Cultura Pop
Marcos Valle: “Por causa de ‘Estrelar’, em 1983, eu virei o Xuxo”

Marcos Valle é um cara cheio de energia. Fala rápido, emenda vários assuntos e recorre à música para falar dela própria. Procurado pelo POP FANTASMA para recordar os tempos de seu disco epônimo de 1983 (que acaba ser reeditado em vinil pelo selo Mr. Bongo), ele revisitou Estrelar, o principal hit do disco, imitando até as levadas da canção com a boca.
Por sinal, muita coisa do arranjo que você ouve até hoje – criado pelo inesquecível Lincoln Olivetti – foi criado dessa forma. “Ele fazia tudo com a boca, passava para todo mundo e os caras faziam igual”, recorda. A base instrumental de Estrelar tinha sido composta nos Estados Unidos por Marcos e pelo americano Leon Ware (1940-2017). E, pode acreditar, a música quase ficou de fora do disco, lançado em 1983 pela Som Livre. A gravadora tinha prazos e, até o fim da gravação do álbum, nem o cantor nem seu irmão e letrista Paulo Sergio Valle tinham ainda uma letra pronta. Foi justamente a palavra “energia” que mudou a história da canção,. E turbinou o pop adulto de rádio, que por aqueles tempos ganhava hit atrás de hit (Lulu Santos, Ritchie, Marina Lima, Dalto).
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Já relançado em CD em algumas ocasiões, Marcos Valle, o disco, volta ao universo do vinil, por intermédio do selo inglês Mr. Bongo. Dessa vez, sai numa edição incrível, remasterizada pelo engenheiro de som Miles Showell no lendário estúdio Abbey Road. Para o relançamento, Miles usou a técnica Half-Speed Mastering – na qual o disco é masterizado a uma velocidade menor, resltando em um som mais definido. Batemos um papo com Marcos por telefone e ele relembrou os tempos felizes de Estrelar, música que serviu de trilha sonora para um daqueles períodos raros em que, num país bizarro como o Brasil, parecia que tudo ia dar certo. Não deu até hoje, mas fica a música.
POP FANTASMA: O seu disco de 1983 tem reaparecido hoje em dia como um dos álbuns mais conhecidos da onda boogie, que era um termo que era pouco usado no Brasil naquela época. Como você vê essa redescoberta?
MARCOS VALLE: Na verdade quando eu gravei esse disco, na minha cabeça essa coisa do boogie não era minha meta. Esse disco é uma consequência daquele trabalho que fiz quando fui morar de 1975 a 1980 em Los Angeles, e ali fiz aquela minha parceria com o Leon Ware. A maioria das músicas desse disco, inclusive o próprio Estrelar, são consequências dessa parceria, que caminhou por vários lados. As ligações com o Leon Ware vêm muito pelo som da black music, do soul, do R&B, e do boogie.
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Mas na minha cabeça, o boogie ficou como uma sutileza na história. Eu pensava que estava fazendo uma ligação entre os ritmos brasileiros e a black music. E assim foi nascendo, porque ficava uma mistura de baião com esses estilos. Por exemplo, o Estrelar, no fundo é um funkeado que tem um baião (imita o ritmo com a boca). Eu pensava muito mais no prazer que eu estava tendo com as misturas. Aquele momento pra mim foi saboroso. Mas antes desse disco, eu gravei o Vontade de rever você (1981)…
Que é o primeiro pela Som Livre, inclusive.
Isso, eu volto para o Brasil exatamente porque a Som Livre está pedindo um disco meu. Falaram até com meu irmão: “Pô, fala com o Marcos, ele tem que voltar!”.
E antes você tinha feito coisas para a Som Livre, mas mais como convidado, porque você era da Odeon, certo?
