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Cultura Pop

Marcos Valle: “Por causa de ‘Estrelar’, em 1983, eu virei o Xuxo”

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Marcos Valle: "Por causa de 'Estrelar', em 1983, eu virei o Xuxo"

Marcos Valle é um cara cheio de energia. Fala rápido, emenda vários assuntos e recorre à música para falar dela própria. Procurado pelo POP FANTASMA para recordar os tempos de seu disco epônimo de 1983 (que acaba ser reeditado em vinil pelo selo Mr. Bongo), ele revisitou Estrelar, o principal hit do disco, imitando até as levadas da canção com a boca.

Por sinal, muita coisa do arranjo que você ouve até hoje – criado pelo inesquecível Lincoln Olivetti – foi criado dessa forma. “Ele fazia tudo com a boca, passava para todo mundo e os caras faziam igual”, recorda. A base instrumental de Estrelar tinha sido composta nos Estados Unidos por Marcos e pelo americano Leon Ware (1940-2017). E, pode acreditar, a música quase ficou de fora do disco, lançado em 1983 pela Som Livre. A gravadora tinha prazos e, até o fim da gravação do álbum, nem o cantor nem seu irmão e letrista Paulo Sergio Valle tinham ainda uma letra pronta. Foi justamente a palavra “energia” que mudou a história da canção,. E turbinou o pop adulto de rádio, que por aqueles tempos ganhava hit atrás de hit (Lulu Santos, Ritchie, Marina Lima, Dalto).

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Já relançado em CD em algumas ocasiões, Marcos Valle, o disco, volta ao universo do vinil, por intermédio do selo inglês Mr. Bongo. Dessa vez, sai numa edição incrível, remasterizada pelo engenheiro de som Miles Showell no lendário estúdio Abbey Road. Para o relançamento, Miles usou a técnica Half-Speed Mastering – na qual o disco é masterizado a uma velocidade menor, resltando em um som mais definido. Batemos um papo com Marcos por telefone e ele relembrou os tempos felizes de Estrelar, música que serviu de trilha sonora para um daqueles períodos raros em que, num país bizarro como o Brasil, parecia que tudo ia dar certo. Não deu até hoje, mas fica a música.

POP FANTASMA: O seu disco de 1983 tem reaparecido hoje em dia como um dos álbuns mais conhecidos da onda boogie, que era um termo que era pouco usado no Brasil naquela época. Como você vê essa redescoberta?

MARCOS VALLE: Na verdade quando eu gravei esse disco, na minha cabeça essa coisa do boogie não era minha meta. Esse disco é uma consequência daquele trabalho que fiz quando fui morar de 1975 a 1980 em Los Angeles, e ali fiz aquela minha parceria com o Leon Ware. A maioria das músicas desse disco, inclusive o próprio Estrelar, são consequências dessa parceria, que caminhou por vários lados. As ligações com o Leon Ware vêm muito pelo som da black music, do soul, do R&B, e do boogie.

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Mas na minha cabeça, o boogie ficou como uma sutileza na história. Eu pensava que estava fazendo uma ligação entre os ritmos brasileiros e a black music. E assim foi nascendo, porque ficava uma mistura de baião com esses estilos. Por exemplo, o Estrelar, no fundo é um funkeado que tem um baião (imita o ritmo com a boca). Eu pensava muito mais no prazer que eu estava tendo com as misturas. Aquele momento pra mim foi saboroso. Mas antes desse disco, eu gravei o Vontade de rever você (1981)…

Que é o primeiro pela Som Livre, inclusive.

Isso, eu volto para o Brasil exatamente porque a Som Livre está pedindo um disco meu. Falaram até com meu irmão: “Pô, fala com o Marcos, ele tem que voltar!”.

E antes você tinha feito coisas para a Som Livre, mas mais como convidado, porque você era da Odeon, certo? 

Exatamente, o tempo todo eu fui da Odeon. Naquele momento, a Som Livre, com o Max Pierre, que era o diretor musical, estava interessada naquela mistura que eu estava fazendo. Sabia que o Chicago tinha gravado músicas minhas. Acabei aceitando voltar, porque eu estava com muita saudade do Brasil. Primeiro chego aqui para ver, fui no Arpoador, me encantei com aquilo tudo e falei: “Eu vou voltar!”. Ainda fui para os Estados Unidos, terminei algumas coisas com o Leon Ware, inclusive o Estrelar. E aí entreguei apartamento, aquelas coisas que você tem que fazer na hora de voltar.

