Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre O Papa É Pop, dos Engenheiros do Hawaii

E aí, surpreso/surpresa por ver O papa é pop (1990), quinto disco dos Engenheiros do Hawaii, aqui? Vamos por partes: no entendimento da crítica musical dos anos 1980, os Engenheiros do Hawaii talvez não fizessem a menor falta para a música mundial. Já no que diz respeito aos caprichos do tempo nada lógico do mundo pop, o rock brasileiro não teria a mesma graça sem eles.
Humberto Gessinger (voz, baixo), Carlos Maltz (bateria) e Augusto Licks (guitarra) foram uma banda que prometeu lançar um disco a cada ano – e, pelo menos enquanto foi possível manter um certo contrato com os fãs, conseguiram. Influenciados pelo rock setentista inglês, pelo imaginário progressivo, pela MPB dos anos 1970 e pela música gaúcha, atravessaram a fronteira entre os anos 1980 e 1990 viajando pelo Brasil, arrebanhando fãs e apanhando da crítica musical.
MALHANDO TUDO
Aliás, justamente por isso, o grupo acabou ganhando da crítica a atenção que nem mesmo grupos queridos pelos jornalistas costumavam ter. Isso porque espaços generosos em revistas como a Bizz eram dados apenas para malhar o grupo, falar mal dos discos, das letras, dos vocais e até das fotos de divulgação. Quando saiu O papa é pop, já era dado como garantido que os álbuns do grupo eram lançamentos importantes para os fãs, para o caixa da gravadora e para que a imprensa musical brasileira tivesse assunto por alguns meses – já que os shows de lançamento também eram massacrados.
O papa é pop, no entendimento de uma turma enorme, mal poderia estar numa seção como a nossa Discos da Discórdia. Quem escreveu sobre o disco em 1990 já estava com tanto ranço da banda, que mal dava para ver características negativas no álbum: já era dado como certo que era mais um disco ruim de uma banda péssima e ponto final.
Como aconteceu com praticamente todos os discos do grupo, O papa é pop foi um álbum que não apontou caminhos para o rock brasileiro (ao contrário do que acontecia com Legião Urbana, o mainstream nunca viu imitadores dos Engenheiros do Hawaii). E gerou um fantasminha para a banda: a versão-da-versão Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones (sucesso italiano gravado pelos Incríveis), que virou hit levanta-plateias até o fim da história do grupo.
Nosso relatório sobre O papa é pop tá aí. Leia e ouça.
TRIO
UMA FORMAÇÃO de três músicos já estava nas paradas quando os Engenheiros do Hawaii surgiram. Os Paralamas do Sucesso já eram uma banda de três discos quando o trio gaúcho lançou o debute Longe demais das capitais (1986). Herbert Vianna, João Barone e Bi Ribeiro também já tinham partido do reggae newwavizado a la Police para a MPB influenciada pelo batuque nativo e pelos ritmos afro – em Selvagem?, lançado no mesmo ano.
COMO os gaúchos Humberto (voz, guitarra), Marcelo Pitz (baixo) e Carlos Maltz (bateria) tocavam uma mistura de rock com ska no primeiro álbum (Gessinger afirmava que era a única coisa que ele sabia tocar na guitarra naquele tempo), até mesmo a RCA (hoje Sony), gravadora da banda, lançava mão da frase “os Paralamas do Sul” para definir o trio. Esse nome indesejado rolou por muito tempo. No livro Infinita highway – uma carona com os Engenheiros do Hawaii, de Alexandre Lucchese, o músico conta que um repórter lhe perguntou se Humberto era nome artístico, “porque parecia com Herbert (Vianna)”.
DA GUITARRA PARA O BAIXO
OS ENGENHEIROS passaram mudanças básicas e rápidas entre 1986 e 1990. Pitz, o baixista de Longe demais, saiu/foi saído do grupo de uma maneira tão estranha que o músico prefere nem falar do assunto – testemunhas lembram de situações de bullying e desprestígio envolvendo o baixista. Gessinger já tinha músicas novas prontas, trocou de instrumento e ensaiou baixo e bateria, sem guitarra (!!), com Maltz, até encontrarem um novo guitarrista.
A ENTRADA DE Augusto Licks, um ex-guitarrista do cantor gaúcho Nei Lisboa, mais velho que os outros músicos, era uma surpresa para a gravadora (que apostava na banda com reservas). E nem mesmo o próprio tinha certeza se entraria. Num encontro com a banda, Augusto teria avisado aos futuros colegas: “Gosto de equipamento e não vou gastar um tostão com roupa”. Mas passou a ouvir discos emprestados por Maltz e Gessinger para se adequar à sonoridade da banda (na época, um tanto mais oitentista do que Licks estava acostumado). E ofereceu aos colegas sua preciosa coleção da revista Guitar player.
