Crítica
Ouvimos: Menores Atos, “Fim do mundo”

- Fim do mundo é o novo disco da banda Menores Atos, formada por Cyro Sampaio (guitarra e voz), Celso Lehnemann (baixo) e Gustavo Marquardt (bateria). Ale Sater (Terno Rei) e Rodrigo Suricato (Barão Vermelho) são os convidados do álbum.
- O objetivo do grupo foi fazer seu disco mais conceitual. “Esse é um disco construído no meio de um cenário onde tudo em volta estava desmoronando. É sobre viver esse fim do mundo, mas também sobre enxergar um mundo novo a partir disso. Depois de chegar no limite de tudo, ver o sol se abrindo, seguir em frente e recomeçar”, diz o vocalista Cyro Sampaio.
- “Colocamos o nome de Fim do mundo porque a gente sempre optou pelo exagero. Nos momentos pesados e nos mais leves, levamos no limite, explorando o que cada um sente no seu íntimo quando as coisas não saem exatamente como o desejado. Lidar com esse Fim do mundo particular”, continua.
O Menores Atos quis fazer de seu novo disco um lançamento quase conceitual – algo que tenha a ver com um universo em que tudo esteja desmoronando, e em que seja complicado aceitar que as coisas não são nem serão mais as mesmas. Fim do mundo é dividido em movimentos, que tratam de dilemas, traumas, amores e sobrevivência, numa união musical e existencial que rende bons momentos e indica saídas diferentes para o rock brasileiro.
Um pouco mais próxima do emocore anos 2010 do que do pós-hardcore que costuma ser associado a seu nome, a banda carioca volta tratando de temas como um fim de relacionamento em que amor e amizade não fazem mais sentido (Pronto pra sumir), o vazio após situações mal-resolvidas (Sorte, na cola do tom emocional e melódico de bandas como Cloud Nothings), ressaca romântica (Tudo no mesmo lugar e Nem choro, nem festa – esta, com abertura eletrônica e boa marcação de guitarras) e bodes emocionais generalizados (o hard rock de argamassa punk Terremoto).
Todos os momentos do álbum são separados por vinhetas de menos de dez segundos, que servem mais como tags, ou como uma legendagem para o álbum, do que propriamente como contribuições musicais. A parte intitulada Em demolição guarda os momentos mais próximos da quebradeira rítmica pós-hardcore, como na sombria De canção em canção. O emo pesado de Preso no nosso passado é mais uma das faixas do álbum que falam de um relacionamento que acabou, deixando marcas profundas e sentimentos de negação em relação ao fim.
Aliás, a sequência de faixas variando entre o amor e o desamor deixa a impressão de que o Menores Atos poderia ter ido para lados bem mais variados no storytelling – embora Fim do mundo se sustente muito bem no tom existencial de várias letras, e na criatividade dos arranjos e das melodias, cabendo até referências de sons góticos e industriais em Furacão.
A parte final do disco, etiquetada pelo conceito Depois do sol e da chuva, aproxima o emocore do pós punk em Gravidade (com participação de Ale Sater, da banda Terno Rei), tangencia o power pop em Não tem mais verão (com Rodrigo Suricato, do Barão Vermelho, nos vocais), mantém a marcação de guitarra, baixo e bateria em Neblina e chega perto do dream pop na curta faixa-título. Um bom recomeço para o Menores Atos.
Nota: 8,5
Gravadora: Deck.
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Mamalarky, “Hex key”

Vindo do Texas e baseado em Atlanta, Georgia, o Mamalarky é formado por três amigos de colégio (a cantora e guitarrista Livvy Bennett, o baterista Dylan Hill e o tecladista Michael Hunter) e por uma baixista (Nook Khan) que depois se juntou à formação por um meio bastante incomum: a vocalista Livvy fez uma convocatória de músicos pelo Tinder (!) e ela apareceu.
Vem dando match, musicalmente falando, na história musical do quarteto até o momento – e Hex key, o terceiro álbum, continua a tradição não apenas de discos legais, como também de criações desafiadoras. Basicamente Hex key é cheio de canções que parecem com uma coisa, mas logo logo vão revelando outras faces.
É o que rola no alt pop de Broken bones, no tecnopop repleto de camadas de Won’t give up, no pop espacial e psicodélico da faixa-título (remetendo a Mutantes, The Waeve e a estranhices como Joe Meek) e em especial nas dissonâncias e no som “derretido” de The quiet – cujo ritmo, a maior parte do tempo, é dado por um barulho que parece uma flautinha percussiva, como numa trilha de desenho animado.
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Anhedonia, por sua vez, tem uma guitarra na abertura que remete a Pixies. Até que fica claro que aquele acorde que costura a faixa é uma referência ao início de Ziggy Stardust, de David Bowie, servindo de base para uma canção de clima espacial. Uma música que, como acontece em quase todo o disco, sempre tem uma mudança brusca de tom, de nota. Tanto que ainda tem Take me, um easy listening que é tudo, menos uma música de “fácil audição”, e um dubstep-bossa nova que lembra um Sparks moderninho, #1 best of all time.
A estranhice do Mamalarky em Hex key se torna um troço sem edição (e com rédea solta demais) em poucos momentos, como no pós-disco esquisitaço de Nothing lasts forever. De modo geral, é um pop estranho com alguma noção de que aquilo ali tem que ser compreendido de alguma forma (ou uma música pop com tendência a se desfazer a qualquer momento, tanto faz).
O grupo vai chegando perto de novo da psicodelia em músicas como MF e Blow up, e parece recriar Word, lado B dos Beatles, no indie pop Blush. Como hoje em dia é quase impossível que uma banda ou um artista não tenha um forte lado soft rock, ele aparece nas duas últimas faixas, Feel so wrong e Here’s everything.
Trafegando entre o som acessível e a experimentação com uma categoria que volta e meia lembra a fase anos 1990 do Pato Fu, o Mamalarky pode virar uma daquelas bandas que mudam para chegar ao mainstream – ou um daqueles grupos que fazem com que o mainstream fique um pouco igual a eles. Ou pode ficar num meio termo bem interessante para seu público. Só vendo.
Nota: 8,5
Gravadora: Epitaph
Lançamento: 11 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Divide and Dissolve, “Insatiable”

