Crítica
Ouvimos: Rhiannon Giddens & Justin Robinson, “What did the blackbird say to the crow”

“Com os ataques à realidade acontecendo hoje no mundo, queríamos oferecer outro tipo de disco. É como voltar para uma estrada de cascalho ou terra enquanto uma debandada segue na direção oposta”, diz Rhiannon Giddens sobre What did the blackbird say to the crow, álbum gravado em dupla por ela com Justin Robinson. Ambos fizeram parte, até 2014, do Carolina Chocolate Drops, um trio de skiffle – aquele tipo de country tocado com banjo, violino fiddler e uma tábua de lavar roupa como percussão.
Os dois voltaram a unir forças recentemente na gravação de Old corn liquor, para a trilha do filme Pecadores (Ryan Coogler), e em What did the blackbird say to the crow, apresentam 18 canções tradicionais, divididas entre banjo (Rhiannon) e violino fiddler (Justin), além da ocasional base rítmica de Justin “Demeanor” Harrington. Todo o repertório surgiu uma vivência pessoal da dupla nas casas de dois falecidos heróis da dupla, o compositor Joe Thompson, da Carolina do Norte, e ninguém menos que Etta James.
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O trabalho de campo inclui o fato de todas as faixas terem sido registradas como música de quintal, ou de beira de estrada: você ouve ruídos de pássaros e insetos, barulhos de passos, sons da mata, e há até alguns segundos de silêncio entre uma faixa e outra. É para ouvir sem pressa e imaginar o cenário em que todas aquelas músicas foram compostas, estão sendo executadas ou se desenvolveram.
A agilidade da dupla nos instrumentos e vocais lembra o básico: bandas como Led Zeppelin e Creedence Clearwater Revival (e mais recentemente Black Crowes) fizeram a devida apropriação de muita coisa resgatada agora por eles no álbum. Como exemplos, tem a rapidez de Rain crow, Brown’s dream e Going to Raleigh e o clima de baile no celeiro (lembra do desenho do Pica-Pau, da “polca”?) de Duck’s eyeball, Ryestraw, Little brown jug e Molly put the kettle on.
O repertório tem ainda uma valsa country (cujo título é justamente Country waltz) e um folk rock estradeiro (Marching jaybird) que surge como a passagem para outra dimensão. Um disco musical e, por que não dizer, político, em maio ao retrocesso e a violência psicológica da era Trump.
Nota: 10
Gravadora: Nonesuch Records
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vitoria Faria – “Vacas exaustas”

RESENHA: Vitoria Faria estreia solo com Vacas exaustas, disco que mistura forró, funk e jazz para falar de empoderamento, corpo, relações e dores do feminino.
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Acordeonista de São Paulo, Vitoria Faria estreia como cantora solo no álbum Vacas exaustas e aproveita para, em meio à farra de ritmos, mexer em feridas eternas do feminino. O forró experimental e eletrônico Elefante pelo cano tem letra cru e concreta sobre um relacionamento que não dá certo porque só uma das partes cede e tenta caber na vida da outra. Asas à cobra une funk, jazz e eletrônico pra falar de empoderamento. A faixa-título une jazz, tango e experimentação rítmica – ao lado de Flaira Ferro – em meio a versos como “sustentar na teta o peso do mundo de dose em dose”.
Já a percussiva Zap de família fala sobre piadas escrotas na mesa de casa e de escolhas fora do padrão que se transformam em assunto e fofoca nos Natais – ganhando certo clima de valsa quando a palavra “dança” surge na letra. No final, Sou mulher fala em “muito prazer / e esse prazer é só meu”, abrindo com vocais quase místicos, até que um acordeom e um piano elétrico transportam a melodia para a MPB de 1981. Em Dois centímetros, ela recebe Assucena para uma mescla de reggae, blues e forró, mantendo o clima experimental e rítmico do álbum. Gula, por sua vez, une experimentação de estúdio, empoderamento, sexo, tentação, dança, até que no final a própria gravação é “engolida”.
O som de Vitoria também chega perto do tecnobrega (unido com forró, funk e eletrônico) em Crise de amor, e margeia o som de Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp em Gosto de fel, funk mangue com guitarras em wah wah e vocal-repente em clima de duelo dela consigo própria.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente / Tratore
Lançamento: 29 de maio de 2025
- Ouvimos: Marya Bravo – Eterno talvez
- Ouvimos: Josyara – Avia
- Ouvimos: Assucena – Lusco fusco
- Ouvimos: Flaira Ferro – Afeto radical
Crítica
Ouvimos: Samuel de Saboia – “As noites estão cada dia mais claras”