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Quando fui fazer o Vontade de rever você, que tem muitas parcerias minhas com o Leon, eu não coloquei o Estrelar. Ela já tinha aquela misturada na época. O disco tinha o Velhos surfistas querendo voar, que é uma adaptação em português do Rockin’ you eternally (gravada por Leon no disco de mesmo nome, 1981). Esse disco tem também A Paraíba não é Chicago, que é uma adaptação do Baby don’t stop me (também gravada por Leon no mesmo disco). Mas ainda não havíamos chegado no boogie.

Esse disco tem essa misturada toda, mas quando chegou no de 1983, o Max me pediu: “Marcos, você e Lincoln (Olivetti) juntos vão botar pra quebrar! Porque é uma linguagem parecida, estão na mesma direção. Ele com essa coisa dos metais, somado aos seus teclados, vai dar uma coisa fantástica”. Topei imediatamente porque eu era fã do Lincoln, ele era meu fã. Aí o disco toma essa forma mais dançante, mais energética, do ritmo prevalecendo. Com os metais do Lincoln isso aparece mais.

E é verdade que Estrelar quase não entrou no disco?

Isso, porque o Estrelar tinha sido uma das últimas músicas que eu gravei com o Leon. Eu cheguei aqui em 1980, tive esse reencontro com o Rio, voltei para lá, trabalhei em algumas músicas – inclusive Estrelar – e voltei. Aí fiz um demo. Como o Leon tinha uma editora dentro da A&M Records, tínhamos um estúdio à nossa disposição para o que fazia com ele. Era só chegar lá e chamar a moçada para gravar com a gente. A gente fez a demo de Estrelar e trouxe essa gravação, mas ela já pronta, mixada. Mostrei para o Max e para o Lincoln. E eles se apaixonaram pela música. Isso na época do segundo disco. Engraçado que não mostrei para eles no primeiro disco, guardei.

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A gente começou a pensar o disco: “Vai ser de músicas novas, misturadas?”. Quando o Lincoln ouviu o demo, falou: “Max, p… que pariu, vamos usar esse demo!”. Mas vimos que tecnicamente ia ser complicado, a gente não tinha feito aquilo como gravação final, nem tinha pistas separadas. A gente achou mais simples imitar a gravação e o Lincoln colocar em cima os metais. Foi gravado, ficou no disco, mas a letra não saía. A gente foi gravando as outras coisas. Meu irmão tinha colocado outras letras, eu e Lincoln fomos gravando as bases, o disco com aquela energia cada vez mais forte… Mas o futuro Estrelar não tinha letra, o Paulo Sergio (irmão de Marcos e letrista) não conseguia.

Até que o Max chegou e falou: “Marcos, essa música vai sair do disco, a gente tem que lançar, tem prazos. Se vocês não fizerem uma letra ela tá fora”. O Lincoln: “Max, não me faça uma coisa dessas!”. Aí a gente foi pro estúdio, já tendo gravado tudo. Botamos Estrelar pra tocar, aquele som, alto pra caramba (imita os metais da abertura). Mas foi bom, porque à medida que a gente ia ouvindo, falava: “O que a letra tá dizendo? Tem que ser agora!”. Alguém falou “energia”, “que energia!”. Quando falaram isso, puxou: “energia, exercício, ginástica”. Peguei uma frase da guitarra (imita), cortei a melodia, porque pra colocar uma letra seria complicado. Aí que surgiu o “tem que correr”, e apareceu a ideia de trazer o tema do verão, da alegria. A gente estava de volta à democracia!

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A música foi lançada na época certa, não é? Passou 1982 e as pessoas tinham alguma certeza de que as coisas haviam mudado no país.

Isso, por isso que caiu no momento certo, com a vibração certa, a coisa dançante, “vamos comemorar”. Foi um série de coisas e ela se tornou a música que puxou o disco. Max quando ouviu chamou os caras de rádio, e disseram: “Cara, isso vai arrebentar!” E ainda por cima tiveram a ideia de mandar a música para as academias de ginástica! Todas começaram a tocar. Essa música depois virou o tal do boogie. Eu estava fazendo isso mas nem sei definir os ritmos que eu faço. Como é uma mistura de baião, samba, funk, eu nem defino.