ALIÁS E A PROPÓSITO, a saída de Pitz do grupo foi tão rápida que até mesmo Reinaldo Barriga, produtor de A revolta dos dândis (1987), segundo disco dos Engenheiros, perguntou “cadê o Pitz?” quando viu a banda entrando em estúdio com Licks. Até o contrato com a gravadora precisou ser renegociado rapidamente.
CHEGOU MUDANDO TUDO
TIDO COMO calado e pouco participativo em seus primeiros anos como engenheiro do hawaii, Augusto Licks, ao contrário, começou a impor nova ambientação musical para a banda no novo disco. Avisou que não costumava gravar com overdubs na guitarra e que não usava pedais. O grupo, por sua vez, tinha ficado descontente com as guitarras sobrepostas do primeiro álbum, e queria fazer um som que se aproximasse do que eram capazes de tocar ao vivo. Licks fazia e refazia solos, incluía notas novas e redesenhava várias coisas que já pareciam definitivas para o produtor, além de trazer ideias malucas como molhar a gaita (!) antes de tocá-la em A revolta dos dândis I. O som do grupo passou a ficar mais setentista e progressivo.
BIOGRAFIAS TANTO dos Engenheiros quanto de Augusto Licks (Contrapontos, de Fabricio Mazocco e Silvia Remaso) dizem que o guitarrista encontrou um ambiente meio estranho e hostil na banda, com brigas em meio aos ensaios e pressões por todos os lados. Licks demorou para se sentir parte do trio, chegando a falar que eram quatro pessoas: Gessinger, Licks, Maltz e “os Engenheiros do Hawaii”. Já Humberto costumava dizer que ele e Maltz eram “dois loucos, que trabalhavam sem parar”, e que demoraram “anos doutrinando esse cara (Licks), fazendo dele um Engenheiro do Hawaii”.
ROCK DE ADULTO
A RCA, gravadora dos Engenheiros do Hawaii, sempre tinha sido uma gravadora mais tradicionalista, com direcionamento popular. Tinha sido a casa eterna de Luiz Gonzaga, foi o lugar onde alguns artistas pop sessentistas desenvolveram suas carreiras após a jovem guarda (Eduardo Araújo, Antonio Marcos, Vanusa, Incríveis, Made In Brazil) e, a partir dos anos 1970, se tornou “a casa do samba”, ancorada nos sucessos de Martinho da Vila, Antonio Carlos & Jocafi e Beth Carvalho. Também deu abrigo a um desacreditado Wilson Simonal por alguns anos, durante a década de 1970.
NOS ANOS 1980, o rock brasileiro virou mania. A RCA reagiu alçando o ex-dono da pequena e bem sucedida gravadora Tapecar, Manolo Camero, à sua presidência. O executivo transformou a empresa numa Philips oitentista: contratou Maria Bethânia, Gal Costa e Chico Buarque, e manteve o pagode em alta (por intermédio de Bezerra da Silva, Alcione e do discos de escola de samba do Rio). Havia espaço para o pop-rock “adulto” e herdado dos anos 1970 de Lobão (contratado antes de Camero entrar na gravadora e mantido lá), Lulu Santos e Hanoi Hanoi, mas eram exceções à regra. Nomes pop-populares como Fevers, Herva Doce e Roupa Nova também foram bem-vindos no cast.
O ROCK NACIONAL, juvenil e niilista como a época pedia, passou a fazer parte do cast da RCA após o lançamento da coletânea Rock grande do Sul, surgida quando, em 11 de setembro de 1985, o produtor musical Tadeu Valério foi ao ginásio Gigantinho, em Porto Alegre, assistir ao festival Rock Unificado. Ouviu bastante que os Engenheiros eram “um troço meio Paralamas, meio Police” e voltou de lá interessado na banda. Na mesma época, um núcleo de produtores e executivos da RCA de São Paulo já começava a tramar o selo Plug, que colocaria nas lojas os discos “de rock brasileiro” da gravadora lançados entre 1987 e 1988.
MÚSICA INFANTIL
DURANTE O SUCESSO dos Engenheiros do Hawaii, a máquina da RCA estava bastante preocupada com os rumos de outro tipo de artista: os pré-adolescentes do Trem da Alegria, hits de festa infantil, e que vendiam discos a rodo com músicas como Pular corda e Pra ver se cola. Patrícia (futura Patricia Marx) saíra da banda e estava se dando bem nas paradas com discos de perfil teen – os de músicas como Te cuida meu bem e Festa do amor.
