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Crítica

Ouvimos: Sharon Van Etten & The Attachment Theory

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Ouvimos: Sharon Van Etten & The Attachment Theory
  • Sharon Van Etten & The Attachment Theory é o sétimo álbum de Sharon, e o primeiro em que ela aparece acompanhada pela banda que inclui os músicos Jorge Balbi (bateria, vibrafone), Devra Hoff (baixo, guitarra e synth), Teeny Lieberson (vocais, synth, programação, piano e guitarra).
  • A cantora produziu o álbum ao lado da banda, de Josh Block e Marta Salogni. Também tocou guitarra e fez efeitos de vocoder.

O indie rock de Sharon Van Etten foi feito para desagradar a turma que curte artistas “coerentes”, que seguem carreiras certinhas. Aproximações com estilos como folk, trip hop e synth pop marcaram álbuns mais recentes da cantora, que nos últimos dez anos, vem concebendo discos enquanto cuida de suas próprias metamorfoses: ela se formou em psicologia, trabalhou como atriz (na série da Netflix The OA) e recentemente declarou à Flood Magazine que durante a turnê de seu disco mais recente, We’ve been going about this all wrong, chegou a um ponto em que “estava realmente cansada de me ouvir e fazer todo mundo me ouvir cantar sobre mim”. Naquele período, pediu uma pausa à banda e chegou a questionar se, ao voltarem do hiato, “poderiam apenas tocar”.

O “apenas tocar” que se passou pela cabeça de Sharon faz sentido – a história da música está repleta de artistas que transformaram suas vivências em letras e, em diversos momentos, esgotaram-se de tanto se expor ao público. Um processo que pode levar a abandono de carreira, autoabandono, excessos e outras paradas mais sinistras. Mas acaba que Sharon Van Etten & The Attachment Theory também é um disco “sobre ela”, a fotografia de um momento em que Sharon decidiu voltar acrescentando um rabicho de banda a seu nome. A cantora reduziu o número de participações no álbum, focou num núcleo duro de quatro integrantes (incluindo ela própria) e decidiu retornar fazendo um álbum cuja melhor definição cabe em quatro letras: rock.

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Bom, não só isso: Sharon Van Etten & The Attachment Theory é indie rock com tendências oitentistas bem claras e uma vibe próxima dos anos 1980, com pinceladas góticas por todos os lados. Mas é um álbum que busca uma simplicidade dentro da complexidade. E se isso ficou confuso, vale dizer que ele abre numa vibe pós-punk e eletrônica com Live forever – cuja letra repete várias vezes aquela frase popularizada pelo Queen, “quem quer viver para sempre?”.

E vale dizer também que o disco prossegue unindo climas sombrios e operísticos em Afterlife, parte para o rock de garagem perturbador em Indio, soa como um ABBA do mal em I can’t imagine (Why you feel this way), bola uma versão sombria do som do B-52s em Somethin’ ain’t right e junta o New Order de 1981 e o Kraftwerk pré-Autobahn em Idiot box. Em todo o álbum, ressoa uma sonoridade que torna esse disco recomendadíssimo para fãs de bandas como Pretenders, Roxy Music e Japan, além da fase Berlim de David Bowie.

Com músicas chamadas Afterlife e Live forever logo no começo, a estreia da nova banda de Sharon é, sim, um disco mobilizado existencialmente. Os temas variam da morte de um fã dela por doença crônica, até maternidade, apegos, envelhecimento (em Fading beauty, que impressiona pela intensidade da letra e do arranjo espacial e meditativo, lembrando os trabalhos solo de Nico) e os autoenganos e gaslightings da vida.

Estes dois últimos temas, por sinal, surgem numa das melhores faixas do álbum, Southern life (What must it be like). Nessa canção, não há nada do calor do rock sulista norte-americano  – pelo contrário, é uma música sombria que poderia ter sido composta em 1982 num canto escuro da Inglaterra. Com direito a versos como “toda a minha vida eu fechei meus olhos/e tropecei com uma mente rebelde/uma criança rebelde, mas que tinha amor/com uma luz brilhando, esquecida”.