A foto da capa do disco é emblemática. Você lembra como ela foi tirada?

Antes a gente lançou o compacto de Estrelar, mas eu nem tinha cortado o cabelo, estava com roupa de ginástica na foto. Essa música Estrelar toma a concepção do disco, embora o resto do disco nem tenha nada a ver com ginástica. Mas para a capa do LP, o Max diz que ela tem que ter a concepção da música. “Tem que trazer esse seu lado saudável, esportivo, é isso que nós queremos, daí vamos botar aqueles sucos”. Eu cortei o cabelo, porque me perguntaram se não dava para fazer um look novo. Assim foi feito. Fizemos a capa, passamos o dia inteiro mexendo naquelas cores.

Foi num estúdio?

Foi em estúdio, acho que foi no da Tycoon, da Globo. Tenho quase certeza que foi no dia em que fiz um clipe, que não foi aquele do Fantástico… Fiz com duas meninas de biquíni num estúdio…

Marcos Valle: "Por causa de 'Estrelar', em 1983, eu virei o Xuxo"

Foi a propaganda do disco na TV, não?

Isso, foi isso mesmo! Foi o dia inteiro a gente naquilo. Eu jamais poderia imaginar que esse disco estaria ate hoje com esse apelo e que a capa viraria o que virou!

Eu acho que se você quiser entender artisticamente os anos 1980, é só olhar para três capas de discos: a sua, a do Thriller, do Michael Jackson, e a do Voo de coração, do Ritchie.

Pois é, né? Mas essas coisas, é como falam de um acidente: “Tem várias coisas que comungam e acontecem na hora certa”. Às vezes são coisas que dão errado, mas tem coisas que dão certo. É uma tempestade perfeita, mas estou falando das coisas que dão certo. No caso, a música é diferente, o ritmo é diferente. A sonoridade é diferente. A gente gravou a base igual à da demo, mas o Lincoln (imita os metais)… E ainda tem os caras que cantavam. O Lincoln ficava: “Ó, faz isso assim, assim. Marcos, tá bom assim?”

Ele passava os arranjos com a boca?

Com a boca, passava para todo mundo e os caras faziam igual. Eu dizia: “Não acredito nisso!” Era ele falar e os caras abriam as notas. Ele só começava a gravar às 2h da manhã. Era um horário muito louco. A Som Livre trabalhava em dois turnos, um depois do almoço, de 14h às 22h. E um das 22h em diante. Eu nem sou de dormir cedo, acordar cedo, mas um dia eu estava lá e depois das 22h não havia chegado ninguém!

Eu falei: “Mas, Max, tem certeza que eles vêm?”. E ele: “Ih, rapaz, esqueci de falar, é assim mesmo!”. Quando chegava, tava todo mundo super alegre, a gente pedia pizza do Domino’s, ali perto. Aliás, na verdade, a gente começava a gravar às 3h da manhã!

Nossa!

Tive que me reformular, o ritmo era esse e eu precisei pegar a energia deles. Os metais do Lincoln era como se fosse aquela base. O disco inteiro foi para esse lado. O Lincoln trouxe um monte de teclados, ele tocava um, eu tocava outro. O Robson Jorge era craque na guitarra, mas também tocava teclados. Eu tinha certeza que nossa junção ia dar no que deu. E assim foi!

O estúdio que você fala é o Level, da Som Livre, em Botafogo, certo?

Isso, foi lá. No segundo andar, a gente ia para lá, tudo gravado ali. Tivemos ali o tempo necessário, sem pressa nenhuma.

E tem uma história de que um cara parou você na rua, nessa época, e falou: “Comecei a fazer ginástica por sua causa!”. Aconteceu isso mesmo?

Sim! Cara, foi engraçado, porque quando a música arrebentou, fui para Búzios. Depois daquelas madrugadas de trabalho, eu precisava dar uma mergulhada. Recebi um recado do Max para eu ligar para ele. Isso era 1983, como não tinha celular, o cara da telefônica ia na sua casa dar a mensagem. Fui na telefônica ligar, e o Max: “Quer saber? A música arrebentou. Tá gostando ou não tá gostando da notícia?” Eu: “Claro!”. “Então volta agora!”. E foi montado um esquema de divulgação, que incluía não só shows mas aqueles shows na periferia…

As caravanas do Chacrinha?