OS ENGENHEIROS conseguiram vender cem mil cópias do primeiro disco e deram um susto na gravadora com a mudança de rota de A revolta dos dândis (que não ganhou disco de ouro e, perdido na passagem de vinil para CD, ficou pouco mais de três anos em catálogo). Mas alguma coisa indicava que aquilo poderia dar certo, especialmente após mudanças de empresários e a percepção de que havia um público fiel acompanhando aquilo. Uma temporada lotada no Dama Xoc, em São Paulo, na época do disco Ouça o que eu digo: não ouça ninguém (1988), sacramentou a imagem de “banda de primeiro time”, numa época em que o rock brasileiro já não apitava nas paradas.
ALIÁS E A PROPÓSITO, parentes de Humberto Gessinger recordam que o músico costumava gostar de sucessos bem populares desde a infância, incluídos aí os hits gauchescos que tocavam no rádio. O universo de Patricia, Trem da Alegria e dos sambistas não parecia tão distante assim.
TECNOLOGIA
O TERCEIRO DISCO, Ouça o que eu digo: não ouça ninguém (1988) levava Humberto Gessinger ao controle total da banda: o vocalista vinha já com demos prontas, inclusive com o som da bateria desenhado, quando já não vinha com ideias para a capa. Licks, sob a liderança do baixista, virou um guitarrista de trio, mais preciso em ocupação de espaços. Passou a tocar guitarra com e-bow (efeito de sustain) e piano. No Globo de Ouro, tocando hits como Somos quem podemos ser, Gessinger e Licks faziam fãs ficarem sem dormir por causa de seus instrumentos da marca Steinberger.
A STEINBERGER não patrocina o POP FANTASMA, mas se quiser pode, então vamos lá: fundada por Ned Steinberger no Brooklyn, Nova York, em 1979, a empresa de instrumentos surgiu no mercado com design, som e estilo próprios. Suas guitarras e baixos eram costumeiramente feitas de grafite e fibra de carbono, têm um formato que observadores mais irônicos costumam associar ao de uma vassoura, e não têm a “cabeça” na qual as cordas ficam enroscadas para afinação. Há discussões em fóruns de guitarristas sobre se o som desses instrumentos é bom ou não, mas seja como for, muita gente sonhou com um desses quando viu Gessinger e Licks no palco.
MAIS TECNOLOGIA E AO VIVO
PARA O DISCO Alívio imediato (1989), gravado ao vivo no Canecão, o estúdio da RCA em Copacabana (onde hoje é o Companhia dos Técnicos) foi desmontado, levado de caminhão pelo Túnel Novo e remontado na cervejaria, em Botafogo. A ideia era gravar o disco com a maior fidelidade possível. My Boy, que durante anos foi sonoplasta do Cassino do Chacrinha e do Xou da Xuxa, foi assistente de gravação. A edição final deixou passar até gritos dos fãs e a plateia cantando junto com Humberto, para mostrar que aquela banda tinha público.
AS DUAS ÚNICAS inéditas do disco, Alívio imediato e Nau à deriva, transformavam os Engenheiros do Hawaii num exemplo brasuca do rebote do rock progressivo ocorrido pós-MTV na Europa. Só que sob outra ótica: as canções de Gessinger estavam cobertas pelo glacê de teclados e samplers da Marajazz Produções Ltda, empresa dos músicos e produtores Marcelo Sussekind (que produziu Alívio), Paulo Henrique e Yuri Palmeira. A Marajazz também cuidou de discos como Você não precisa entender, do Capital Inicial (1988), o álbum epônimo do Uns & Outros que tem Carta aos missionários (mesmo ano) e da trilha da série Sex appeal, da Globo (1992).
MAS E A CRÍTICA?
BOM, existem algumas teorias correndo por aí sobre o ranço da crítica com os Engenheiros do Hawaii. A mais comum é a de que o grupo não surgiu sob as asas dos jornalistas paulistanos, honraria que contemporâneos bem sucedidos como Ira! e Legião Urbana tiveram. Havia quem lesse as letras de Humberto, contatasse a adoração do público à banda e visse naquilo algo parecido com o esquema teatral e bicho-grilo de Oswaldo Montenegro, execrado pelos críticos. Seja como for, os Engenheiros viraram sinônimo de tudo aquilo que as pessoas de bom gosto deveriam odiar – ao passo que Gessinger dava entrevistas a revistas de comportamento falando sobre música, timidez na adolescência e vida em família, o que atraía a identificação de um numeroso público jovem.
