Crítica
Ouvimos: Eminem, “The death of Slim Shady (Coup de grace)”

- The death of Slim Shady (Coup de grace) é o décimo-segundo disco de estúdio do rapper Eminem. A lista de convidados inclui participantes como White Gold, Sly Pyper, Bizarre, JID, Dem Jointz, Ez Mil, Skylar Grey, Big Sean, Moe Men-E, BabyTron e Jelly Rol, além de mais de uma dezena de produtores.
- O Slim Shady do título é o alter ego de Eminem, que ele coloca como sendo o responsável por todas as polêmicas em que ele se envolveu, por causa de mensagens preconceituosas nas músicas. Em abril chegou a ser publicado um vídeo policial, durante o draft da National Football League, em que rolava a pergunta: “quem matou Slim Shady?”. O tal vídeo, no estilo do programa Unsolved mysteries (Netflix) trazia até a lista de inimigos do personagem.
O último disco de Eminem que deu pra ouvir do começo ao fim sem cansar foi Recovery (2010). Revival (2017), produzido por Rick Rubin e com referências de rock em algumas faixas, além de participações de Pink e Ed Sheeran, é mais uma ideia razoável do que um disco realmente bom. Os outros discos que vieram na sequência não foram muito diferentes disso – mesmo Music to be murdered by (2020), disco supostamente “de terror” (e inspirado em Alfred Hitchcock), não saiu muito dessa.
Em The death of Slim Shady (Coup de grace), novo disco do rapper, pelo menos a ideia é mais abrangente e bacana. Sacando os novos tempos, ou pelo menos querendo tirar um barato disso tudo (mais provável), o rapper branco decidiu fazer uma espécie de Crise nas infinitas terras particular. Slim Shady, seu alter ego ofensivo, supostamente chega ao fim da linha – não sem antes fazer das suas, tipo manipular e ameaçar Eminem (em Habits) e sequestrá-lo (na vinheta Trouble).
Um exercício interessante é tentar se colocar no lugar de Eminem ou de Shady ao ouvir o álbum, já que o lado infame do rapper continua funcionando regularmente. Inclusive na melhor faixa do disco, Brand new dance, horrorcore no qual ele fez mais uma de suas costumeiras referências idiotas ao ator Christopher Reeve, que interpretou o Superman.
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O que dá pra dizer sobre o decorrer de The death of Slim Shady é que se trata de um disco conceitual sem conceito, ou algo do tipo. Slim Shady vai desaparecendo, mas é evocado em várias faixas, como no balanço festeiro de Houdini (que fala sobre o renascimento do personagem) ou nos diálogos de Road rage, mais um bate-papo entre Eminem e seu alter-ego, passando por temas como internet, cancelamento, etc. Guilty coinscience 2 é quase uma batalha de rimas entre Eminem e Shady, o segundo com uma voz distorcida, como se viesse de uma chamada telefônica – o rapper reclama que seu personagem age como os valentões que faziam bullying com ele, Shady responde “e daí?” e diz que ajudou a tornar Marshall (Eminem) um milionário.
The death of Slim Shady está bem longe de ser aquele tipo de disco que dá pra ouvir sem sentir algum cansaço – especialmente porque Eminem e sua turma não voltam no auge da criação de batidas e ganchos pop. Tem lá seus lados bons e cresce à medida que a contação de histórias começa a criar alguma expectativa sobre o que vai ser de Eminem sem Shady, já que fica meio claro que um dependeu muito do outro.
Vale citar que o Eminem renascido do final do álbum é um macho alfa arrependido, que largou as drogas e lamenta ter magoado a filha, a hoje influencer Hailie Scott. Ela é a personagem de Temporary e de Somebody save me, raps de argamassa pop e quase gospel, nos quais ele enumera vários vacilos que cometeu como pai, em versos como “sei que não fui ao seu primeiro recital de violão/nem te levei ao altar/perdi o nascimento do seu primeiro filho” e “desculpe por escolher as drogas e colocá-las acima de você”. Não é o melhor lado do disco.
Nota: 6,5
Gravadora: Shady/Aftermath/Interscope
Crítica
Ouvimos: Hyldon e Adrian Younge – “JID023”

RESENHA: Hyldon celebra 50 anos de seu primeiro álbum com o psicodélico JID023, feito com Adrian Younge e com as últimas gravações de Mamão, do Azymuth.
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É um momento ótimo para Hyldon, que acaba de ter sua história lembrada num documentário (As dores do mundo, de Emílio Domingos e Felipe David Rodrigues, em cartaz no festival In-Edit), comemora 50 anos de seu primeiro álbum, Na rua, na chuva, na fazenda e vem lançando coisas: já saíram dois singles – um deles é uma versão ao vivo da gozadora Três éguas, um jumento e uma vaca – e este álbum JID023, dividido com o produtor norte-americano Adrian Younge.
Adrian, um cara que sonhava com a música brasileira lá de longe e conseguiu trabalhar com vários de seus ídolos, tem uma perspectiva bem diversificada de música. Seus discos costumam descascar a música até sobrar nelas o que há de mais psicodélico, despojado, experimental e viajante. Foi assim quando ele trabalhou com Marcos Valle, Azymuth, João Donato – e também quando, recentemente, ele reuniu uma galera animada para gravar o ótimo disco solo Something about April III (que resenhamos aqui).
Trabalhando com Hyldon, não foi diferente – aliás o Hyldon de JID023 é o artista que observava os sons por um viés absolutamente pessoal em Deus, a natureza e a música (o segundo disco, de 1976) e que cantava as paixões possíveis e impossíveis a plenos pulmões em Nossa história de amor (1977). Músicas como Viajante do Planeta Azul e O caçador de estrelas alinham-se a uma perspectiva quase pinkfloydiana do soul, com psicodelia, climas viajantes e certa sensação de desnorteio – além de uma ambiência que lembra o Khruangbin.
Músicas como Um lugar legal e Olhos castanhos continuam na mesma vibe espacial, combinando jazz e soul. Jenipapo robô abre com sons distorcidos e, ao engatar, chega a lembrar um tema de série. Favela do Rio de Janeiro vai para a área do samba-soul e Verão na Califórnia (Summertime in California) é o lado hippie do álbum, com guitarra wah-wah e balanço latino. No final, o afrobeat panteísta de Nhandervuçu (The creator god) impressiona mais ainda.
E se mesmo depois disso ainda falta motivos para você ouvir JID023, vai aí mais um: ele tem as últimas gravações de Ivan Conti (Mamão), baterista do Azymuth morto em 2023. Ouça tudo no volume máximo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Jazz Is Dead
Lançamento: 4 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Azymuth – “Marca passo”