Uma outra referência que surge em algumas faixas de The Attachment Theory é a vibe mágica de Siouxsie Sioux e Kate Bush. Os climas gélidos de Trouble e a estrutura “mágica” de I want you here são herdeiros diretos dessa onda, e trilham o álbum num corredor agridoce e solitário, tanto quanto os discos de folk do começo dos anos 1970. Sharon Van Etten pode até ter pensado em “apenas tocar”, mas Sharon Van Etten & The Attachment Theory mostra que sua música continua carregada de significado, emoção e um espírito inquieto que a mantém em constante reinvenção.

Nota: 9
Gravadora: Jagjaguwar
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.

Crítica

Ouvimos: Will Smith, “Based on a true story”

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Ouvimos: Will Smith, “Based on a true story”

“Ué, mas como assim o Will Smith gravou um disco? Ele é cantor? Achava que ele fosse só ator!”. Com o tempo, muita gente esqueceu que Will gravava discos (inicialmente como The Fresh Prince, ao lado do DJ Jazzy Jeff) desde os anos 1980 – e as novas gerações passaram a vê-lo apenas como o cara da série Um maluco no pedaço, e o astro de filmes como Homens de preto, Rei Ricardo e À procura da felicidade.

Não apenas Will foi/é cantor: sua perspectiva pop do rap ajudou a fazer com o que o estilo fosse mais ouvido durante os anos 1990, num espelho do que rolou com Gabriel O Pensador aqui no Brasil. Tem quem diga que isso fez com que o rap se infantilizasse mais, se tornasse mais comercial, mas faixas como Gettin’ jiggy wit it (1997) fizeram muita gente curtir o gênero diluído no pop, em plena era de ouro do gangsta rap, e prepararam os ouvidos de uma turma enorme. Como resultado, seus talentos de ator foram (bem) mais requisitados que os de cantor – tanto que seu último disco, Lost and found, saiu há vinte anos.

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Agora corta para 2025 e para Based on a true story. Will era tido, há duas décadas, como um rapper comportado, que não falava palavrão e que traduzia o idioma do hip hop para os fãs de música pop – era um rapper popstar, que estava mais interessado, de verdade, no mundo do cinema e das séries. Se ele decidiu gravar um disco novo, supõe-se, é porque ele tem muita coisa para contar. E em tese, tem mesmo: imprensa se metendo em sua vida, brigas na cerimônia do Oscar, seu casamento com arranjo pouco convencional, a vida em família, as armadilhas da fama, racismo no showbiz.

Dá para ver reflexos disso tudo no novo disco – um álbum que, por sinal, ele gravou sem se despir da capa de bom moço. Based on a true story é um compêndio dos conselhos que Will andou recebendo, e também traz o ator-cantor como coach e pastor protestante, em vinhetas que são estranhas pregações, e servem de introdução para algumas faixas. The reverend (Rave sermon) fala sobre resiliência, depressões e buracos ao longo do caminho (“quando eu falo em rave, quero dizer para olhar no fundo dos olhos do dragão e dizer: ‘hoje, não!’”). Essa vinheta abre Rave in the wasteland, gospel-rock-afro sobre jogar fora tudo que há dentro de você, e que não serve mais.

Based on a true story usa peso e agilidade para mandar recados, como no blues-rock-rap de Bulletproof e na cavalar Tantrum (“pego meus traumas e faço deles um hino”), e cai numa estileira mais pop no soul lento de Beautiful scars, cujo ritmo lembra Milli Vanilli. A vinheta Int. Barbershop – Day, com o antigo chapa DJ Jazzy Jeff e B Simone, fala sobre tudo que se seguiu após o tapa em Chris Rock no Oscar: cancelamento, gelo da imprensa, problemas em casa, exposição negativa, racismo velado ou nada velado. Hard times, simultaneamente um boogie oitentista e um tema no estilo da Disney (com Teyana Taylor) fala da superação de fossas pessoais. Essa, vale citar, é a melhor do disco.

Como criador de frases e de slogans certeiros, vale dizer, Smith está longe de ser um prodígio – aliás a própria escolha de um pastor como personagem do álbum parece querer dizer que não há problemas se Will decidir incorrer na auto-ajuda barata. É o que rola em vários momentos, especialmente em Work of art, gravada com o filho Jaden, e You can make it. Based on a true story serve bem como disco pop, mas há algo de mal resolvido como disco de rap em vários momentos.

Nota: 7
Gravadora: Slang
Lançamento: 28 de março de 2025

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Ouvimos: Sarah Mary Chadwick, “Take me out to a bar / What am I, Gatsby?”

