Crítica
Ouvimos: Porridge Radio, “The machine starts to sing” (EP)

Sem muitas explicações, o Porridge Radio chegou ao fim logo após lançar seu melhor álbum – cujo título já sugeria uma despedida, Clouds in the sky they will always be there for me (2024, resenhamos aqui). A intensidade quase gutural dos vocais de Dana Margolin e a sensibilidade extrema do som da banda talvez tenham cobrado um preço maior do que se imaginava. Como último recado, o grupo lança o EP The machine starts to sing, com quatro faixas das sessões do disco final – ainda que a banda britânica rejeite a ideia de “sobras de estúdio”.
A faixa quase-título, Machine starts to sing, com mais de seis minutos, traz uma das especialidades do Porridge Radio: começa soturna e contida, mas cresce em peso, ambiência e intensidade, à medida que a letra soma lembranças dolorosas, sombrias e infantis. Ok, na sequência, é um folk onde o vocal de Dana é um lamento, um gemido, quase choro, com um peso esmagador na garganta. Já Don’t want to dance é um folk triste com aura de rock dos anos 60, tocado no violão e crescendo até um final de intensidade maníaca.
O encerramento vem com os silêncios e esporros de I’ve got a feeling (Stay lucky), onde a letra busca sentido no caos e em mensagens dispersas – outra especialidade da banda. “E eu tenho um sentimento, um sentimento dentro de mim / desenterrando ervas daninhas até que algo comece a acontecer”. De fato, um adeus que não pede explicação, só sentimento.
UPDATE: Dana Margolin decidiu falar um pouco sobre o fim da banda num papo com o podcast da revista Loud & Quiet.
Nota: 8,5
Gravadora: Secretly Canadian
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Crítica
Ouvimos: The Murder Capital, “Blindness”

O terceiro disco da banda irlandesa The Murder Capital, Blindness, é uma verdadeira tensão entre climas, timbres e gêneros – e é mais um disco que expõe aquela nossa velha tese, de que bandas como Wire e Public Image Ltd estão entre as mais influentes do universo.
O vocal blasé e a sensação de “tudo desabando” provocada por vários arranjos do álbum remetem diretamente a esses dois grupos, especialmente em faixas como Moonshot, That feeling (que abre com um clima à la Brian Eno, ou David Bowie em Berlim) e Can’t pretend to know. Mas o Murder Capital reproduz essas influências com personalidade, incorporando ainda diversas outras referências.
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Em meio ao ruído e ao clima pós-punk, a banda soa como um Duran Duran do mal em Worlds lost meaning, que traz algo misturado ali que também lembra Private dancer, hit de Tina Turner. A distant life remete à fase 1969 do Velvet Underground, enquanto Love of country assume um inesperado tom de rock sulista norte-americano – só que carregado de sombras. A faixa, um cântico contra a guerra e a supremacia, traz tensão nas afinações e versos cortantes: “eu sou apenas uma criança alcançando devaneios de alguns potes desta terra / você poderia me culpar por confundir seu amor pelo país com ódio ao homem?”.
Blindness ainda transita pelo rock dos anos 1990 em faixas como The fall e Death of a giant, que em alguns momentos evocam um Soul Asylum maldito ou um Guided By Voices distorcido – e, no caso dessa última, mexe com climas ligados ao math rock e ao pós-hardcore. Já Swallow abre com um loop hipnótico antes de se transformar em uma faixa na tradição dos Smiths, mas com uma voz grave, descambando depois para um som que parece o lado sombrio do Arctic Monkeys e dos próprios Smiths.
O álbum se encerra com Trailing a wing, uma composição de clima cinematográfico, com guitarras que oscilam entre o casual e o pesado, fechando o disco em tom sombrio.
Nota: 9
Gravadora: Human Seasons Records
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Dadá Joãozinho, “1997” (EP)

Tds bem global, disco de estreia de Dadá Joãozinho (2023), músico de Niterói (RJ) que se radicou em São Paulo, é inclassificável. Mas encontra abrigo justamente em seu experimentalismo, que une rap, jazz, música eletrônica, beatmaking, funk e MPB filtrada por evocações, intencionais ou não, a nomes como Di Melo.
A estreia unia também psicodelia, sambas em desconstrução e música “fluida”, que se desfaz e derrete como num quadro surrealista. Nas letras, o existencialismo pessoal de quem se muda para uma metrópole assustadora e precisa ganhar dinheiro para conseguir não ser engolido e cuspido rapidamente pela cidade grande, e as emoções de quem vive paixões arrebatadoras em meio ao caos.
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1997, EP novo de Dadá Joãozinho (o título é o ano de seu nascimento), oferece uma continuação mais orgânica e mais definível do que no álbum de estreia, trazendo várias sonoridades que, de uma forma ou de outra, giram em torno do samba. Olha pra mim, soft rock gravado com o grupo Raça, sugere uma busca do formato canção, mas com linguagem própria, com experimentalismo dosado. 100 anos, que elege o amor como “uma prática”, é um samba-rock “voador” que tem parentesco com o Azymuth. Subindo em árvore (De qualquer forma é grande) é outro samba-rock, mas que descamba para um clima folk e sonhador, cabendo efeitos de som.
As maiores curiosidades do EP ficam para o final: As coisas, parceria com a cantora carioca Jadidi, tem ar de ciranda, ou de marcha, com tom eletrônico e voz soft – a letra evoca uma tarde calma, e lembra um pouco a poesia de Antônio Cícero. Landa, divulgada como single antes do EP sair, é uma espécie de dream-MPB, com psicodelia e experimentação, mas que lá pelas tantas lembra nomes como Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo. A letra, em clima de oração, espera por dias melhores e recorda entes queridos: “ô minha vó / queria abraçar minha prima/queria que não tivesse briga/briga de família”.
Nota: 9
Gravadora: Innovative Leisure
Lançamento: 18 de fevereiro de 2025.
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