Também! Mas tinha os bailes do Cassino Bangu, você cantava com playback, dobrando com a voz que já estava gravada. Numa das noites, eles me falam: “Pô, você podia vir com uma roupa de ginástica!”. Eu comecei a fazer uma adaptação, botar certas roupas que dessem um sentido de estar esportivo. Soma isso com o Chacrinha e toda semana eu tava ali. O Fantástico fez um clipe…

Como foi feito o clipe?

O clipe foi gravado no Recreio, foi um dia inteiro. A gente esperou pelo dia certo, eu fui lá para a Globo do Jardim Botânico. Pegamos um carro vermelho, eu vinha dirigindo o carro com equipe me filmando, a gente saindo do Jardim Botânico e passando pelos túneis, pela Barra. A gente fez essas filmagens até chegar no Recreio. Tinha uns seis ônibus, com figurantes, técnicos, coreógrafos, era quase um escritório na areia, entre a Barra e o Recreio. Tem bar, cadeira, um sofá-cama, bicicletas. Tinha a minha parte passando de bicicleta pra cá e para lá, e um balé, que era no fim da tarde. A gravação começou às 6h da manhã e foi até umas 18h, 19h. Eles queriam pegar o pôr do sol.

Mas enfim, isso tudo foi somando, e eu virei um, digamos, sex symbol. Isso atingiu as idades todas, eu virei meio o “xuxo” (risos), porque os pais vinham e traziam os filhos, uns garotos de seis anos, e o garoto: “Eu adoro você”. Era criança, pai, avó, todo mundo me agradecendo por causa disso, de exercícios. Isso eu ouvi muito! Eram pessoas que tinham me conhecido naquele momento, porque eu tinha passado cinco anos fora do Brasil. Então eu tô ali com uma roupa meio esportiva, com umas meninas fazendo ginástica… Apareceu gente perguntando se eu não podia fazer um vídeo de ginástica, ou dar uma aula. E eu: “Pô, mas eu não sou professor!”. Apareceu até gente querendo botar dinheiro para eu abrir uma academia.

Sério?

Sim! E eu falava: “Não, isso é apenas uma música”. Mas durante um tempo, até as pessoas entenderem a história, me viam como professor de ginástica, porque eu falava: “Tem que correr, tem que suar, tem que malhar”. Mas isso era natural em mim porque eu e Paulo Sergio sempre fizemos ginástica, a gente sempre curtiu isso, nosso pai botava a gente pra fazer vários esportes. Eu fazia na academia, era comum, o professor falava: “Bora, bora, pode parar, pode parar! Marcos, tem que correr!”.

Na hora de botar letra eu trouxe isso junto com o Paulo Sergio. Numa hora em que a gente estava gravando, o Lincoln me disse: “Cara, fala alguma coisa aí na música!”. Aí eu falo: “Não pode parar, vamos nessa!”. Isso são coisas que eu ouvia na academia, era uma coisa natural. Não estava inventando uma história. Mas o “vamos festejar!” resume tudo isso.

E na época estava rolando uma onda fitness, que se estendeu à música. O Raul Cortez gravou um disco de ginástica, o Arnold Schwarzenegger fez outro…

Eu lembro do disco do Cortez. Era uma vontade de “vamos nos cuidar, vamos ser felizes”. E tinha também outras coisas: “Agora a gente vai votar, os artistas vão poder falar o que querem”. Era uma sensação de festa.

Você chegou a desenvolver um certo medo de palco nos anos 1970 e precisou se disciplinar bastante para ir ao Chacrinha, aos programas de TV. Como se deu isso?

