Crítica
Ouvimos: David Longstreth, Dirty Projectors e Stargaze, “Song of the Earth”

Beach Boys, Stereolab, Crosby Stills Nash & Young, Moody Blues, Mutantes e até os Beatles do álbum Abbey Road (1969) residem em Song of the Earth, projeto do músico David Longstreth com seu grupo Dirty Projectors e a orquestra de câmara berlinense Stargaze. É um disco de música clássica feito por quem tem os dois pés no universo do rock e da música pop, com sonoridade luminosa e, às vezes, psicodélica.
Trazendo uma lista de colaboradores que inclui Phil Elverum, Steve Lacy, Patrick Shiroishi, Anastasia Coope, Ayoni, Portraits of Tracy e até o brasileiro Tim Bernardes (que surge na “voz de rádio”, gravada como se fosse um registro antigo, da vinheta Appetite), Song of the Earth tenta pôr em música e letra os problemas que surgiram de incêndios florestais na Califórnia em 2020. São 24 faixas, que somam 64 minutos de audição, abertas pela felicidade de Summer light e Gimme bread. E prosseguidas pelo contraste entre luz e sombra de At home, que soa como luz entrando num ambiente escuro, Circled in purple, Opposable thumb (com “piano preparado” e tom de trilha de programa de rádio) e Our green garden – essa última faz lembrar discos orquestrais antigos.
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Muita coisa em Song of the Earth, já que falamos em trilhas, lembram aqueles desenhos animados antigos que usavam música clássica para sublinhar travessuras de personagens ou voos de pássaros. Unhabitable Earth, paragraph one mescla orquestra, reggae e pós-punk “espacial” para falar dos perigos do aquecimento global. E surge quando o conteúdo de Song of the Earth começa a ficar mais tenso – os metais rangendo de So blue the lake dão a impressão de que uma coisa perigosa pode acontecer, Armful of flowers e Twin aspens são belas peças musicais que soam como algo provocativo. Algo que opera entre os Electric Prunes de Mass in F minor (1968), Tom Jobim e Clube da Esquina surge em More mania e Spiderweb at water’s edge.
Com produção feita de 2020 em diante, Song of the Earth acabou, por coincidência, sendo finalizado quando a Califórnia vive problemas causados por outros incêndios. É um disco que também exige tempo do ouvinte, e exige uma atenção não apenas à música, mas também às questões levantadas por ele. Na parte final, Raven ascends encapsula a sensação de perigo do disco, Blue of dreaming leva a linguagem do álbum para um soft rock orquestrado, e Raised brow é uma vinheta vertiginosa em que cordas vão “levantando” aos poucos. Um disco de fôlego.
Nota: 10
Gravadora: Trangressive Records
Lançamento: 4 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Peter Murphy – “Silver shade”

RESENHA: No novo álbum, Silver shade, Peter Murphy mistura pós-punk, darkwave e clima Bowie anos 1990 – tem coisas boas, mas parece distante do brilho de seus discos clássicos.
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Vou começar a resenha com uma pergunta a você, que ouviu Silver shade antes de mim (o disco foi lançado tem alguns meses): você curtiu o novo disco de Peter Murphy de verdade, ou fui eu que impliquei com certos detalhes dele?
Eu já comecei a achar que havia algo estranho nesse disco por causa da capa – o rosto do ex-cantor do Bauhaus se transforma numa “coisa” metálica que mais lembra uma daquelas travessas de aço inox que só saem do armário para servir o peru de Natal, ou os cabos de talheres antigos do tempo de vovó garota. A voz de Peter continua impostada, lá em cima, mas ganhou um ligeiro tom canastrão que causa certas dúvidas. Swoon e Hut boy, dois temas darkwave de quatro costados que abrem o álbum, vão nessa linha.
Apesar da abertura em tom sombrio e eletrônico, Silver shade é na maior parte do tempo um disco que une pós-punk, alguns climas progressivos de FM e vibes trevosas. Sherpa é pós-punk de base “dark”, a faixa-título soa quase grunge, The artroom wonder soa bastante parecida com o começo da fase anos 1990 de David Bowie, e vai por aí. Já a enorme The meaning of my life parece um Duran Duran sombrio, reflexivo e meio pesado.
- Relembrando: Peter Murphy, Love hysteria (1988)
- Corpus Delicti: pós-punk clássico da França de volta
O canto de Bowie paira também sobre as duas melhores músicas do disco, Xavier new boy e Cochita is lame – essa última, com clima chique ligado à música dos anos 1960 e a trilhas de filmes policiais. Peter invade a pequena área do rock pauleira em Soothsayer e soa exagerado e meio (vá lá) cafona em faixas como Time waits e The salimaker’s charm (que soa como um Pink Floyd anos 1980 travado). Let the flowers grow, com Boy George, é meditativa, meio deprê e ressoa bem.
Silver shade tem méritos – e é Peter Murphy na atividade, ora bolas. Mas do começo ao fim você vai esperar algo gracioso como as faixas de discos antigos do cantor do Bauhaus, como Love hysteria (1988) e Deep (1989), e não vai achar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Metropolis Records
Lançamento: 9 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: La Flemme – “La fête”

