Cultura Pop
Replacements: disco ao vivo gravado em 1986 chega às lojas
Billie Joe, do Green Day, diz que os Replacements mudaram sua vida. O guitarrista e vocalista chegou a afirmar que se não fossem um show do grupo que viu no Fillmore aos 15 anos, e o disco Pleased to meet me (1987), ele estaria tocando em bandas de speed metal. E quem nunca ouviu nada deles tem agora a chance de se apaixonar para sempre pelo repertório deles. For sale: Live at Maxwell’s 1986 foi gravado no Maxwell, conhecido bar/restaurante de Nova Jersey, e desde a década de 1980 é um dos itens mais pirateados dos Replacements. No repertório, Hayday, Can’t hardly wait, God damn job, Left of the dial e outras pérolas. E releituras para músicas dos Beatles e do T Rex, entre outros.
O disco chega às lojas mostrando a era de ouro do grupo – formado então por Paul Westerberg (voz e guitarra), Chris Mars (bateria), Bob Stinson (guitarra) e Tommy Stinson (baixo) – para antigos e novos fãs, e traz a gravação do show na íntegra, com boa qualidade de som. Em 1986, o grupo americano tinha sido recém-descoberto pela grandalhona Sire Records, lar de Madonna e Ramones. Seu quarto disco, Tim, foi produzido justamente por Tommy Ramone, além de ganhar uma colaboração do ex-Big Star Alex Chilton (em Left of the dial). Alex seria homenageado pela banda com Alex Chilton, a canção, no disco Pleased to meet me.
Mais conhecidos como banda de power pop, os Replacements vieram da cena punk de Minneapolis, a mesma da qual saiu o Hüsker Dü. Apesar dessa origem, o começo da banda não poderia ser mais estranho. Westerberg trabalhava como mensageiro quando, a caminho de casa, ouviu Mars e os irmãos Stinson tentando tocar o clássico progressivo Roundabout, do Yes, com um vocalista. Westerberg gostou tanto do que ouviu que se aproximou do grupo e convenceu o vocalista de que a banda não gostava dele, e que ele seria demitido. Apesar de Westerberg ter chegado quando a banda já estava nos primeiros trâmites, ele acabou virando cantor, guitarrista e líder.
Quase todo o repertório vinha da história de Westerberg como garoto da classe pobre de Minneapolis. Sua história não tinha sido nada mole. A mãe de Paul, grávida dele, resolveu apressar o parto para que o filho nascesse antes do tempo e pudesse ser deduzido do imposto de renda. O pai era um vendedor de automóveis extremamente traumatizado por ter lutado na Segunda Guerra. “Lembro que ele me disse certa vez: ‘Há roubo no coração de cada homem de negócios’. Isso me marcou”, contou Paul à biografia Trouble boys: The true story of The Replacments, de Bob Mehr.
Os Replacements foram contratados pelo selo Twin Tone e começaram a ser citados como uma das próximas bandas da cena underground que iriam estourar, ao lado do R.E.M. Enquanto a banda do guitarrista Peter Buck (que quase produziu um álbum dos Replacements) foi para a Warner e virou mainstream, para Westerberg e sua turma tudo ficou no quase. O grupo foi para a Sire, caiu nas drogas e no álcool, vendeu discos mas perdeu fãs quando começou a fazer um som mais melódico e orientado para o rádio. E expulsou Bob Stinson pelo fato do baixista estar abusando do álcool (coisa que todo mundo ligado aos Replacements fazia).
Em 1986, mesmo ano de On sale, fizeram uma apresentação caótica e alcoolizada no Saturday night live. Bob – ainda no grupo – quebrou seu baixo antes de subir no palco e precisou usar um instrumento emprestado da banda do SNL. O grupo desafinou o tempo todo e Westerberg ainda soltou um palavrão no meio de Bastards of young (música na qual fazia referência à sua condição de filho deduzido do imposto de renda dos pais). Alguém subiu isso no YouTube (em 1989, encheram a cara antes de uma entrevista à MTV e o resultado foi parecido).
