevista do grupo e subiu no YouTube).
AUTOSSABOTAGEM. Uma reportagem do Village Voice na época de Pleased mostrava Paul sincerão, admitindo que o problema ali era que a banda tinha realizado o sonho de todos os grupos da época e estava numa gravadora grande. “A gravadora quer que sejamos big stars e não estamos confortáveis com isso. Não queremos dar tudo a eles. Quando faz isso, não sobra nada para você”, afirmou.
A NOVELA DO CLIPE. A MTV tinha lá suas expectativas em relação a Pleased to meet me, até porque o disco havia sido tocado para alguns executivos. A emissora achou que a imponente The ledge, terceiro single do LP, tinha jeitão de música de rádio, e sugeriu a produção de um clipe, que a banda fez de extrema má vontade. Recusaram-se a atuar ou dublar, e apareceram na tela, literalmente, fazendo nada: ficavam fumando, comendo, conversando ou olhando para o vazio com cara de leseira (Paul, em especial).
A NOVELA DO CLIPE (2). O vídeo de The ledge foi enviado à MTV – que seguia uma política mais ou menos rigorosa de não deixar aparecer imagens ofensivas. Não havia imagens complexas no clipe, mas ao assisti-lo, a emissora ficou assustada com a possibilidade (não percebida até então) de colocar no ar uma canção sobre suicídio. O resultado foi que The ledge acabou sendo um dos raros clipes inteiramente vetados pela emissora, numa época em que os caciques da empresa tinham o maior trabalho com o conteúdo lascivo de clipes de bandas como Mötley Crue. Mas ele está no YouTube.
MAIS NOVELA DO CLIPE E MAIS ENCRENCA NO RÁDIO. O sinal fechado da MTV enterrou a disposição da Warner de seguir com a divulgação do single The ledge, porque as rádios souberam da proibição e não quiseram tocar a música. A gravadora substituiu a canção por Alex Chilton e não se falou mais do assunto. E para divulgar o novo single na emissora de TV? Muito simples: a banda aproveitou as mesmas imagens entediantes de The ledge para fazer o clipe de Alex Chilton. Nenhum dos clipes marcou época. E representaram mais desgaste no relacionamento com a Warner. Recentemente, a banda reaproveitou as imagens para um clipe novo do outro single do disco, Can’t hardly wait.
ENFIM. O êxito de uma certa banda ensinou muito aos Replacements sobre como eles estavam agindo de maneira equivocada. O R.E.M. tinha conseguido bastante sucesso com o disco Document, de 1987, produzido por um cara que quase pegou Pleased to meet me para criar, mas foi rejeitado: Scott Litt, um ex-técnico do estúdio Power Station que tinha fama de levar nomes alternativos ao mainstream, e que definitivamente faria com que Michael Stipe e cia virassem uma das maiores bandas do mundo.
ENFIM 2. Comparando Replacements e R.E.M., olhando da figura A para a figura B, já se sabia quem iria realmente alcançar o sucesso. O R.E.M. era uma banda preparada para isso desde os tempos das rádios universitárias, e tinha um público enorme. E, enfim, o quarteto de The one I love, em especial, não tinha os péssimos hábitos dos Replacements, como o de sabotar as próprias entrevistas em rádio ou o de tratar por cima dos ombros pessoas-chave do mercado fonográfico.
DETALHES TÃO PEQUENOS. Litt, que pessoalmente gostava dos Replacements e encarava a banda como rivais do R.E.M. (“no sentido que os Rolling Stones eram rivais dos Beatles”, como falava), resumiu com uma observação lapidar a pouca disposição da banda de Minneapolis para estourar sucessos. “Se Alex Chilton se chamasse Buddy Holly, seria um hit do Weezer”, contou. “Uma coisa bem pequena, mas que pode representar a diferença entre vender 300 mil discos e vender um milhão”.
DEPRÊ. Pleased to meet you fez Westerberg sofrer bastante. O cantor e compositor dos Replacements encerrou a turnê do disco no fim de 1987, afundado em drogas e arrasado emocionalmente. Passou o ano de 1988 trancado em casa, sem ver ninguém, gravando demos – algumas das músicas novas seriam aproveitadas nos dois últimos discos da banda, Don’t tell a soul (1989) e All shook up (1990).
QUASE SOLO. All shook up começou como disco solo de Westerberg, mas virou um álbum da banda a pedido do empresário. Neste último disco, finalmente, Paul aceitava Scott Litt como produtor, mas as coisas estavam já no final. Os Replacements durariam em turnê até 1991, e conseguiriam até mesmo tocar no Madison Square Garden, abrindo para Elvis Costello, então em ótima fase de público e crítica.
POR ONDE ANDARAM. Westerberg iniciou uma ótima carreira solo depois de All shook up, iniciando com o essencial 14 songs, de 1993. Bob Stinson, infelizmente, morreu em 1995 após vários anos de abusos com drogas e bebida. O irmão Tommy teve um destino bem maluco: após vagar por várias bandas de curta duração, virou baixista do Guns N Roses (!) de 1998 a 2016. Stinson é co-autor de várias faixas de Chinese democracy (2008), o sexto disco que o Guns demorou dez anos gravando, e toca baixo em quase todo o disco, além de ter feito os arranjos de Riad n’ the bedouins.
O RETORNO. Os Replacements nunca foram esquecidos por quem realmente interessa: os fãs. De 2012 a 2015 foram várias “voltas” do grupo, além de turnês relembrando sucessos e acrescentando uma ou outra coisa nova – nessa época, os Replacements eram formados por Paul, Tommy, Dave Minehan (guitarra) e Josh Freese (bateria). Em 2012, saiu Color me obsessed, documentário sobre a banda, dirigido por Gorman Bechard, que conta a história dos Replacements por intermédio de seus grandes fãs.
NEM TANTO. Mesmo com o sucesso da turnê, Westerberg e Stinson, que inicialmente disseram que poderia sair até um disco novo e que faixas novas estavam sendo gravadas, preferiram deixar as coisas como estavam. O compositor dos Replacements até montou uma outra banda chamada The I Don’t Cares, ao lado de Julianna Hatfield, que lançou um disco em 2016, Wild stab.
Já que você chegou até aqui, pega aí o traler de Mal posso esperar, comédia típica da Sessão da tarde dirigida por Deborah Kaplan e Harry Elfont e lançada em 1998, com nomes como Ethan Embry e Jennifer Love Hewitt no elenco. O título do filme foi inspirado em Can’t hardly wait, sucesso dos Replacements. E a música aparecia no rolar de créditos no final.
Pesquisamos em vários sites, como o Houston Press. E no livro Trouble boys: The true story of the Replacements, de Bob Mehr.
Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), a Substance (New Order), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, e a London calling (Clash). E a Fun house (Stooges). E a New York (Lou Reed). E aos primeiros shows de David Bowie no Brasil. E a Electric ladyland (The Jimi Hendrix Experience).
– Demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais Replacements no POP FANTASMA aqui.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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