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Crítica

Ouvimos: Pharrell Williams, “Black Yacht Rock, Vol. 1: City of limitless access”

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Ouvimos: Pharrell Williams, "Black Yacht Rock, Vol. 1: City of limitless access"
  • Black Yacht Rock, Vol. 1: City of limitless access é o novo disco solo do norte-americano Pharrell Williams – possivelmente o disco de um projeto chamado Virginia, liderado por ele. O álbum foi lançado secretamente, em muita informação, para audição e download gratuitos. Não está nas plataformas de streaming até o momento.
  • O nome do disco faz referencia ao estado norte-americano da Virginia, onde Pharrell nasceu em 1973. Amigos como Tyler The Creator já se apressaram em divulgar o disco nas redes.
  • O “yacht rock”, estilo que Pharrell diz fazer no disco novo, é um parente do soft rock. Dentro desse gênero, acham-se baladas comerciais, canções com “balanço”, influências de estilos como jazz e disco music, e refrãos cantaroláveis. É um daqueles estilos cujo nome soa mais como uma maldição do que uma definição – e geralmente são considerados yacht rock Kenny Loggins, Doobie Brothers, Steely Dan, Supertramp e o Crosby, Stills & Nash do disco CSN, de 1977, em cuja capa eles aparecem relaxando numa embarcação.

Lançar um disco de surpresa, com promoção dosada e em esquema de “a mídia achou o disco na internet!” (sei) não é pra qualquer artista – ainda mais se o álbum nem sequer for lançado nas plataformas digitais. É o esquema de Black Yacht Rock, Vol. 1: City of limitless access, supostamente o álbum novo de Pharrell Williams. Ou o primeiro disco de uma banda nova chamada Virginia, da qual Williams é o vocalista.

Se fosse um nome novo do rock, do pop, da MPB ou de qualquer outro estilo musical fazendo o mesmo, o álbum possivelmente (e infelizmente) seria ignorado. Mas Pharrell pode fingir que esconde seu próprio álbum – muito embora o disco a essa altura já esteja até no YouTube e amigos famosos do artista já estejam compartilhando a obra.

City of limitless access cumpre o que promete ao anunciar “yacht rock preto”. Boa parte de suas dez faixas trabalham numa zona cinzenta entre r&b e rock, soando como uma atualização bacana da fase pop dos Doobie Brothers, com vocais trabalhados (eletronicamente trabalhados?), em faixas como Come on Donna, Just for fun e Richard Mille. A diferença em relação ao modelo seguido por Pharrell é a instrumentação basicamente eletrônica.

Já faixas como Caged bird free estão mais para um Thundercat sem voos instrumentais e com foco nas brincadeiras vocais e na instrumentação inorgânica. Ball é um rock dançante que, devidamente rearranjado e gravado com guitarras, poderia ter sido lançado lá por 1979. E 11:11 dá uma ligeira chupada nas linhas vocais iniciais e no refrão (transformado numa passagem instrumental) de Do it again, do Steely Dan.

No fim das contas, ao chegar a última faixa, Going back to VA, homenagem a Virginia natal que soa como perversão (boa, por sinal) de Going back to Indiana, do Jackson 5, fica a certeza da manha de prestidigitador de Pharrell Williams. Um cara, como compositor, sabe de suas limitações, mas tem noção dos ganchos que “pegam” na hora de fazer uma canção pop. Vale dizer que o disco não tem nada que lembre a chatonilda Happy – aliás Black yacht rock tem a melhor coleção de canções de Pharrell desde o auge do N.E.R.D, sua ex-banda. E não custa comentar que a ideia de uma apropriação preta do yacht rock é tão boa quanto a do country feito por Beyoncé.

Ouça o disco aqui.

Nota: 8
Gravadora: Independente.

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Ouvimos: Caxtrinho, “Queda livre”

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Ouvimos: Caxtrinho, “Queda livre”
  • Queda livre é o disco de estreia de Caxtrinho, ou Paulo Vitor Castro, músico de 25 anos, vindo de Belford Roxo, município da Baixada Fluminense (RJ). O álbum teve produção de Vovô Bebê e Eduardo Manso. O álbum integra as comemorações dos dez anos do selo fonográfico QTV.
  • A capa traz uma pintura, em acrílico sobre tela, do artista plástico Arjan Martins. “A tormenta e a ressaca do mar remetem à profusão sonora inventada por tantos músicos reunidos neste trabalho, em que samba e rock psicodélico se amigam e se transam o tempo todo”, conta sobre a capa o release do disco, que também recorda a origem do cantor. “O samba vem de Caxtrinho e da sua herança cultural do candomblé, que se estende da bisavó baiana até o artista carioca que, naturalmente, cresceu entre o pandeiro e o tambor”.
  • Da lista de músicos participantes de Queda livre, constam Negro Leo (voz), Ana Frango Elétrico (voz, piano), Thomas Harres (percussão) e Bruno Schiavo (voz).