RESENHA: Disco de estreia de Samuel de Saboia mistura rock nordestino, MPB maldita, tropicalismo e pós-punk em um retrato intenso de desejo e identidade.
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As noites estão cada dia mais claras, primeiro álbum do pernambucano Samuel de Saboia, é um disco de rock brasileiro setentista lançado em 2025. Mas nada de Casa das Máquinas ou Made In Brazil. É uma estética de rock nordestino, influenciada por artistas malditos da MPB – a capa, com várias fotos, lembra o lay-out de Eu quero é botar meu bloco na rua, de Sérgio Sampaio, e o de Sweet Edy, de Edy Star – e que se utiliza de vibes e batidas latinas e ciganas em vários momentos.
O repertório de Samuel é construído em torno da força dos versos e dos vocais, como no clima épico de Vingança colorida (que prega: “vou mostrar como cobra pode voar”, em meio a violas e percussões) e na psicodelia espacial de Gira, evocando Paulo Diniz. Surge até algo de pós-punk em Deusa dos prazeres bobos – um dos melhores arranjos do disco, com metais simples e guitarra limpa lembrando Smiths.
Mesmo assim, a cara de As noites… é dada mesmo pela vibe tropicalista de faixas como Meteoros de haxixe (com andamento herdado de Taxman, dos Beatles) e Eu preciso de distância, ambas com vocais lembrando Edy Star e Gilberto Gil – a segunda é retomada ao fim do disco com uma releitura ao vivo.
Dando uma variedade maior ao disco, tem o clima quase soul de Amigo (que tem lembranças do já citado Sergio Sampaio), e a balada blues Rei de nada, que abre num clima parecido com o de Êxtase, de Guilherme Arantes, e vai mudando de cara. A força da voz de Samuel surge especialmente nos ecos e silêncios de Sangue, cheia de escalas árabes, e no beat nordestino, cantado em falsete, de Mainha.
As noites estão cada dia mais claras (definido por Samuel como um álbum de “desejo físico”) é repleto de descobertas e auto-descobertas. Ouça.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente.
Lançamento: 7 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Marcos Lamy – “Braço de mar”

RESENHA: Marcos Lamy mistura forró, samba, rap e jazz com bom humor e criatividade no disco Braço de mar.
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O meio do ano chegou e, com ele, vão surgindo os discos legais para ouvir justamente na época das festas juninas. O maranhense Marcos Lamy, em Braço de mar, une o bom humor do forró a toques de outros estilos. Lá vem, logo na abertura, abre como forró-reggae e vai ficando mais ágil. O som parte para o forró marítimo da faixa-título, para a sacanagem de Mulecagem (com Lucas Ló) e para a união com samba de Passarinho (com os vocais de Clara Madeira).
Marcos lembra o desdobre universitário das sanfonas, triângulos e zabumbas em Dois beijos e, com Hermes Castro, acresenta um pouco da prosódia do rap em O que não é de mim, enquanto Virá traz um pouco da MPB setentista e lembra Caetano Veloso. Um lado mais experimental, por sua vez, surge em Baião dividido – com ritmo que vai ganhando intervalos pouco usuais até virar baião de vez – e no final, com o instrumental Olha o fole, Vinicius!, oscilando entre baião e jazz.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de maio de 2025.
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