A REVISTA Bizz, editada em São Paulo, mudou nitidamente o tratamento dispensado à banda após o lançamento de Ouça o que eu digo. O jornalista Arthur G. Couto Duarte recomendou ao trio que pensasse em encerrar atividades após o álbum, lembrando que a banda já pensara no “harakiri” anteriormente (de fato, Gessinger e Maltz pretendiam acabar a banda após A revolta e voltar para a faculdade de arquitetura). Até então, discos como A revolta dos dândis e shows em espaços como o Teatro Ipanema recebiam resenhas positivas e o grupo era visto como uma boa promessa.
FORA DA ESFERA DA CRÍTICA, o grupo era tratado como um “fenômeno” por revistas como a Veja, que em março de 1989 reparou nas “letras irreverentes’ e no pouco apreço à tecnologia que marcava a banda (algo que já vinha mudando). Jornais como O Globo também entrevistavam Gessinger e, em 1989, até mesmo a revista Domingo, do Jornal do Brasil, entrevistou a banda numa matéria sobre novos hippies (!), com o trio garantindo que tentava fazer um som “com a bateria lá atrás”, como antigamente.
ALIÁS E A PROPÓSITO, a Playboy também foi ouvir o baixista para saber como ele cuidava de sua longa cabeleira loura. Gessinger, criado no rigoroso inverno gaúcho, disse que só tomava banho frio, “porque água quente faz cair o cabelo”. E aí, vai tentar?
A CULPA É DO BRIZOLA
A DIVULGAÇÃO de Ouça o que eu digo incluiu ainda uma estadia na União Soviética para alguns shows – esse assunto fica para o nosso Instagram. Já O papa é pop começou a ser pensado no comecinho de 1990, quando a banda subiu ao palco do festival Hollywood Rock, no Rio e em São Paulo. O grupo, além de tocar os jingles feitos para as campanhas presidenciais de Luís Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola, tocou também Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, versão do hit do italiano Gianni Morandi, composto por Mauro Lusini e Franco Miggliacci. A versão havia sido feita por Brancato Junior e gravada pela banda paulistana Os Incríveis num disco de nome enorme: Para os jovens que amam os Beatles, Rolling Stones e… Os Incríveis (1967).
LALALALALA, BRIZOLA. Apoiador do candidato à presidência em 1989, o trio tocou em vários showmícios (“de graça”, ressaltava Gessinger), para públicos enormes que muitas vezes mal conheciam a banda, em palcos tremelicantes e com estrutura ruim. Num desses shows, os Engenheiros estavam no palco quando Brizola decidiu que imitaria as entradas triunfais do adversário Fernando Collor de Mello, seguindo pelo meio da multidão até ser jogado no palco.
NÃO DEU CERTO: Brizola era parado a todo momento e demorou horas até começar seu discurso, deixando o grupo à toa no palco. Gessinger, no desespero, apelou para Era um garoto, a única cover que sabia tocar. Teve uma surpresa: a plateia inteira cantou e nem ele sabia que a canção era tão popular. Daí para executar a canção no Hollywood Rock, foi um passo.
ALIÁS E A PROPÓSITO, a crítica deu uma trégua aos Engenheiros ao avaliar os shows do Hollywood Rock. Jornalistas como Jamari França, no Rio, avaliaram a apresentação positivamente, e mesmo em São Paulo, que geralmente torcia o nariz para o grupo, as apresentações foram consideradas boas. Jamari chegou a escrever no Jornal do Brasil que a banda deveria ter considerado Era um garoto para o disco ao vivo lançado em 1989.
OS INCRÍVEIS INCRÍVEIS
A ADORAÇÃO de Gessinger pelos Incríveis não era brincadeira: o cantor era fã da banda desde criança e lembrava de pedir aos pais que tocassem um disco deles quando era bem pirralho (os pais respondiam coisas como “se tu ficares quieto a gente toca”, em bom gauchês). Chegou a ter um bolo de aniversário, na infância, decorado com bonequinhos dos Beatles (era comum nos anos 1960), e pensou que fossem bonecos dos Incríveis. E ganhou um violão da família por causa dessa música, aos seis anos.
ENGENHEIROS DO HAWAII E INCRÍVEIS, por acaso, chegaram a se cruzar na estrada. Carlos Maltz lembrou à Bizz ter sido procurado por Netinho, baterista e líder da banda, no quarto de hotel no Recife, durante uma época em que as duas bandas tocavam por lá e por acaso, estavam hospedadas no mesmo local. “Eles são uma banda à margem do mercado, do mainstream. Não são chiques, são caras de estrada, até ingênuos. A gente se identifica com isso, com essa trajetória trágica e cômica… E a gente cansou dessa coisa de marketing, de estratégia. Até hoje sempre escolhemos a música errada. Então, deixamos o barco rolar, já que é o mercado que decide”, contou.