Quando eu saí do Brasil em 1975 eu tinha saído daqui porque eu estava psicologicamente abalado pela ditadura, aquilo tudo tinha chegado a um ponto pra mim… Eu nem sabia que aquilo ia me afetar tanto. Eu nem conseguia emitir minha voz, até mesmo falando. Não entendia e comecei a notar que era um bloqueio. Como é que eu poderia ir para um palco? Era uma insegurança profunda que eu estava tendo por causa do regime. Uma vez fui detido com o Chico Buarque e com o Egberto Gismonti. Nesse momento somei tudo e pensei: “Vou sair daqui”. Por ironia, uma das primeiras coisas que eu fiz lá foi cantar com a Sarah Vaughan, naquele disco em que ela canta Beatles. Cantei Something com ela. Mas era estúdio, ali eu pude cantar, e a Sarah era muito legal.

Continuei com os problemas, mas quando eu volto, uma das coisas que mais me auxiliaram foram esses bailes do subúrbio e os programas do Chacrinha. Porque eu tinha que ir lá, mas a base já estava gravada, e ali eu comecei a usar aquilo como laboratório, “é aqui que você vai se soltar”. No programa do Chacrinha você não podia ficar parado, tinha que balançar. A timidez ali… nem pode! Comecei a me soltar, a ver a resposta do público, e comecei a ter abertura comigo mesmo a cada vez que eu cantava junto. A voz começou a voltar, a se projetar.

O primeiro baile que eu fiz no subúrbio, eles tinham que levar um artista que atraísse as mulheres, porque elas não pagam. Os homens pagavam, mas eles iam porque tinha muita mulher. E os caras ficavam me olhando firme, tipo “quem é esse cara?”. Mas fiz o show inteiro. No final, falaram: “Olha, tá ótimo mas você tem que se mexer. Você tá cantando ‘tem que correr’ e tá parado. Se solta aí, meu amigo!”. Aí que eu comecei a usar isso, e foi gradativo. Essa música, além de trazer essa abertura de alegria geral, me trouxe a alegria de botar a voz para fora, de cantar. Foi um grande laboratório para mim. Eu lembro que eu me inspirava naquele programa Soul train, quando eu fazia playback.

Putz, o Soul train era bom demais.

Era maravilhoso: James Brown, Marvin Gaye, todo mundo fazendo playback. Quando eu fui fazer o primeiro playback, eu estava apavorado. Perguntei pro Max se ia dar certo, e ele: “Não, cara, já tá dando certo. Você estava nos Estados Unidos, não lembra do Soul train?”. Me imaginava no Soul train e não deu outra, lógico que deu certo. Às vezes eu fazia por noite uns oito shows. Você chega com o carro, canta seis música, o empresário tá ali pegando o dinheiro, e depois você pega o carro e vai para outro lugar.

Teve depois Bicicleta, que foi só um single. E foi a última coisa que você fez pela Som Livre. Por que o contrato acabou?

A Som Livre ia dissolver o elenco. Queriam que eu gravasse mais uma música nesse sentido, e falei com o Paulo: “Pô, a gente já falou o que tinha que falar, mas como essa música pegou muito com a criançada, vamos fazer uma coisa que tenha a ver com exercício mas para criança”. E ele deu a ideia da Bicicleta, que é uma coisa que crianças adoram. Eu mesmo curti muito bicicleta na minha vida, quando fui a Friburgo. E é exercício, passeio, junta todo mundo e vamos passear. E fiz o compacto, que pegou uma carona no sucesso do Estrelar. Tanto que se você pegar minha trajetória no Chacrinha, eu emendava uma semana lá com Estrelar e outra com Bicicleta. O Chacrinha chegou a fazer um clipe, comigo e com as Chacretes na Praia do Pepino. Ele adorava a música, gostava de dar ideias.

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Relembrando: Yoko Ono, “Season of glass” (1981)

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Relembrando: Yoko Ono, "Season of glass" (1981)

Complicado falar de um disco que, pelo menos até a publicação deste texto, não está nas plataformas digitais – pelo menos pode ser escutado no YouTube. Mas vale (e muito) relembrar Season of glass, quinto disco de ninguém menos que Yoko Ono, lançado no dia 3 de junho de 1981 no Reino Unido, e dia 12 nos EUA.

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Season of glass, por sinal, causou foi polêmica. Para começar, foi o primeiro disco da cantora e artista plástica japonesa lançado após o assassinato de seu marido John Lennon, em dezembro de 1980. A capa do disco trazia justamente os óculos que John usava no momento de sua morte, e que (por conta dos tiros que ele levou) havia ficado com as lentes manchadas de sangue. Ao lado dele, um copo d’água pela metade.