Exatamente, o tempo todo eu fui da Odeon. Naquele momento, a Som Livre, com o Max Pierre, que era o diretor musical, estava interessada naquela mistura que eu estava fazendo. Sabia que o Chicago tinha gravado músicas minhas. Acabei aceitando voltar, porque eu estava com muita saudade do Brasil. Primeiro chego aqui para ver, fui no Arpoador, me encantei com aquilo tudo e falei: “Eu vou voltar!”. Ainda fui para os Estados Unidos, terminei algumas coisas com o Leon Ware, inclusive o Estrelar. E aí entreguei apartamento, aquelas coisas que você tem que fazer na hora de voltar.
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Quando fui fazer o Vontade de rever você, que tem muitas parcerias minhas com o Leon, eu não coloquei o Estrelar. Ela já tinha aquela misturada na época. O disco tinha o Velhos surfistas querendo voar, que é uma adaptação em português do Rockin’ you eternally (gravada por Leon no disco de mesmo nome, 1981). Esse disco tem também A Paraíba não é Chicago, que é uma adaptação do Baby don’t stop me (também gravada por Leon no mesmo disco). Mas ainda não havíamos chegado no boogie.
Esse disco tem essa misturada toda, mas quando chegou no de 1983, o Max me pediu: “Marcos, você e Lincoln (Olivetti) juntos vão botar pra quebrar! Porque é uma linguagem parecida, estão na mesma direção. Ele com essa coisa dos metais, somado aos seus teclados, vai dar uma coisa fantástica”. Topei imediatamente porque eu era fã do Lincoln, ele era meu fã. Aí o disco toma essa forma mais dançante, mais energética, do ritmo prevalecendo. Com os metais do Lincoln isso aparece mais.
E é verdade que Estrelar quase não entrou no disco?
Isso, porque o Estrelar tinha sido uma das últimas músicas que eu gravei com o Leon. Eu cheguei aqui em 1980, tive esse reencontro com o Rio, voltei para lá, trabalhei em algumas músicas – inclusive Estrelar – e voltei. Aí fiz um demo. Como o Leon tinha uma editora dentro da A&M Records, tínhamos um estúdio à nossa disposição para o que fazia com ele. Era só chegar lá e chamar a moçada para gravar com a gente. A gente fez a demo de Estrelar e trouxe essa gravação, mas ela já pronta, mixada. Mostrei para o Max e para o Lincoln. E eles se apaixonaram pela música. Isso na época do segundo disco. Engraçado que não mostrei para eles no primeiro disco, guardei.
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A gente começou a pensar o disco: “Vai ser de músicas novas, misturadas?”. Quando o Lincoln ouviu o demo, falou: “Max, p… que pariu, vamos usar esse demo!”. Mas vimos que tecnicamente ia ser complicado, a gente não tinha feito aquilo como gravação final, nem tinha pistas separadas. A gente achou mais simples imitar a gravação e o Lincoln colocar em cima os metais. Foi gravado, ficou no disco, mas a letra não saía. A gente foi gravando as outras coisas. Meu irmão tinha colocado outras letras, eu e Lincoln fomos gravando as bases, o disco com aquela energia cada vez mais forte… Mas o futuro Estrelar não tinha letra, o Paulo Sergio (irmão de Marcos e letrista) não conseguia.
Até que o Max chegou e falou: “Marcos, essa música vai sair do disco, a gente tem que lançar, tem prazos. Se vocês não fizerem uma letra ela tá fora”. O Lincoln: “Max, não me faça uma coisa dessas!”. Aí a gente foi pro estúdio, já tendo gravado tudo. Botamos Estrelar pra tocar, aquele som, alto pra caramba (imita os metais da abertura). Mas foi bom, porque à medida que a gente ia ouvindo, falava: “O que a letra tá dizendo? Tem que ser agora!”. Alguém falou “energia”, “que energia!”. Quando falaram isso, puxou: “energia, exercício, ginástica”. Peguei uma frase da guitarra (imita), cortei a melodia, porque pra colocar uma letra seria complicado. Aí que surgiu o “tem que correr”, e apareceu a ideia de trazer o tema do verão, da alegria. A gente estava de volta à democracia!
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A música foi lançada na época certa, não é? Passou 1982 e as pessoas tinham alguma certeza de que as coisas haviam mudado no país.