SIM, chegou a surgir a ideia de as duas bandas dividirem o palco. Acabou não acontecendo porque, segundo saiu publicado em jornais e revistas na época, a tecnologia que envolvia os shows dos Engenheiros do Hawaii se chocava com a sonoridade dos Incríveis (uma frase atribuída a Netinho diz que “eles são programados e a gente toca de verdade”).
ANDY WARHOL
O VELHO esteta pop era uma das maiores influências no quinto disco dos Engenheiros do Hawaii. Boa parte do conceito do disco nasceu de uma ideia de Gessinger e Maltz de fazer um The wall (Pink Floyd) à brasileira, pop, mas com discussões sérias. Numa época em que não existia mais o programa do Chacrinha (morto em 1988) e o rock brasileiro era apenas uma moda que passou (e que à exceção de poucos artistas, não vendeu tanto assim), a banda se mostrava orgulhosa dos limites que o mercado impunha a seu trabalho.
NA RAIZ desse papo, estava o famoso debate promovido pela Bizz em 1988, com artistas do rock brasileiro. A edição feita pela revista no bate-papo mostrava que a conversa descambou para Charles Gavin (Titãs), Renato Russo (Legião Urbana) e Herbert Vianna (Paralamas) tentando conversar a sério, Paulo Ricardo (RPM) fazendo palhaçada, João Gordo (Ratos de Porão) dizendo que “não iria tocar no rádio nunca” e uma boa parte dos artistas dizendo que jamais iria tocar no Cassino do Chacrinha, programa eternamente envolvido em acusações de jabá e troca de favores.
ENVIADO pelo trio ao debate, Maltz só fez uma participação, forçada, no final. Disse que não tinha nada a acrescentar, que eram só três garotos classe média que não tinham o que fazer e que “a Volkswagen acabou com o Fusca, que era mais histórico que todos nós aqui”. E disse que o certo talvez seja “ser virgem nas composições, mas na divulgação, ser uma p (*)”.
PAPA NA CAPA
A CAPA do disco trazia uma foto do Papa João Paulo II durante sua vinda ao Brasil em 1980. Gessinger viu a imagem na parede da casa de Brizola, quando leu uma reportagem sobre o candidato. Dario Zalis, o fotógrafo, clicou a banda num sofá vermelho – que, segundo o próprio no livro Infinita highway, posicionava o grupo como sendo “de esquerda”. A direção de arte da BMG (novo nome da RCA) repetiu o lay out da capa de Longe demais das capitais, com “Engenheiros” e “do Hawaii” separados entre capa e contra-capa, no alto, com o nome do disco vindo abaixo.
ALIÁS E A PROPÓSITO, o visual da capa de O papa é pop foi delicadamente inspirado no de outro disco lançado pela gravadora em 1971. Justamente o single dos Incríveis com o Hino Nacional e o Hino da Independência.
ESPETANDO COLEGUINHAS. O papa é pop não era só um disco. Os Engenheiros não tinham bala na agulha para fazer uma ópera-rock e um filme, daí o lado “multimídia” ficou por conta do “ouça o disco, leia as entrevistas, veja os caras na TV”. Na Bizz de outubro de 1990 (mês de lançamento do disco), Gessinger dizia à Lorena Calabria que era “imaturidade, adolescência tardia” o fato de artistas do rock nacional não se verem como pop e não quererem tocar no rádio ou no Chacrinha. “Assumir é tentar defender esse discurso. Tentar dizer que ele é válido para todo mundo, não só para os Engenheiros, mas para o Hermeto Pascoal também”, disse. “Alguém precisa ocupar outros espaços. Se não formos nós, ou o Hermeto, serão as Paquitas. Se alguém tem de fazer música para a Patrícia é melhor que sejam os Engenheiros do que outros caras”.
EM 1991, na mesma Bizz, era a vez de Gessinger revelar algumas das intenções obscuras de O papa é pop – segundo ele, um disco feito para irritar quem já ficava naturalmente irritado com a banda. “A gente sabia exatamente as reações que iríamos causar quando gravamos as músicas do jeito que gravamos, ao falar do pop, ao fazer uma cover dos Incríveis…”, contou.
‘O PAPA É DO CARALHO’
SIM, Gessinger também disse isso na entrevista, acrescentando que é “lindo” que o Papa seja pop – já que o Sumo Pontífice tomava chimarrão em Porto Alegre e tinha vestido a camisa do Flamengo em outra ocasião, ao vir ao Brasil. O baixista também avisou que “a Igreja Católica que se cuide, porque ela está deixando de ser pop”, já que vinha por aí a Igreja Universal do Reino de Deus.