RESENHA: Garage rock francês com cowpunk, surf e noise: La fête, estreia do La Flemme, é barulhento, blasé e cheio de boas ideias.
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O garage rock francês vai muito bem, obrigado. O La Flemme, em seu primeiro álbum, La fête, mostra-se uma banda de garagem com tendências a abarcar estilos como o bom e velho cowpunk (a faixa-título, dos versos exaustos “os jovens querem festejar / a preguiça”, repetidos o tempo todo), a surf music dos anos 1960 (a melô do pássaro do mau agouro Oiseau, e Laissez-moi tranquile) e até noise rock – esse, nos ruídos finais de Marre de vous e Demain.
O La Flemme tem bastante ligação com o pop francês, embora isso não seja esfregado na cara de quem ouve – dá para perceber no clima chique e irônico do pós-punk Le petit du camas, com vocais falando lembrando Serge Gainsbourg, e na brincadeira ruidosa e quase psicodélica de Mer azur. Um verdadeiro ET em La fête é Tunnel, um garage rock psicodélico, espacial e instrumental de quase sete minutos, com várias partes que migram para um clima quase stoner. O tipo de faixa que na era do CD talvez virasse um bônus escondido – com uma vibe não tão representativa da banda.
Em boa parte das letras de La fête, o narrador é o personagem que já está de saco cheio das mesmas pessoas e situações, como no perrengue alcoólico de Demain, e no tédio geral de Sans fond (“vamos falar pouco, mas vamos falar de verdade / nunca sem dizer nada / isso me entendia!”) e de Laissez-moi tranquile (“me deixem em paz”, em bom português). Um disco de estreia bacana, barulhento e cheio de atitude blasé.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Araúnas – “Relva”

RESENHA: Araúnas estreia com Relva, disco que mistura noise rock, psicodelia e brasilidades em faixas experimentais e cheias de climas mutantes.
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A banda sergipana Araúnas já se chamou Amagatos e Relva – e preferiu adotar esse último nome para chamar seu primeiro álbum, dedicado a uma união desconcertante de noise rock e psicodelia. Victor Caldas (vozes e guitarra), Guilherme Mateus (vozes e bateria), Guilherme Bagio (guitarra) e João Pedro França (baixo) também inserem partículas de brasilidade em seu som, vistas em linhas vocais e em algumas células rítmicas que surgem nas músicas.
Relva, o disco, abre com algo que poderia estar no Paebiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes – a música natural da vinheta Natureza morta. Mostra sua verdadeira face com o indie rock de Bento – que prossegue ganhando guitarras ruidosas – e com o noise brasileiro de Panorama. Sumidouro é repleta de variações: começa ameaçando um samba, continua numa onda quase 60’s e vai ganhando um design musical pós-punk. A percussiva e libertária Ana foge e descobre a noite tem uma onda macia e dissonante que faz lembrar, ao mesmo tempo, Smiths e Pink Floyd.
O ex-grupo de Roger Waters também é devidamente louvado na meditativa Corre, com participação de Yves Deluc (Cidade Dormitório) e climas que lembram o disco Atom heart mother (1970). Desamparo é um indie-samba-rock de quase seis minutos e Alto-mar (com Danilo Garcez, do Ventocais) soa como uma esquina entre grunge e pós-punk. No fim, sons marítimos e clima tranquilo na bossa Música do mar, que fecha o ciclo de Relva.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 29 de maio de 2025.
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