Isso, por isso que caiu no momento certo, com a vibração certa, a coisa dançante, “vamos comemorar”. Foi um série de coisas e ela se tornou a música que puxou o disco. Max quando ouviu chamou os caras de rádio, e disseram: “Cara, isso vai arrebentar!” E ainda por cima tiveram a ideia de mandar a música para as academias de ginástica! Todas começaram a tocar. Essa música depois virou o tal do boogie. Eu estava fazendo isso mas nem sei definir os ritmos que eu faço. Como é uma mistura de baião, samba, funk, eu nem defino.
A foto da capa do disco é emblemática. Você lembra como ela foi tirada?
Antes a gente lançou o compacto de Estrelar, mas eu nem tinha cortado o cabelo, estava com roupa de ginástica na foto. Essa música Estrelar toma a concepção do disco, embora o resto do disco nem tenha nada a ver com ginástica. Mas para a capa do LP, o Max diz que ela tem que ter a concepção da música. “Tem que trazer esse seu lado saudável, esportivo, é isso que nós queremos, daí vamos botar aqueles sucos”. Eu cortei o cabelo, porque me perguntaram se não dava para fazer um look novo. Assim foi feito. Fizemos a capa, passamos o dia inteiro mexendo naquelas cores.
Foi num estúdio?
Foi em estúdio, acho que foi no da Tycoon, da Globo. Tenho quase certeza que foi no dia em que fiz um clipe, que não foi aquele do Fantástico… Fiz com duas meninas de biquíni num estúdio…
Foi a propaganda do disco na TV, não?
Isso, foi isso mesmo! Foi o dia inteiro a gente naquilo. Eu jamais poderia imaginar que esse disco estaria ate hoje com esse apelo e que a capa viraria o que virou!
Eu acho que se você quiser entender artisticamente os anos 1980, é só olhar para três capas de discos: a sua, a do Thriller, do Michael Jackson, e a do Voo de coração, do Ritchie.
Pois é, né? Mas essas coisas, é como falam de um acidente: “Tem várias coisas que comungam e acontecem na hora certa”. Às vezes são coisas que dão errado, mas tem coisas que dão certo. É uma tempestade perfeita, mas estou falando das coisas que dão certo. No caso, a música é diferente, o ritmo é diferente. A sonoridade é diferente. A gente gravou a base igual à da demo, mas o Lincoln (imita os metais)… E ainda tem os caras que cantavam. O Lincoln ficava: “Ó, faz isso assim, assim. Marcos, tá bom assim?”
Ele passava os arranjos com a boca?
Com a boca, passava para todo mundo e os caras faziam igual. Eu dizia: “Não acredito nisso!” Era ele falar e os caras abriam as notas. Ele só começava a gravar às 2h da manhã. Era um horário muito louco. A Som Livre trabalhava em dois turnos, um depois do almoço, de 14h às 22h. E um das 22h em diante. Eu nem sou de dormir cedo, acordar cedo, mas um dia eu estava lá e depois das 22h não havia chegado ninguém!
Eu falei: “Mas, Max, tem certeza que eles vêm?”. E ele: “Ih, rapaz, esqueci de falar, é assim mesmo!”. Quando chegava, tava todo mundo super alegre, a gente pedia pizza do Domino’s, ali perto. Aliás, na verdade, a gente começava a gravar às 3h da manhã!
Nossa!
Tive que me reformular, o ritmo era esse e eu precisei pegar a energia deles. Os metais do Lincoln era como se fosse aquela base. O disco inteiro foi para esse lado. O Lincoln trouxe um monte de teclados, ele tocava um, eu tocava outro. O Robson Jorge era craque na guitarra, mas também tocava teclados. Eu tinha certeza que nossa junção ia dar no que deu. E assim foi!
O estúdio que você fala é o Level, da Som Livre, em Botafogo, certo?
Isso, foi lá. No segundo andar, a gente ia para lá, tudo gravado ali. Tivemos ali o tempo necessário, sem pressa nenhuma.
E tem uma história de que um cara parou você na rua, nessa época, e falou: “Comecei a fazer ginástica por sua causa!”. Aconteceu isso mesmo?