NESSA ÉPOCA, a Igreja do “bispo” Edir Macedo já tinha virado tema tanto do Globo Repórter quanto do Documento Especial (da Manchete). Ainda era vista por muita gente, bem antes de boa parte do povo brasileiro descobrir o que é uma “bancada evangélica”, com um misto de horror e curiosidade mórbida. Em 1990, não apenas a Igreja Universal já estava presente em todos os estados do país, como também Edir já era figurinha conhecida da TV. O pastor, que apresentou durante anos o matutino O despertar da fé, havia começado comprando horários na Rede Tupi, em 1978, e estava envolvidíssimo na compra da TV Record, que terminaria de quitar em 1992.
A PAZ DE CRISTO. Cercado por um judeu (Maltz) e um ateu (Licks), Gessinger aproveitou para falar que não queria problemas com a igreja por causa de O papa é pop e que era católico. O pai do cantor, que morrera quando ele era adolescente, era praticante e chegava a participar de retiros. O baterista pegou o gancho e aproveitou para dar mais uma espetada em alguns colegas. “Não estamos agredindo. Isso é tão fácil, tão babaca. Fazer um filme profanando uma imagem sagrada, uma música dizendo ‘não igreja’, dá uma mídia imediata”, disse, possivelmente lembrando de Igreja, dos Titãs.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Brancato Junior, autor da letra de Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones (cujo nome original em italiano era a mesma coisa: C’era un ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones) era especialista no Santo Sudário e costumava participar de programas de TV falando sobre o assunto. Foi profissional de televisão por vários anos, trabalhando na TV Paulista e depois na Excelsior e na Record. E também empresariou os Incríveis, daí ter feito a versão. Morreu em São Paulo, em 22 de outubro de 2016, aos 82 anos.
ESQUERDA?
O DEBATE esquerda-direita caía pra cima dos Engenheiros do Hawaii volta e meia, numa época em que ainda não havia o termo “cancelamento”. Ainda na época do disco Ouça o que eu digo, o jornalista Airton Seligman chegou a conversar com Maltz sobre a possibilidade de a iconografia da banda ser considerada fascista ou até próxima do nazismo, como as engrenagens que apareciam nas capas, ou as letras em estilo gótico do disco de 1988. “Era uma coisa parecida com The wall, a multidão seguindo um ídolo que se afasta cada vez mais da realidade”, chegou a dizer Airton.
OS ENGENHEIROS pareciam querer mais tecer comentários sobre o assunto do que fazer discursos contra ele – numa proximidade, vá lá, com as letras e os conceitos de Roger Waters, do Pink Floyd. “A gente se amarra em logotipos: usamos o hippie, agora o yin/yang. O suprasumo do pop é o logotipo. Ele é mais rápido que a palavra”, afirmou Gessinger. O papa é pop punha na engrenagem o símbolo do yin-yang, conceito do taoísmo que expressa dualidade, e que estava na moda no fim dos anos 1980 (era usado em camisetas, cordões e cadernos escolares).
ALIÁS E A PROPÓSITO, quem optou por comprar a fita K7 de O papa é pop, em vez do LP ou do CD, levou para casa o tal símbolo do yin-yang na capa, já que o grupo costumava fazer trabalhos gráficos diferentes para mídias diferentes.
E O DISCO ‘O PAPA É POP’, AFINAL?
O QUINTO disco dos Engenheiros trazia algumas novidades. Tanto Gessinger quanto Licks estavam operando pedaleiras MIDI, que disparavam sons digitais, e Maltz tocou o disco inteiro num kit eletrônico. A própria banda produziu o disco. Boa parte do material foi composto entre um show e outro, com roadies montando o equipamento para a banda no hotel e todos preparando material juntos – ainda que as composições fossem quase todas só do baixista.
A FAIXA-TÍTULO trazia uma novidade que, pensando bem, era mais uma provocação: os Golden Boys e o Trio Esperança cantavam o refrão da música. Alguns anos antes, os Paralamas do Sucesso precisaram engolir o grupo vocal jovemguardista repetindo o refrão de Vital e sua moto no fim da faixa, a pedido da gravadora. No encarte, os Engenheiros pediam desculpas a “Lulu ‘Heil Gessinger’ Santos” embaixo da letra de O papa é pop. Isso porque Gessinger dera uma entrevista comparando o autor de Como uma onda a entertainers como Silvio Santos e o mágico David Copperfield.
LULU não apenas se sentiu ofendido como, de acordo com o engenheiro-chefe, descobriu seu telefone e ligou chamado Gessinger de “fascista”. Anos depois, foi convidado por Gessinger para produzir o disco Gessinger, Licks & Maltz (1992), mas não aceitou, justamente por causa do controle excessivo exercido pelo baixista (que já chegou com músicas, títulos e até esboço da capa).