Yoko foi bastante cobrada por fãs e por jornalistas por ter feito isso. “O que eu deveria fazer, evitar o assunto?”, disse ao New York Times numa matéria publicada dois meses depois do lançamento do álbum. “Muitas pessoas me disseram que eu não deveria colocar aquela foto. Mas eu realmente queria que o mundo inteiro visse aqueles óculos com sangue neles e percebesse o fato de que John tinha sido morto. Não era como se ele tivesse morrido de velhice ou drogas, ou algo assim”.

“As pessoas me disseram que eu não deveria colocar os tiros no disco, e a parte em que começo a xingar: ‘Me odeie, nos odeie, nós tínhamos tudo’, foi apenas deixar esses sentimentos saírem. Eu sei que se John estivesse lá, ele teria sido muito mais franco do que eu. Ele era assim”. Aliás, a gravadora de Yoko na época, a Geffen, chegou a dizer a ela que as lojas evitariam ter o disco em estoque – porque a imagem era “de mau gosto”. Seja como for, Yoko alegou que a única coisa que ela conseguiu salvar de John após levarem seu cadáver tinham sido justamente os óculos dele. “Isso é o que ele é agora”, disse.

A tal música cheia de xingamentos é I don’t know why. E ela foi feita justamente quando Yoko viu que não iria conseguir dormir por causa de uma romaria de fãs à porta do edifício Dakota, onde morava com John, logo após a morte dele. Durante dez dias, Yoko escutou os admiradores do ex-beatle tocando na rua o disco Imagine, ininterruptamente.

“Uma noite eu comecei a me perguntar por que, por que era assim, e de repente aquela pergunta se tornou uma música. Eu não tive forças para me levantar e ir ao piano. Então apenas cantei em um gravador que tinha ao lado da cama. Quando estava cantando eu sabia exatamente qual seria o arranjo, até mesmo a parte em que eu estaria xingando”, contou ao New York Times.

A sombria No no no ganhou clipe, que abria com o som de quatro tiros e Yoko gritando. A versão que foi para o álbum excluiu os tiros. No fim da música, o então pequeno Sean, filho do casal, aparecia contando uma história que seu pai contara para ele. “Sean estava comigo durante toda a produção do álbum. E sua voz, aqueles tiros… Essas são as coisas que ouvi. Tudo o que fiz sempre foi diretamente autobiográfico, e esses sons eram a minha realidade”, contou.

Aliás, em 2020, Yoko deu entrevista para o site American Songwriter e o papo descambou para Season of glass. A cantora considerava o estado de espírito do disco ainda atual. O repórter notou que na contracapa, o copo da capa aparecia cheio, em vez de meio vazio. Eram outros tempos, meses após a morte de Lennon. “Você notou? Muito poucas pessoas notaram isso”, afirmou.

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Relembrando: Tad, “8-way santa” (1991)

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Relembrando: Tad, "8-way santa" (1991)

Banda liderada por uma personagem-testemunha do grunge, Tad Doyle, o Tad costuma ser esquecido quando o assunto é a onda de Seattle nos anos 1990. Injustiça: o grupo foi, ao lado do Nirvana, o responsável pela passagem de bastão do rock alternativo dos anos 1980 para os 1990 – mais ou menos como bandas como Joy Division, Killing Joke e o U2 do começo também foram em relação ao fim dos anos 1970. Se o Mudhoney mexia no baú dos lados Z sessentistas e o Nirvana era power pop destrutivo, Tad era um Black Sabbath pós-punk, cruzando riffs e batidas localizadas entre os anos 1970/1980.

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Cantor, guitarrista e, durante uns tempos, multi-instrumentista de sua banda, Tad Doyle é daquelas figuras que observam o tabuleiro do mercado musical por vários lados diferentes – na adolescência, chegou a tocar em bandas de jazz e depois estudou música formalmente, na faculdade. O Tad acabou virando um dos primeiros nomes assinados com a Sub Pop, pouco depois da empresa pular da condição de zine para a de selo. Ficou claro desde o começo que as especialidades de Tad Doyle (voz, guitarra), Gary Thorstensen (guitarra), Kurt Danielson (baixo) e Steve Wied (bateria), formação original, eram som pesado e provocação. E isso logo a partir do primeiro disco, God’s balls (1989), produzido por Jack Endino.