Se você escutar o primeiro disco solo de Caxtrinho do começo ao fim, e ainda assim não conseguir entender o que é racismo em praticamente todas as suas manifestações…. Bom, ouça de novo. E de novo. Nas letras do álbum, o preconceito é um monstro nada discreto que surge em distâncias geográficas, nas (poucas) opções de diversão, nos problemas de transporte, na praia bem longe de casa, na cara feia de quem precisa lidar com você fora do lugar onde você mora. Na apropriação cultural nossa de cada dia.

Musicalmente, Queda livre é torto – e isso é um elogio. Daria para colocá-lo na gaveta dos retropicalismos, mas calma: tudo soa como se Luiz Melodia e Jards Macalé decidissem aderir à no wave, mas para responder aos discos de Lydia Lunch e James Chance, fizessem um disco brasileiro por opção, trevoso por raiz e psicodélico por vocação. Há um samba-blues de peso no álbum, Papagaio, um tema instrumental cubano-brasileiro, Vó Jura, e um samba curto, mais próximo do formal, que curiosamente se chama Samba errado. Mas no geral é um disco para ser ouvido como quem vê um filme cheio de cenas rápidas, cortes bruscos e sangue escorrendo.

O material é direto e reto como um soco, um recado para quem ainda não entendeu que a realidade pode ser bastante cruel, dependendo do primeiro cenário que você observa pela janela quando acorda. É o que rola no passeio nada feliz de Cria de Bel, na verdade de Branca de trança (“se subir o morro vai dar pressão/as pretas não vão entender legal, não”), na branquitude esfregada na cara de Brankkos (“tênis de marca/bochecha rosa/Santa Cecilia/férias no Leblon/blusa de banda/carne na mesa/match no Tinder”).

O final é para ouvir várias vezes: Rolé na B2, música aterradora, em que cuícas fantasmagóricas e efeitos dividem espaço com o relato de Caxtrinho sobre um estranho momento de respiro, cujo roteiro passa pela Avenida B2, em Duque de Caxias. Desastre na pista é um samba lisérgico para esses tempos de Ferraris usadas como se fossem armas (“chamava pista de meu bem/alto, corria bem/mas pista não é de ninguém”). Queda livre é um disco que tira o sono de quem não dorme o sono dos justos.

Nota: 10
Gravadora: QTV

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Crítica

Ouvimos: Faust, “Blickwinkel” (curated by Zappi Diermaier)

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Ouvimos: Faust, "Blickwinkel" (curated by Zappi Diermaier)

Se você está procurando uma música indecente para assustar vizinhos e atazanar transeuntes, esqueça qualquer grupo de heavy metal ou de punk, e tente a banda alemã Faust. Artífices do krautrock – o rock experimental alemão, parente tanto do punk quanto do rock progressivo – eles começaram em 1971, e desde o começo, fizeram carreira na experimentação, na dissonância, nas microfonias e nos efeitos de estúdio. Tanto que Werner “Zappi” Diermaier, Hans Joachim Irmler, Arnulf Meifert, Jean-Hervé Péron, Rudolf Sosna e Gunther Wüsthoff (a primeira formação do grupo) fizeram questão de agregar um engenheiro de som exclusivo, Kurt Graupner.

O curioso a respeito do Faust é que as origens da banda são até bem (vá lá) comerciais, já que o grupo tinha um criador, produtor e mentor. Era o jornalista e crítico musical Uwe Nettelbeck, que havia sido procurado pela Polydor alemã com uma proposta tentadora: criar uma banda “underground” que poderia ser a resposta do país aos Beatles e Rolling Stones.

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Uwe, digamos, entendeu mais ou menos bem a proposta: reuniu duas bandas alemãs em uma e montou o Faust, que levou para a gravadora. Convencer a empresa de que aquela banda numerosa e “difícil” seria a sensação do ano deve ter sido até fácil. Difícil foi convencer o público a ouvir um grupo tão maluco e experimental, inspirado por jazz e música concreta. Afinal se tratava de um grupo que no terceiro disco, The Faust tapes (lançado em 1973 pela Virgin, quando a própria Polydor já havia desistido), apresentava só duas longas músicas sem título, divididas em pequenos segmentos com ruídos, microfonias e gravações caseiras.