RESENHA: O Azymuth volta com Marca passo, disco que homenageia o saudoso baterista Mamão e reafirma seu samba-jazz elegante, nostálgico, vivo e (bastante) resistente.
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O trio carioca Azymuth tem mostrado com o passar dos anos uma resistência digna das bandas de rock mais duradouras: foram-se o tecladista José Roberto Bertrami e o baterista Ivan Conti (Mamão), e o baixista Alex Malheiros manda bala no “o show tem que continuar”. Kiko Continentino já assumira os teclados após a partida de Bertrami (em 2012) e o experiente Renato Massa hoje ocupa as baquetas. Marca passo, novo álbum do grupo, foi anunciado pela gravadora britânica Far Out justamente quando completávamos dois anos sem Mamão (17 de abril).
O Azymuth não ressurge com nenhum hit de assimilação rápida, como aconteceu com as quase gêmeas Na linha do horizonte e Voo sobre o horizonte, e com a misteriosa Melô da cuíca – por sinal, as três impulsionadas por trilhas de novela, Cuca legal (1974), Locomotivas (1977) e Pecado capital (1975). Mas a banda ressurge afiada, com sua mistura vintage de samba, jazz, soul e pop que sempre definiu sua música. Tem o clima retrô de Fantasy 82, o balanço elegante de Marca tempo e O mergulhador (com vocoder nos vocais), e a beleza percussiva e quase etérea de Crianças valentes – faixa que parece pedir uma letra e um vocal feminino.
- Ouvimos: Marcos Valle – Túnel acústico
- Marcos Valle: “Por causa de Estrelar, em 1983, eu virei o Xuxo” (entrevista)
O trio também homenageia Mamão com a melódica Samba pro Mamão, que parece evocar trechos de O Guarani, de Carlos Gomes. Ainda revisita Last summer in Rio, do álbum Telecommunication (1983), agora com a guitarra de Jean Paul “Bluey” Maunick, do Incognito. E mostra que o samba-jazz ainda pode ganhar as rádios com Andaraí, samba-jazz simples ágil e rimado, com letra curta que combina “Andaraí” e “Icaraí”, entre outros lugares. Pra ouvir logo cedo e sair bem no dia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Far Out Recordings
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Luedji Luna – “Antes que a Terra acabe”

RESENHA: Luedji Luna mergulha no romantismo cru em Antes que a Terra acabe, disco pop-soul com Arthur Verocai, dream pop, bossa e até pitadas de trap e psicodelia.
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“Enquanto o primeiro disco ilustra minha busca por amar e ser amada, o segundo revela até onde eu posso ir para resolver essa carência”, contou Luedji Luna, para diferenciar Antes que a Terra acabe de sua primeira parte, Um mar pra cada um, lançada uma semana antes (e resenhada pela gente aqui).
O título do álbum anterior terminava com uma vírgula — uma pista de que aquele pop marítimo teria continuação. E teve. Antes que a Terra acabe sugere uma virada mais seca e menos solar, mas entrega um disco de neo-soul de espírito hedonista, muitas vezes mais pop do que seu antecessor.
Ainda assim, há ousadias. Apocalipse, com Seu Jorge, ganha arranjos do veterano Arthur Verocai. Pavão flerta com o dream pop em algumas passagens, falando de um relacionamento em desequilíbrio. Bonita, gravada com participação de Alaíde Costa, mistura português, francês e inglês sobre uma bossa delicada.
- Ouvimos: Alaíde Costa – Uma estrela para Dalva
- Ouvimos: Raquel – Não incendiei a casa por milagre
- Ouvimos: Josyara – Avia
- Ouvimos: Assucena – Lusco fusco
Já nas letras, Antes que a Terra acabe investe pesado num romantismo cascudo, acostumado a lidar com frustrações, mas na espera do melhor. Como o amor não realizado de Imã, a vibe platônica do reggae soul Mara (com trecho de letra herdado de Beijo partido, de Toninho Horta) e o amor infiel do samba-reggae Iôiô. Já a ótima Às cegas é jazz-samba-soul sobre uma paquera duvidosa e sem muitas pistas.
Antes que a Terra acabe une também elementos de trap nos vocais e nas batidas de No Farol da Barra. E chega perto de um pop psicodélico e viajante em faixas como Requinte (com Zudizilla) e Outono, na qual teclados e programação parecem reproduzir a calmaria da estação.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 13 de junho de 2025.
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