O DIFÍCIL EXERCÍCIO DE VIVER EM PAZ
A MÚSICA O exército de um homem só (em duas partes), você deve saber, é inspirada no livro de mesmo nome, escrito pelo gaúcho Moacyr Scliar. Lançado originalmente em 1973, o livro conta a história de Mayer Guinzburg, um judeu que chegou a Porto Alegre ainda menino, vindo da Rússia. Ele adota o codinome Capitão Birobidjan, e se torna uma espécie de Don Quixote do bairro do Bom Fim, em Porto Alegre. Em briga com o pai, que queria que o filho fossse rabino, tenta construir o país socialista Nova Birobidjan.
EM 2011, após a morte de Scliar, Gessinger chegou a participar de uma homenagem ao escritor no Prêmio Açorianos de Literatura.
UM MALUCO NOS ARES
HOMENAGEADO. O exército de um homem só, no disco, era uma homenagem ao aviador alemão Mathias Rust, um moleque de 18 anos que, em 1987, invadiu o espaço aéreo soviético, terminando com um pouso perto da Praça Vermelha, em Moscou. Mathias, que pilotava um monomotor Cessna, foi rastreado várias vezes pela poderosa defesa aérea soviética, mas acabou confundido com um avião local. Sua descida na União Soviética provocou caos no país, com o presidente Mikhail Gorbachev demitindo militares, reorganizando os cuidados nas fronteiras e tendo sua política de abertura (glasnost) severamente criticada.
ELE QUERIA ERA FALAR COM O PRESIDENTE. O maluco Mathias declarou que sua ideia era “reduzir as tensões entre os dois lados da Guerra Fria” e disse que apenas queria falar com Gorbachev, por estar frustrado com o resultado de uma reunião do comandante soviético com o presidente norte-americano Ronald Reagan. Gorbachev se encontrara com Reagan na Islândia em 1986, pedindo um acordo visando à redução do arsenal de mísseis nucleares de ambos os países, mas não houve negociação. Rust foi condenado a quatro anos de prisão pela invasão do espaço aéreo soviético e por vandalismo. Em 1988 foi expulso do país por Gorbachev. Em 2014, declarou que seu ato “foi uma irresponsabilidade” e que trabalhava em um banco.
O HOMEM SÓ. Por causa da música, a banda criou um personagem chamado O Homem Só, que respondia às cartas dos fãs. Nilson Batista, roadie de Maltz, era quem encarnava o personagem.
CLIPES
O CLIPE DE O papa é pop foi produzido para o Fantástico e mostrava a banda no mesmo cenário da capa do disco – incluídos aí o sofá vermelho e o moletom de engrenagem de Gessinger. A banda estava em lua de mel com a televisão – vivia sendo convidada para programas como o Matéria prima, com Serginho Groisman, e O papa é pop teve espaço até no vetusto Jornal da Globo.
JÁ O CLIPE DE O exército de um homem só foi lançado apenas em 1991, e já formatado para a MTV Brasil. Sem ideia de quem chamar para dirigir, a banda convidou ninguém menos que o diretor de cinema Cacá Diegues. A banda achou que o diretor de Bye bye Brasil detestaria a ideia, mas Cacá foi bastante receptivo. A estética do clipe acabou ficando meio próxima do que seria o cinema nacional pós-anos 1990, mostrando o dia a dia de crianças e adolescentes que habitavam um prédio abandonado.
CAPA TRIPLA
TODO fã de progressivo lembra das adoráveis capas duplas que adornavam discos do Yes, Pink Floyd e vários outros grupos. As cópias de O papa é pop distribuída à imprensa levavam o conceito à última consequência, trazendo uma capa tripla (!), com um texto de Arthur Dapieve, então repórter do Jornal do Brasil, apresentando o disco aos colegas.
NO EXCELENTE TEXTO, Dapieve lembrava que os Engenheiros “se formaram longe demais das capitais e do movimento punk, excursionaram não pelos isteites e sim pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, votaram em Brizola e não no Lula no primeiro turno, e foram os outsiders dos outsiders, mas nem por isso insiders”. Prosseguia mostrando que a banda havia largado a garagem e incluído vários elementos eletrônicos no novo disco e encerrava afirmando que “só os Engenheiros surfam ao contrário da onda”.