Sim! Cara, foi engraçado, porque quando a música arrebentou, fui para Búzios. Depois daquelas madrugadas de trabalho, eu precisava dar uma mergulhada. Recebi um recado do Max para eu ligar para ele. Isso era 1983, como não tinha celular, o cara da telefônica ia na sua casa dar a mensagem. Fui na telefônica ligar, e o Max: “Quer saber? A música arrebentou. Tá gostando ou não tá gostando da notícia?” Eu: “Claro!”. “Então volta agora!”. E foi montado um esquema de divulgação, que incluía não só shows mas aqueles shows na periferia…
As caravanas do Chacrinha?
Também! Mas tinha os bailes do Cassino Bangu, você cantava com playback, dobrando com a voz que já estava gravada. Numa das noites, eles me falam: “Pô, você podia vir com uma roupa de ginástica!”. Eu comecei a fazer uma adaptação, botar certas roupas que dessem um sentido de estar esportivo. Soma isso com o Chacrinha e toda semana eu tava ali. O Fantástico fez um clipe…
Como foi feito o clipe?
O clipe foi gravado no Recreio, foi um dia inteiro. A gente esperou pelo dia certo, eu fui lá para a Globo do Jardim Botânico. Pegamos um carro vermelho, eu vinha dirigindo o carro com equipe me filmando, a gente saindo do Jardim Botânico e passando pelos túneis, pela Barra. A gente fez essas filmagens até chegar no Recreio. Tinha uns seis ônibus, com figurantes, técnicos, coreógrafos, era quase um escritório na areia, entre a Barra e o Recreio. Tem bar, cadeira, um sofá-cama, bicicletas. Tinha a minha parte passando de bicicleta pra cá e para lá, e um balé, que era no fim da tarde. A gravação começou às 6h da manhã e foi até umas 18h, 19h. Eles queriam pegar o pôr do sol.
Mas enfim, isso tudo foi somando, e eu virei um, digamos, sex symbol. Isso atingiu as idades todas, eu virei meio o “xuxo” (risos), porque os pais vinham e traziam os filhos, uns garotos de seis anos, e o garoto: “Eu adoro você”. Era criança, pai, avó, todo mundo me agradecendo por causa disso, de exercícios. Isso eu ouvi muito! Eram pessoas que tinham me conhecido naquele momento, porque eu tinha passado cinco anos fora do Brasil. Então eu tô ali com uma roupa meio esportiva, com umas meninas fazendo ginástica… Apareceu gente perguntando se eu não podia fazer um vídeo de ginástica, ou dar uma aula. E eu: “Pô, mas eu não sou professor!”. Apareceu até gente querendo botar dinheiro para eu abrir uma academia.
Sério?
Sim! E eu falava: “Não, isso é apenas uma música”. Mas durante um tempo, até as pessoas entenderem a história, me viam como professor de ginástica, porque eu falava: “Tem que correr, tem que suar, tem que malhar”. Mas isso era natural em mim porque eu e Paulo Sergio sempre fizemos ginástica, a gente sempre curtiu isso, nosso pai botava a gente pra fazer vários esportes. Eu fazia na academia, era comum, o professor falava: “Bora, bora, pode parar, pode parar! Marcos, tem que correr!”.
Na hora de botar letra eu trouxe isso junto com o Paulo Sergio. Numa hora em que a gente estava gravando, o Lincoln me disse: “Cara, fala alguma coisa aí na música!”. Aí eu falo: “Não pode parar, vamos nessa!”. Isso são coisas que eu ouvia na academia, era uma coisa natural. Não estava inventando uma história. Mas o “vamos festejar!” resume tudo isso.
E na época estava rolando uma onda fitness, que se estendeu à música. O Raul Cortez gravou um disco de ginástica, o Arnold Schwarzenegger fez outro…
Eu lembro do disco do Cortez. Era uma vontade de “vamos nos cuidar, vamos ser felizes”. E tinha também outras coisas: “Agora a gente vai votar, os artistas vão poder falar o que querem”. Era uma sensação de festa.
