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Cinema

Por trás do filme proibidão de Jerry Lewis

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The day the clown cried

O aviso no link original da BBC do documentário The story Of The day the clown cried, presented by David Schneider, de que “este filme contém alguns exemplos de linguagem pesada e de imagens que podem ser ofensivas” não é a toa. É o mais próximo que muita gente vai chegar de ver o filme The day the clown cried, rodado por Jerry Lewis em 1972 e engavetado pelo diretor.

Ainda que imagens do filme tenham vazado há alguns anos (e tenham sido retiradas do YouTube inúmeras vezes), o doc apresentado pelo humorista judeu Schneider tem novidades. Traz fotos nunca vistas do filme, entrevistas com algumas figuras ligadas à produção (ou os filhos delas) e várias imagens de entrevistas de Lewis na época da preparação do longa. Em quase todas elas, o judeu Lewis aparece contrariado, carrancudo e meio irritado. Logo na primeira entrevista, solta um “isso é tudo o que eu vou dizer!” e encerra o papo abruptamente (tem legendas automáticas).

Não foi uma época fácil para Lewis e para as pessoas que trabalhavam com ele, pelo que diz o documentário. Lewis, que sempre trabalhou na área cinzenta entre comédia e tragédia, decidira fazer um drama sobre um palhaço em decadência. Era Helmut Doork, preso após fazer piadas com Hitler e com a Alemanha em seu show de stand-up. O conteúdo previa várias tragédias e nenhuma comédia. Em The day the clown cried, Doork encenava seus números no campo de concentração ao qual havia sido recolhido. Apanhava sem dó de guardas nazistas. Via crianças separadas dele por uma cerca de arame farpado.

No final, mais tristeza, já que Doork faz palhaçadas para os pequenos que estão sendo levados à câmara de gás. O roteiro original previa que o filme terminasse quando os garotos começassem a rir. O filme foi rodado na Suíça, apesar do país não ter campos de concentração. A gerente de projetos do Museu Judaico de Estocolmo, Yael Fried, entrevistada para o documentário, acredita que Lewis “quis filmar num lugar neutro”.

Quem vir o documentário sobre The day the clown cried presencia várias discussões, provocadas por Schneider, a respeito do que é fazer humor e ficção com temas tabu. Um deles é o próprio holocausto. Schneider chega a contar piadas que circulavam no pós-Guerra sobreo assunto. Uma professora de literatura judaica entrevistada para o filme fala que há uma grande diferença entre “rir de Hitler, como fazia Mel Brooks, e rir das vítimas do Holocausto, o que já não é tão adequado”. Para ela, o interesse pessoal de Lewis pelos assuntos ligados ao filme vinha do suposto fato de ele “ver todos os humoristas como alguém que estava fazendo graça antes da câmara de gás”.

Quem lidou com Lewis na época, lembra de vê-lo preocupado com grana, sofrendo de dores nas costas e tomando analgésicos para suportar a dor. O biógrafo de uma das atrizes do filme, Harriet Andersson, explica que ela achou desagradável ter que trabalhar com Lewis, e que ela nunca foi paga pelo trabalho. Schneider e a equipe do filme tentaram entrevistar quatro pessoas que trabalharam na produção. Todas inicialmente toparam, mas depois misteriosamente cancelaram suas entrevistas. Lewis foi procurado mas não respondeu os pedidos de entrevista.

Já o filho de Jack Kotschack, um dos produtores do filme (e o cara que armou para que tudo corresse bem na Suécia, já que era cheio de contatos por lá), lembra que começou a faltar grana para pagar os atores. E que logo ficou claro que a produção enfrentava problemas. “Meu pai e Lewis eram amicíssimos. No fim das filmagens, já não eram mais”, recorda.

No fim do doc, no entanto, tem uma imagem do comediante explicando, numa entrevista coletiva, porque é que o filme jamais seria exibido. “Uma coisa é sentar na frente de uma plateia e expor seus sentimentos, outra coisa é ter que lidar com eles. No que concerne a esse filme, me sinto envergonhado, e grato por ter o poder de não deixar ninguém vê-lo”. Como Lewis, antes de morrer, doou todo o seu acervo para a Library Of Congress (incluindo a cópia de The day the cloud cried), uma chance pode estar vindo aí – só que os rolos de filme doados por ele não podem ser vistos por ninguém até 2025. Vai esperar sentado?

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Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

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Ouvimos: Raveonettes - "PE'AHI II"

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.

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Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.

Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.

Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025

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Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

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Urgente!: Cinema pop – "Onda nova" de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.

Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.

O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).

Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.

Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.

*****

Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.

A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.

Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.

Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo –  caso ainda esteja em cartaz.

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Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

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Urgente!: Filme "Máquina do tempo" leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.

As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.

E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.

Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.

O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).

Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.

A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.

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