Crítica
Ouvimos: Liana Flores, “Flower of the soul”

- Flower of the soul é o primeiro álbum da cantora anglo-brasileira Liana Flores, inspirado por folk norte-americano dos anos 1960 e por bossa nova. “Eu frequentemente me perco na música que estou fazendo. Da mesma forma, se alguém precisar escapar deste mundo por um tempo, espero poder oferecer isso a eles”, contou ao NME.
- Ela conheceu artistas como Gal Costa, Caetano Veloso e João Gilberto em casa, apresentados pela mãe. “Eu não ia visitar muito o Brasil. Ainda estou meio que aprendendo português porque não cresci falando português. Então, acho que realmente entrar nessa música foi uma forma de estar em contato com a cultura brasileira, de uma forma bem acessível”, cont0u ao site The Life Of Best Fit.
Liana Flores é uma cantora de origem brasileira e britânica, que canta em inglês, e cuja gama de influências abrange nomes como Astrud Gilberto e Caetano Veloso. Mas nem de longe imagine um clima jazz-MPB-retropicalista barato ao começar a escutar Flower of the soul, o primeiro disco dela.
Para começar, as influências dela incluem também nomes como Nick Drake e Joan Baez, além de Kate Bush – a quem Flower é dedicado. O som do álbum de Liana é puro bittersweet, uma mistura contemplativa de sons lembrando Carpenters, Joni Mitchell, Kate Bush, Tom Jobim, Judee Sill e nomes absolutamente doloridos e desconhecidos como Robert Lester Folsom, Catherine Ribeiro e Janis Ian.
Flower of the soul une tudo isso com influências de jazz e bossa nova, tudo equlibradinho, com clima ligeiramente psicodélico emfaixas como Hello again, Orange-coloured day (com vocais e piano bastante criativos, numa mistura explosiva de Karen Carpenter e Tom Jobim) e o soft rock de Nightvisions e Slowly – essa última com som mântrico, percussão discreta e um violão circular lembrando o de Caetano Veloso.
Do começo ao fim, o álbum de Liana soa como uma das reedições de discos obscuros do selo Kemado Records, só que foi tudo feito agora mesmo. Músicas como Crystalline e I wish for the rain têm sonoridade quase mágica, combinando cordas e vocais elaborados. Now and then parece ter sido feita na virada dos anos 1960 para os 1970 – uma faixa que destaca violão, cello e voz e que faz lembrar o lado mais pastoril do progressivo setentista. Cuckoo é uma balada quase jobiniana e Halfway heart é jazz-bossa sem clichês.
Flower of the soul tem também Butterfiles, gravada com Tim Bernardes, e a única faixa a trazer alguns versos cantados em português. É também a única faixa que parece dedicada a reviver algo do passado da MPB, como se fosse uma bossa de Marcos Valle ou Edu Lobo pronta para ganhar uma releitura do Sergio Mendes. O disco ganhou recentemente uma edição deluxe, subintitulada Full bloom, com mais duas faixas. São as cantigas folk Borrow mine e Strangest shapes, mais deslocadas de tempo e espaço que qualquer outra coisa no álbum. Flower é um disco que habita uma era especial e diferenciada, que está dentro do/da ouvinte.
Nota: 10
Gravadora: Verve
Lançamento: 28 de junho de 2024.
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Crítica
Ouvimos: Peter Murphy – “Silver shade”

RESENHA: No novo álbum, Silver shade, Peter Murphy mistura pós-punk, darkwave e clima Bowie anos 1990 – tem coisas boas, mas parece distante do brilho de seus discos clássicos.
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Vou começar a resenha com uma pergunta a você, que ouviu Silver shade antes de mim (o disco foi lançado tem alguns meses): você curtiu o novo disco de Peter Murphy de verdade, ou fui eu que impliquei com certos detalhes dele?
Eu já comecei a achar que havia algo estranho nesse disco por causa da capa – o rosto do ex-cantor do Bauhaus se transforma numa “coisa” metálica que mais lembra uma daquelas travessas de aço inox que só saem do armário para servir o peru de Natal, ou os cabos de talheres antigos do tempo de vovó garota. A voz de Peter continua impostada, lá em cima, mas ganhou um ligeiro tom canastrão que causa certas dúvidas. Swoon e Hut boy, dois temas darkwave de quatro costados que abrem o álbum, vão nessa linha.
Apesar da abertura em tom sombrio e eletrônico, Silver shade é na maior parte do tempo um disco que une pós-punk, alguns climas progressivos de FM e vibes trevosas. Sherpa é pós-punk de base “dark”, a faixa-título soa quase grunge, The artroom wonder soa bastante parecida com o começo da fase anos 1990 de David Bowie, e vai por aí. Já a enorme The meaning of my life parece um Duran Duran sombrio, reflexivo e meio pesado.
- Relembrando: Peter Murphy, Love hysteria (1988)
- Corpus Delicti: pós-punk clássico da França de volta
O canto de Bowie paira também sobre as duas melhores músicas do disco, Xavier new boy e Cochita is lame – essa última, com clima chique ligado à música dos anos 1960 e a trilhas de filmes policiais. Peter invade a pequena área do rock pauleira em Soothsayer e soa exagerado e meio (vá lá) cafona em faixas como Time waits e The salimaker’s charm (que soa como um Pink Floyd anos 1980 travado). Let the flowers grow, com Boy George, é meditativa, meio deprê e ressoa bem.
Silver shade tem méritos – e é Peter Murphy na atividade, ora bolas. Mas do começo ao fim você vai esperar algo gracioso como as faixas de discos antigos do cantor do Bauhaus, como Love hysteria (1988) e Deep (1989), e não vai achar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Metropolis Records
Lançamento: 9 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: La Flemme – “La fête”