Você chegou a desenvolver um certo medo de palco nos anos 1970 e precisou se disciplinar bastante para ir ao Chacrinha, aos programas de TV. Como se deu isso?
Quando eu saí do Brasil em 1975 eu tinha saído daqui porque eu estava psicologicamente abalado pela ditadura, aquilo tudo tinha chegado a um ponto pra mim… Eu nem sabia que aquilo ia me afetar tanto. Eu nem conseguia emitir minha voz, até mesmo falando. Não entendia e comecei a notar que era um bloqueio. Como é que eu poderia ir para um palco? Era uma insegurança profunda que eu estava tendo por causa do regime. Uma vez fui detido com o Chico Buarque e com o Egberto Gismonti. Nesse momento somei tudo e pensei: “Vou sair daqui”. Por ironia, uma das primeiras coisas que eu fiz lá foi cantar com a Sarah Vaughan, naquele disco em que ela canta Beatles. Cantei Something com ela. Mas era estúdio, ali eu pude cantar, e a Sarah era muito legal.
Continuei com os problemas, mas quando eu volto, uma das coisas que mais me auxiliaram foram esses bailes do subúrbio e os programas do Chacrinha. Porque eu tinha que ir lá, mas a base já estava gravada, e ali eu comecei a usar aquilo como laboratório, “é aqui que você vai se soltar”. No programa do Chacrinha você não podia ficar parado, tinha que balançar. A timidez ali… nem pode! Comecei a me soltar, a ver a resposta do público, e comecei a ter abertura comigo mesmo a cada vez que eu cantava junto. A voz começou a voltar, a se projetar.
O primeiro baile que eu fiz no subúrbio, eles tinham que levar um artista que atraísse as mulheres, porque elas não pagam. Os homens pagavam, mas eles iam porque tinha muita mulher. E os caras ficavam me olhando firme, tipo “quem é esse cara?”. Mas fiz o show inteiro. No final, falaram: “Olha, tá ótimo mas você tem que se mexer. Você tá cantando ‘tem que correr’ e tá parado. Se solta aí, meu amigo!”. Aí que eu comecei a usar isso, e foi gradativo. Essa música, além de trazer essa abertura de alegria geral, me trouxe a alegria de botar a voz para fora, de cantar. Foi um grande laboratório para mim. Eu lembro que eu me inspirava naquele programa Soul train, quando eu fazia playback.
Putz, o Soul train era bom demais.
Era maravilhoso: James Brown, Marvin Gaye, todo mundo fazendo playback. Quando eu fui fazer o primeiro playback, eu estava apavorado. Perguntei pro Max se ia dar certo, e ele: “Não, cara, já tá dando certo. Você estava nos Estados Unidos, não lembra do Soul train?”. Me imaginava no Soul train e não deu outra, lógico que deu certo. Às vezes eu fazia por noite uns oito shows. Você chega com o carro, canta seis música, o empresário tá ali pegando o dinheiro, e depois você pega o carro e vai para outro lugar.
Teve depois Bicicleta, que foi só um single. E foi a última coisa que você fez pela Som Livre. Por que o contrato acabou?
A Som Livre ia dissolver o elenco. Queriam que eu gravasse mais uma música nesse sentido, e falei com o Paulo: “Pô, a gente já falou o que tinha que falar, mas como essa música pegou muito com a criançada, vamos fazer uma coisa que tenha a ver com exercício mas para criança”. E ele deu a ideia da Bicicleta, que é uma coisa que crianças adoram. Eu mesmo curti muito bicicleta na minha vida, quando fui a Friburgo. E é exercício, passeio, junta todo mundo e vamos passear. E fiz o compacto, que pegou uma carona no sucesso do Estrelar. Tanto que se você pegar minha trajetória no Chacrinha, eu emendava uma semana lá com Estrelar e outra com Bicicleta. O Chacrinha chegou a fazer um clipe, comigo e com as Chacretes na Praia do Pepino. Ele adorava a música, gostava de dar ideias.
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Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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