Insatiable, quinto disco do Divide and Dissolve, não é um disco. É um ambiente sonoro aterrador e sombrio, criado pela guitarrista australiana Takiaya Reed, mulher preta de ascendência cherokee. O som dela pode ser classificado rasteiramente como doom metal – ou quem sabe, indo mais além, pode ser definido como um stoner rock bem violento, bem psicodélico e bem arrastado.
Uma análise mais profunda enxergaria até música clássica ali: Insatiable é devastador, parece gravado no fundo de uma caverna, e parece, do começo ao fim, falar de sentimentos há anos deixados de lado, ou de histórias que não se conta a ninguém. A abertura com Hegemonic ainda não diz o que o álbum é: tem ruídos de voz operística, um barulho que lembra motor de helicóptero.
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Dai para a frente, tem o som destrutivo e metálico de Monolythic, parecendo um Black Sabbath perdido no horizonte, com guitarra, baixo e bateria enterrados na música. Withholding é como se no fim do túnel não houvesse uma luz, mas sim uma banda de metal ensaiando – como se viesse um som cavernoso de lá. Dichotomy é stoner blues metal soturno, enquanto Disintegrate parece uma longa introdução transformada em música – depois engrenando num riff cuja velocidade vai sendo diminuída.
O lado mais, digamos, erudito vai surgindo com Loneliness, que inicia com órgão e violino, e soa mais como uma música de igreja satânica do que como algo próximo do metal – e prossegue com a fantasmagórica Provenance, que soa como correntes rangendo, além da vinheta Grief, quase um acalanto, mas à distância. Death cult tem instrumentos de sopro vindos do inferno, compondo um só riff que funciona como um loop sombrio e satânico.
O mais louco é que, com todos esses predicados, Insatiable serve até para dar um relax e descansar a cabeça, em meio a ruídos e à descoberta de um mundo subterrâneo e lúgubre. Não é por acaso: a própria Takiaya faz questão de avisar que Insatiable é um disco “sobre o amor”, e que o repertório tem relacionamento com a sobrevivência dos dois povos aos quais ela pertence – e espelha a luta contra a supremacia branca. Ouça como se escutasse o som da guerrilha e da resistência.
Nome: 8,5
Gravadora: Bella Union
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Anna Ratto, “Vison negro”

Com raras exceções, disco não é filme para ter parte 2. No caso de Vison negro, novo disco de Anna Ratto, ele é a “parte 2” de um álbum lançado pela cantora em 2021, Contato imediato, dedicado à obra de Arnaldo Antunes. Mas felizmente, Vison negro, mais um mergulho na obra do ex-titã, está entre as exceções citadas no começo do texto, e confirma a regra inserindo bastante força no repertório relido (e lançado com exclusividade, já que há cinco faixas inéditas feitas especialmente para o disco).
Isso acontece até mesmo quando Anna comete ousadias, como a de resgatar Um branco, um xis, um zero, parceria de Arnaldo, Marisa Monte e Pepeu Gomes imortalizada na voz de Cássia Eller – e que aqui volta fiel ao rock-MPB dos anos 1990, da qual o co-produtor Liminha (que divide a função com Kassin) fez parte trabalhando com Titãs, Cidade Negra e outros nomes. Aliás, vale informar que o disco, inicialmente pensado como um EP, surgiu justamente da própria tour de Contato imediato, já que o set list foi ganhando outras músicas ao longo do tempo.
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Um detalhe que já vinha sendo revelado na história de Anna, e que surge com força em Vison negro, é que, partindo da MPB, ela chegou a um design sonoro bem mais próximo do rock. É o que surge na faixa-título, um blues-rock que depois se torna um som indie na onda dos White Stripes. E em Melhor não enfeitar, country-rock com cara de Raul Seixas, surgido de uma parceria entre Arnaldo, Paulo Miklos e Liminha. E também no ligeiro noise blues de Se tudo pode acontecer (de Arnaldo, Alice Ruiz, Paulo Tatit e João Bandeira).
Já Lágrimas no mar, do ex-titã com Pedro Baby, João Antunes e Marcia Xavier, é uma balada com cara beatle e uma slide guitar que remete a George Harrison. E uma curiosidade é Não temo, um power pop feito por Arnaldo e pela própria Anna, com bateria lembrando os ataques de Dave Grohl na cozinha de Smells like teen spirit, hit do Nirvana. O lado mais eminentemente MPB do disco, por sua vez, é exposto em faixas como a ciranda Bam bam bam (música que lembra bastante o som de Hyldon, parceiro de Arnaldo e Céu nesta faixa), e também no pop-reggae Dança – que é a cara de Marisa Monte, compositora da faixa com Arnaldo.
Um outro destaque é a popíssima Todo dia e toda hora com você, que a exemplo de Lágrimas no mar, tem algo de composição beatle – e tem os vocais divididos por Anna e Fernanda Takai. Uma música feita por Arnaldo com Marcelo Jeneci, Betão Aguiar, Fefê e Junix, e que chega a Vison negro com cara de sucesso, por sinal.
Nota: 9
Gravadora: Biscoito Fino
Lançamento: 11 de abril de 2025.
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