https://www.youtube.com/watch?v=ZXD9sxa1Edo
Em 1990, com a banda aos pedaços, Paul gravou sua estreia solo, All shook down (1990) – mas a Sire decidiu que o álbum ainda deveria ter o nome dos Replacements, e acabou sendo o último da banda. O grupo teve algumas reuniões, mas cada um foi tratar de sua vida. Tommy Stinson, veja só, acabou indo parar no Guns N Roses – ficou lá de 1998 até 2016, quando a banda decidiu voltar com Slash e Duff McKagan. Stinson participou de Chinese democracy (2008), o disco eternamente adiado do grupo, e tocou com o Guns no Rock In Rio em 2011. O baterista Chris Mars virou pintor. Bob Stinson morreu em 1995.
https://www.youtube.com/watch?v=VeoKVVJoR4Y
Já Paul iniciou uma carreira solo excelente nas mesmas bases dos Replacements (recomendamos fortemente o disco 14 songs, de 1993). E voltou no ano passado com um projeto ao lado da musa indie-rock dos anos 1990 Juliana Hatfield, The I Don’t Cares. Se não for muito tarde pra você descobrir um dos discos de 2016, pega aí.
Cultura Pop
No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk
Drogas, caos, peso, ocultismo, iluminação espiritual e paixão pela violência e pelo proibido marcaram a carreira do Killing Joke – e marcam até hoje, já que a banda ainda existe. Do começo até meados dos anos 1980, Jaz Coleman, Youth (e depois Paul Raven), Paul Ferguson e o recém-falecido Geordie inseriram mais e mais perigo num estilo musical, o pós-punk, marcado pela insinuação e pela exploração de demônios interiores.
No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, o assunto de hoje é a melhor fase do Killing Joke, uma das bandas mais misteriosas da história do rock, responsável por aproximar estilos como pós-punk, gótico e heavy metal. Terminamos no disco Brighter than a thousand suns (1986), mas a história do grupo ainda inclui muitos outros discos – ouça tudo.
Século 21 no podcast: Girls In Synthesis e Plastique Noir.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)
Que ironia: um disco nota 6 dos Ramones causa crises de saudades e revisionismo histórico e… pelo menos aqui no Pop Fantasma, aumenta de cotação. Halfway to sanity (1987) volta agora às lojas brasileiras (as online e as que resistem), e no formato CD. Foi o último disco gravado com Richie Ramone na bateria, pouco antes do grupo fazer uma tentativa de colocar o ex-Blondie Clem Burke para substituí-lo.
Dizer que “o disco tal dos Ramones foi marcado por brigas durante a gravação” é chover no molhado, ainda mais em se tratando de uma banda que tinha o intransigente Johnny Ramone como guitarrista. Halfway, décimo álbum da banda, lançado originalmente em 15 de setembro de 1987, por sua vez, é um caso à parte: a porrada comeu antes, durante e depois. Para começar, em janeiro daquele ano, o grupo baixou em São Paulo para três shows – o primeiro deles terminou em briga generalizada provocada por skinheads.
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- Temos episódios do nosso podcast sobre Ramones e Blondie.
No meio das gravações, Joey e Johnny Ramone, inimigos íntimos, não se entendiam. O produtor Daniel Rey tinha problemas de comunicação com boa parte da banda. Dee Dee Ramone (ainda no baixo do grupo), passava boa parte do tempo doidão, não conseguia se comunicar com ninguém e – dizem – teve suas partes de baixo tocadas por Rey. Pessoas que lidavam com os Ramones de perto dizem que a banda já estava de saco cheio de trabalhar feito louca, gravar um disco por ano e não ser reconhecida, com direito a amigos da onça perguntando a eles “quando a banda iria estourar”.
E aí que Halfway soa insano, embora sob controle. Curtíssimo (12 músicas em 30 minutos e uns quebrados), o álbum traz os Ramones fazendo algumas incursões pelo hard rock e pelo hardcore, com direito a vocais berradíssimos de Joey Ramone em faixas como I know better now, a agitada Weasel face (na qual a voz do cantor chega a lembrar a de Alice Cooper) e o skate punk legítimo I’m not Jesus. O grupo chega perto do pós-punk gótico em Garden of serenity, adere ao som tribal na onda do Public Image Ltd em Worm man, e soa revivalista na balada Bye bye baby (com cara de canção de girl group, e escrita, claro, por Joey) e no rock vintage Go lil Camaro go, marcado por uma apagada participação de Debbie Harry.