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Ouvimos: Sarah Mary Chadwick, “Take me out to a bar / What am I, Gatsby?”

Dá para temer por Sarah Mary Chadwick ouvindo seu novo disco, Take me out to a bar / What am I, Gatsby?. Por sinal, um álbum cuja gravação encerrou-se com a australiana parando de beber – inclusive desde o lançamento do disco, já saiu um single novo dela chamado I’ll die sober (“eu morrerei sóbria”). O novo álbum de Sarah é quase um disco conceitual sobre dor, envolvendo temas delicados como “o desejo desolado de mudança, as despedidas, o romance que se esvai, as memórias”, e outras feridas expostas.

A frase “balada triste de piano” serve para definir todas as faixas do disco, que apresenta só a cantora e seu instrumento, além da ambiência do estúdio – uma microfonação que capta respirações, suspiros e o barulho do banquinho de Sarah. Como cantora, ela tem voz rouca e um grave considerável, mesmo quando alcança as notas mais altas – mas o principal é que escutando a voz de Sarah no álbum, dá para sentir a dor, num tom quase despedaçado. Faixas como What am I, Gatsby?, Take me out to a bar e She never learnt upon a bar variam da perdição rock-cabaré à tristeza sonora que faz as teclas do piano soarem como gotas (lágrimas?).

Soundtrack fala sobre “a criação de um filme melancólico” na telona. O vocal de Not cool like NY / Not cool like LA vai ficando mais tenso à medida que a melodia segue – com notas apenas dando o andamento da melodia, num clima minimalista e tristonho. Big business é uma balada amarga sobre o contraste entre sonhos e realidade, entre delírios pessoais e grandes negócios. Já The show musn’t go on é tanta tristeza e resignação que chega a fazer mal: “o show não pode continuar / às vezes você tem que ir pra casa / porque ninguém quer ver alguém / se debatendo inutilmente”. Um disco de beleza angustiada, que não é para ouvir a qualquer hora.

Nota: 7,5
Gravadora: Kill Rock Stars
Lançamento: 4 de abril de 2025.

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Ouvimos: Hellacopters, “Overdriver”

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Ouvimos: Hellacopters, “Overdriver”

Lembra do Sweet? A banda glam britânica está por aí, lançando discos e fazendo shows – mas largou o estilo que marcou sua história em prol de um hard rock meia-boca (resenhamos o disco mais recente deles aqui). Os escandinavos dos Hellacopters, por sua vez, levam sua carreira adiante de modo a que o Sweet possa ser quase sempre apontado como principal referência. Afinal, é glam rock básico, com influências dosadas de sons pesados oitentistas, e um glacê que aponta também para Kiss (bastante) e Be Bop De Luxe (muito, de verdade – inclusive as guitarras lembram as de Bill Nelson, guitarrista e artífice do Be Bop).

A sorte é que depois de tantos anos de carreira, o Hellacopters não largou nada de mão e continua fiel ao seu estilo – uma opção que, no caso de outras bandas, poderia parecer passadismo barato, mas aqui soa como um ferramental bem usado. O novo álbum Overdriver, em alto e bom som, remete a Sweet (Token apologies), Kiss (Don’t let me bring you down, Leave a mark), ABBA – em (I don’t wanna be) Just a memory – Status Quo (Wrong face on) e a uma cúspide entre punk e hard rock (Faraway looks, Doomsday daydreams). Do you feel normal remete a Slade e ao já citado Be Bop de Luxe – e também aos discos solo de Ian Hunter e Johnny Thunders. The stench dá uma derrapada: um blues-rock sombrio e chatinho sobre pé na bunda (“podemos remendar as rachaduras / melhorar tudo o que queremos / nos dar um pouco mais de folga / mas ainda estará lá”).

Uma curiosidade de Overdriver é Coming down, um hard rock que lembra uma fusão de Kiss e R.E.M., com instrumentação doce e clima próximo das baladas dos mascarados. Para garantir uma cara mais classic rock para o disco, os Hellacopters enchem Soldier on de climas que lembram Lynyrd Skynyrd e Led Zeppelin (este, bastante lembrado nos solos de guitarra). Um disco de rock com R maiúsculo sem deixar espaço para o reacionarismo e conservadorismo musical.

Nota: 8,5
Gravadora: Nuclear Blast
Lançamento: 31 de janeiro de 2025.

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