RESENHA: Garage rock francês com cowpunk, surf e noise: La fête, estreia do La Flemme, é barulhento, blasé e cheio de boas ideias.
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O garage rock francês vai muito bem, obrigado. O La Flemme, em seu primeiro álbum, La fête, mostra-se uma banda de garagem com tendências a abarcar estilos como o bom e velho cowpunk (a faixa-título, dos versos exaustos “os jovens querem festejar / a preguiça”, repetidos o tempo todo), a surf music dos anos 1960 (a melô do pássaro do mau agouro Oiseau, e Laissez-moi tranquile) e até noise rock – esse, nos ruídos finais de Marre de vous e Demain.
O La Flemme tem bastante ligação com o pop francês, embora isso não seja esfregado na cara de quem ouve – dá para perceber no clima chique e irônico do pós-punk Le petit du camas, com vocais falando lembrando Serge Gainsbourg, e na brincadeira ruidosa e quase psicodélica de Mer azur. Um verdadeiro ET em La fête é Tunnel, um garage rock psicodélico, espacial e instrumental de quase sete minutos, com várias partes que migram para um clima quase stoner. O tipo de faixa que na era do CD talvez virasse um bônus escondido – com uma vibe não tão representativa da banda.
Em boa parte das letras de La fête, o narrador é o personagem que já está de saco cheio das mesmas pessoas e situações, como no perrengue alcoólico de Demain, e no tédio geral de Sans fond (“vamos falar pouco, mas vamos falar de verdade / nunca sem dizer nada / isso me entendia!”) e de Laissez-moi tranquile (“me deixem em paz”, em bom português). Um disco de estreia bacana, barulhento e cheio de atitude blasé.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Araúnas – “Relva”

RESENHA: Araúnas estreia com Relva, disco que mistura noise rock, psicodelia e brasilidades em faixas experimentais e cheias de climas mutantes.
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A banda sergipana Araúnas já se chamou Amagatos e Relva – e preferiu adotar esse último nome para chamar seu primeiro álbum, dedicado a uma união desconcertante de noise rock e psicodelia. Victor Caldas (vozes e guitarra), Guilherme Mateus (vozes e bateria), Guilherme Bagio (guitarra) e João Pedro França (baixo) também inserem partículas de brasilidade em seu som, vistas em linhas vocais e em algumas células rítmicas que surgem nas músicas.
Relva, o disco, abre com algo que poderia estar no Paebiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes – a música natural da vinheta Natureza morta. Mostra sua verdadeira face com o indie rock de Bento – que prossegue ganhando guitarras ruidosas – e com o noise brasileiro de Panorama. Sumidouro é repleta de variações: começa ameaçando um samba, continua numa onda quase 60’s e vai ganhando um design musical pós-punk. A percussiva e libertária Ana foge e descobre a noite tem uma onda macia e dissonante que faz lembrar, ao mesmo tempo, Smiths e Pink Floyd.
O ex-grupo de Roger Waters também é devidamente louvado na meditativa Corre, com participação de Yves Deluc (Cidade Dormitório) e climas que lembram o disco Atom heart mother (1970). Desamparo é um indie-samba-rock de quase seis minutos e Alto-mar (com Danilo Garcez, do Ventocais) soa como uma esquina entre grunge e pós-punk. No fim, sons marítimos e clima tranquilo na bossa Música do mar, que fecha o ciclo de Relva.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 29 de maio de 2025.
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