1987 foi um ano de três bateristas para os Ramones: com Halfway em curso, Richie saiu brigado da banda, e deu lugar para Clem Burke – jornalistas lançaram a piada de que ele adotaria o nome Clemmy Ramone, mas ficou mesmo como Elvis Ramone. Não deu certo e após dois shows confusos, Marky Ramone, que estava afastado da banda desde 1983, retornou. Hoje, vale a redescoberta.
Nota: 7,5
Gravadora: ForMusic (no Brasil)
Crítica
Ouvimos: Nick Lowe e Los Straitjackets, “Indoor safari”
- Indoor safari é o novo disco do cantor, compositor e produtor britânico Nick Lowe. Um artista cuja carreira vem desde meados dos anos 1960, mas que se notabilizou a partir dos anos 1970, primeiro como integrante das bandas Brinsley Schwarz e Rockpile, depois como artista solo lançado por gravadoras como a indie Stiff e a indie-major Radar.
- O disco é uma compilação de gravações feitas ao longo de dez anos por Lowe com a banda retrô-lounge-surf Los Straitjackets, que sempre se apresenta disfarçada por máscaras de wrestling. O cantor e o grupo já haviam lançado um álbum ao vivo em 2016.
- Indoor safari sai pelo selo Yep Roc, iniciado em 1997 e cujo elenco já teve de Fountain Of Wayne a Bob Mould e Gang Of Four.
Figurinha indispensável dos anos 1970, brilhante como cantor, compositor e produtor, rei da transição entre pub rock, punk e new wave (seu som passa pelos três estilos)… Nick Lowe é aquele cara que provavelmente, no Brasil, muita gente conhece sem conhecer. Volta e meia ele é citado por aí como nomão influente, artistas como Elvis Costello já trabalharam com ele, e sua discografia, além de já ser bem extensa, inclui músicas que volta e meia rolam no rádio até mesmo no Brasil, como So it goes, Crackin up e Cruel to be kind.
Drogas e problemas pessoais deixaram a história de Nick mais conturbada, mas ele nunca parou. De qualquer jeito, a carreira discográfica de Lowe meio que ficou no para-e-anda depois de 2013, quando ele lançou Quality street, disco de Natal. Em compensação, ele saiu em turnê para divulgar o álbum ao lado de uma banda chamada Los Straitjackets, uma banda da mesma gravadora que ele (Yep Roc), dedicada a rock extremamente vintage – surf music, rockabilly e coisas próximas do bubblegum – com cada integrante usando uma máscara de wrestling.
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Isso aí era Lowe, que já foi visto como um revisionista futurista, voltando-se para um som clássico de rock, ao lado de uma galera bastante animada. Tão animada que o enrosco com a banda rendeu turnê e alguns singles. E agora rende uma espécie de coletânea expandida, Indoor safari, com os compactinhos que ele vem gravando ao lado dos Straitjackets, mais três músicas inéditas. Uma das novas canções, a surfística Went to a party, surge na abertura soando como o Who ou os Kinks dando vida nova a uma canção dos anos 1950 – ou alguma música perdida de bandas como Kingsmen ou Rivingstones.
Indoor safari não é um disco “novo”, mas isso não o torna menos valoroso. Os Straitjackets e Lowe fazem um disco de rock quase 100% autoral que poderia ter saído em 1961 ou 1962, com músicas que, se tivessem sido feitas naquela época, estariam no set list do show dos Beatles em Hamburgo, ou entre as releituras dos primeiros discos deles. De qualquer jeito, há dois covers, A quiet place, de um grupo chamado Garnett Mimms & The Enchanters, original de 1964; e Raincoat in the river, gravada originalmente por Ricky Nelson.
O clima lounge prometido pela foto da capa surge amplificado em músicas como Love starvation, a tristezinha rocker de Crying inside, a maravilha meio Motown meio Beatles Jet pac boomerang (encerrada com uma citação de Please please me, dos quatro de Liverpool), a selvageria rocker de Tokyo bay e a bateção irresistível de violão e guitarra de Trombone. Cada riff de guitarra soa como anúncio de duelo, numa onda meio surf rock de faroeste. Ouça no volume máximo.
Nota: 9
Gravadora: Yep Roc
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