O Faust existiu até 1975, se reagrupou durante os anos 1980 para poucas apresentações e retornou nos anos 1990 com três integrantes originais. Fizeram até uma primeira tour pelos EUA em 1994. De lá para cá, dá para dizer que a banda nunca mais parou, com direito a uma vinda ao Brasil em 2011. Em 2022, saiu Punkt, disco “perdido” deles gravado em 1974, e que havia sido recusado pela Virgin. Agora é a vez de Blickwinkel, álbum que marca uma fase em que a banda tem curadoria do fundador Zappi Diermaier, com a presença de uma turma animada de músicos (um deles, o também fundador Gunther Wüsthoff).

O grupo que ajudou a fundamentar a estética motorik (batidas intermitentes e quase robóticas), copiada pelo pós-punk todo, volta disposto a criar cenários fantasmagóricos e psicodélicos, em sete longas faixas instrumentais que chegam a parecer surrealistas – uma delas, basicamente uma música de violão, percussão e ruídos, se chama Sunny night (“noite ensolarada”). For schlaghammer, na abertura, parece uma música de perseguição, criada por percussões que lembram passos, sintetizadores e ruídos metálicos.

Künstliche intelligenz lembra um pouco a fase A saucerful of secrets, do Pink Floyd (1968), e tem um ar meio Syd Barrett em alguns momentos. Kriminelle kur é progressivo funkeado e distorcido na onda do King Crimson, e é a faixa do disco que mais se aproxima da noção de “rock instrumental”. No final, o ruído inconformista, perturbador e heavy de Die 5 revolution, e o batidão aterrorizante de Kratie.

É música, literalmente, feita para incomodar.

Nota: 9
Gravadora: Bureau B

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Ouvimos: The Wolfgang Press, “A 2nd shape”

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Ouvimos: The Wolfgang Press, “A 2nd shape”
  • A 2nd shape é o primeiro álbum da banda britânica The Wolfgang Press em mais de três décadas. O grupo se notabilizou por ser uma das bandas da primeira onda da gravadora 4AD. Desde o retorno, o trio só havia lançado um mini-LP comemorativo do Record Store Day, Unremembered remembered (2020).
  • A banda volta com formação mudada: o tecladista Mark Cox saiu e a Michael Allen (voz e baixo) e Andrew Gray (guitarra), junta-se o irmão deste último, Stephen. O disco foi gravado com métodos pré-Pro Tools, como se fosse uma gravação dos anos 1980. “Sempre começamos pelo barulho, e foi o que fizemos nesse disco novo”, contou Allen ao site The Quietus.

Uma das bandas mais interessantes da era de ouro do selo 4AD, antes até da gravadora se notabilizar pelos álbuns dos Pixies, o Wolfgang Press sempre fez basicamente pós-punk gótico sem os vícios de tudo aquilo que é chamado de “gótico”. Em alguns casos, dava para dizer que era um Killing Joke ainda mais cerebral, e mais interessado em sonoridades próximas do funk – e o que diz muito a respeito do Wolfgang Press é a paixão que o vocalista e baixista Michael Allen tem por Metal box, segundo álbum do Public Image Ltd.

Sumido há quase três décadas, o WP retornou este ano sem o tecladista Mark Cox, e com Allen e Andrew Gray (guitarra) formando um novo trio com o irmão do guitarrista, Stephen, nos teclados. O grupo fez questão de esquecer os poucos momentos em que tentou soar mais palatável – como em hits Going South, Kansas, Christianity e A girl like you, repletos de ganchos melódicos, combinando groove e estética musical sombria. A palavra de ordem aqui é “esquisitice”, mas na medida certa: o grupo largou o lado funky de lançamentos anteriores e A 2nd shape parece um Cabaret Voltaire com algum balanço, um Steve Albini marcial e eletrônico, com músicas gravadas com tecnologia antiga (usaram um gravador ADAT de oito pistas), baixo, teclados e programações na frente, e vocais lamentosos.

No novo álbum, o Wolfgang Press faz até uma paródia dark de música surfística (a assombrosa The sad surfer), mas o que chama mais atenção é a disposição para construir atmosferas sonoras de teor quase industrial, em temas como a guerreira Take it backwards, as kraftwerkianas Glacier e The 1st, o bolerinho 21st century, as sinistras Knock, knock e This garden of Eden. Quase tudo em A 2nd shape é marcado por teclados e programações que se assemelham a passos distantes ou ruídos por trás da porta, como numa série de canções para ninar monstros.

Nota: 8,5
Gravadora: Downwards

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