TREM DA ALEGRIA DO LIBERALISMO
PATRICIA, colega de gravadora da banda e ex-cantora do Trem da Alegria, participou do disco soltando a voz numa canção (digamos) um tanto imprópria para uma adolescente, A violência travestida faz seu trottoir. Gessinger, autor da música, dedicou ironicamente a canção a ninguém menos que Henry Maksoud, empresário, criador do hotel Maksoud Plaza e apresentador do lendário programa de entrevistas Henry Maksoud e você, na Bandeirantes.
CONSIDERADO um dos papas do neoliberalismo brasileiro, Henry chegou a dar uma de diretor e autor teatral (em Emoções que o tempo não apaga – Uma crônica musical, por acaso apresentada no teatro do hotel). Morreu em 2014. O hotel Maksoud Plaza chegou a ser leiloado pouco antes da sua morte.
E AÍ? ALGUÉM GOSTOU DO DISCO?
APARENTEMENTE, muita gente gostou de O papa é pop. O quinto disco do trio vendeu 350 mil cópias, deu à banda seu único disco de platina e conferiu a Era um garoto… o status de cover-que-fica-mais-famosa-que-o-original (que já era um cover…). Gessinger virou quase um guru da nova geração, para a alegria de muitos e a tristeza de outros tantos.
ALIÁS E A PROPÓSITO, a banda nunca chegou a achar que estava surfando uma onda maneira com as boas vendas de O papa é pop. A música brasileira quase como um todo parou de vender discos e só gêneros como lambada e sertanejo vendiam discos. O axé ainda não tinha virado música baiana “nacional”. Gessinger, Licks e Maltz consideraram que “a água baixou e a ilha dos Engenheiros apareceu”, numa época de crise. A banda desbravava um público novo e não estava no universo “roqueiro”. Quem estava ligado em rock no Brasil, voltava seus olhos para as vertentes mais alternativas do estilo, na Europa e (principalmente) EUA.
NA REVISTA Bizz, em janeiro de 1991, O papa é pop ganhou espaço bem maior do que um dos lançamentos pop mais importantes daquele período, Listen without prejudice, de George Michael. Celso Masson deu uma ironizada no disco, afirmando que se tratava do melhor álbum da banda, mas que como todos os outros, “era só para enganar otário”. A Folha de S. Paulo disse que o álbum era “choradeira contracultural” e reclamou da versão de Era um garoto. No Globo, em entrevista a Mauro Ferreira, Gessinger defendia a versão e afirmava que ela era “uma metáfora sobre a situação atual da juventude”.
ALIÁS E A PROPÓSITO, saiu também um clipe de Era um garoto, filmado com câmeras de televisão, igualmente para o Fantástico.
E DEPOIS?
OS ENGENHEIROS DO HAWAII quase furaram a promessa de lançar um disco por ano em 1991, quando Gessinger decidiu dar um tempo por causa da gravidez de sua mulher – a filha do casal nasceu em 1992. O sucesso repentino de uma versão ao vivo de Refrão de bolero, que invadiu rádios e a MTV, animou o grupo a voltar ao estúdio e registrar um disco formado, em parte, por sobras de O papa é pop, Várias variáveis (1991).
O GRUPO topou abrir para o Nirvana no Hollywood Rock de 1993. Fizeram uma enquete com os fãs durante um show no Imperator, no Rio, para definir repertório. Mas em São Paulo, rolou tensão e desespero: a frente do palco foi invadida por fãs da banda grunge e o grupo levou uma chuva de bolotas de papelão (graças aos brindes distribuídos para uma cervejaria). No Rio, para evitar problemas, mudaram o set list e abriram com Toda forma de poder – em vez de Herdeiro do Pampa pobre, de Gaúcho da Fronteira, que iniciou tudo em São Paulo.
A FORMAÇÃO COM LICKS durou até 1993 e acabou em meio a brigas e processos. Pouco antes do fim, a banda chegou a fazer shows no Japão e Estados Unidos. No livro Contrapontos, o músico recorda boicotes e grosserias no relacionamento interno. Gessinger prosseguiu com diversas formações da banda e hoje é artista solo e escritor. Maltz virou astrólogo (e também escritor). Licks voltou à sua profissão original, jornalismo, e cobriu a copa de 1994 para um jornal americano lido por brasileiros. Passou a se dedicar a shows instrumentais e workshops.
E JÁ QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI…
SER POP é tocar em todos os lugares: então pega aí os Engenheiros fazendo as senhoras da plateia da Hebe levantarem para dançar ao som de Era um garoto.
ALIÁS E A PROPÓSITO, dissemos que não existiram sucessores dos Engenheiros. Sim, teve pelo menos um, que não fez sucesso: o Utopia, banda que depois passaria a se chamar Mamonas Assassinas, e que imitou bastante Gessinger & cia durante alguns anos.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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