Salt lick, EP de 1990 – reeditado depois como álbum cheio – já foi concebido pelo grupo ao lado de um agente provocador daqueles: o recém-ido Steve Albini. Já 8 way santa (1991), terceiro álbum do grupo, foi o melhor momento da fórmula musical do Tad, abrindo com a pesada Jinx, e prosseguindo com encontros entre Black Sabbath e Killing Joke na fase anos 1980, em Giant killer e Wired god.

O álbum foi produzido por Butch Vig três meses antes dele pegar firme em Nevermind, do Nirvana – o que torna Tad um exemplo de banda que trabalhou com todos os integrantes da santíssima trindade dos produtores do rock alternativo norte-americano. O material não apenas de 8 way santa quanto dos outros discos de Tad poderiam ser colocados tranquilamente na gavetinha do stoner rock – embora haja certo domínio de linguagens não muito comuns ao estilo, como da criação de melodias mais próximas do som de bandas como Joy Division e Hüsker Dü (como acontece em algumas passagens de Delinquent e Flame tavern) e uma abordagem mais próxima do punk em certas faixas (como em Trash truck).

Uma sonoridade mais próxima de discos do Sabbath como Master of reality (1971) surge em Stumblin’ man e Candi. Já 3-D witch hunt, com violões quase hispânicos (e discretos) poderia estar no repertório do New Model Army ou do The Cure. No final, o punk de Crane’s cafe e o pós-punk Plague years, quase uma Plebe Rude/Gang Of Four grunge, combinando guitarras e violões suaves, riffs marcantes e vocais quase totalmente livres de drive (exceção no álbum).

8 way santa teve seu lançamento prejudicado pela capa original. A foto “do bigodudo agarrando uma garota” (como a própria banda definiu), e que havia sido encontrada pela banda num álbum de fotos comprado num sebo, teve que ser trocada assim que os personagens da imagem, que não haviam sido consultados, viram o disco nas lojas. Não só isso: a faixa Jack, o relato de um passeio bêbado – e perigoso – da banda numa pick-up em cima de um lado congelado, chamava-se originalmente Jack Pepsi, numa referência à mistura de uísque e refrigerante que embalou a aventura. Só que a faixa desagradou à Pepsi, e o grupo precisou mudar o título em edições seguintes.

A busca de “novos Nirvanas” chegou até o Tad depois de 8-way santa e o grupo foi contratado pela Giant, novo selo lançado pela Warner. Inhaler (1993), comparado com os outros discos, não trazia nada de tão novo – mas soava como primeiro álbum para quem desconhecia o grupo. O grupo bandeou-se para outro selo da Warner, o EastWest, e lançou Infrared Riding Hood (literalmente, “Chapeuzinho Infravermelho”), seu último disco, em 1995.

Nessa época, estava mais claro para o mercado que Tad era uma banda de “metal alternativo”, um rótulo que, dependendo da banda, servia mais como camisa de força do que como definição. Mas o Tad encerrou atividades por esse período, de qualquer modo. Hoje em dia, Tad Doyle lança trabalhos solo, é produtor, dono de estúdio e tem até Linkedin.

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Smashing Pumpkins entre 1992 e 1996 no nosso podcast

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Smashing Pumpkins entre 1992 e 1996 no nosso podcast

Para muita gente, Billy Corgan foi um herói. Tido como poeta da geração X, o cantor e principal compositor dos Smashing Pumpkins foi o sujeito que colocou inquietações e traumas em versos. Foi o músico que promoveu um impensável encontro entre o rock de arena e as encucações do college rock dos anos 1990. Foi igualmente (e ao lado do Nirvana e do R.E.M.) um artista que alargou bastante os limites do mainstream.

O episódio de hoje do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, dá um passeio na história de Corgan, James Iha, D’Arcy e Jimmy Chamberlin tendo como base seus dois álbuns mais significativos: Siamese dream (1993) e Mellon Collie and The Infinite Sadness (1995), além do antes, durante e depois de uma banda que, durante sua fase áurea, significou a sobrevida do rock, logo depois do grunge.

Século 21 no podcast: Tigercub e Miami Tiger.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts. 

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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