Crítica
Ouvimos: Blake Jones and The Trike Shop, “And still…”

- And still… é o novo disco da banda Blake Jones and The Trike Shop, que vem de Fresno, Califórnia, e grava pelo selo Big Stir Records. O Big Stir foi criado por dois integrantes da banda The Armoires (Christina Bulbenko e Rex Broome), e focado “em ampliar os parâmetros artísticos do som pop rock”.
- Com o tempo, Blake, que se divide em instrumentos como guitarra e theremin, sobrou como único integrante fixo de sua própria banda, cuja formação foi mudando. Ele é definido no site do Big Stir como tendo “um dom singular para casar melodias memoráveis e acessíveis com trocadilhos peculiares, desafiadores, mas sinceros”.
- O disco anterior de Blake, Make (2018), foi o primeiro lançamento em vinil do selo. And still… por enquanto pode ser ouvido apenas no Bandcamp. Sai em vinil e CD só em 16 de agosto.
No Brasil, o som de Blake Jones não costuma ser comentado – provavelmente somos o primeiro site em português a falar de algum disco desse músico californiano. Ele já está na ativa com seu grupo Trike Shop (“loja de triciclos”) desde 1993, e tanto ele quanto a banda têm adoração por dois lados diferentes do rock dos anos 1960: a face mais experimental, de bandas como Mothers Of Invention e Grateful Dead, e a região mais histórica e pop, que gerou clássicos de bandas como The Who, Kinks e os próprios Beatles.
Naturalmente, o som deles faz todo sentido se comparado ao de bandas como Soft Boys, Rockpile e XTC – é power pop com um forte lado soft rock, de música feita para tocar numa rádio imaginária. Não é à toa que And still…, novo disco do grupo, pede na capa para ser arquivado no escaninho de “mad pop inventions”. É o que se ouve em músicas como The queen is dead e Record cover girl, que trazem uma espécie de Beach Boys punk e largadão. Ou em canções que lembram bubblegum sessentista pervertido, ou um Kinks/Small Faces menos pesado, como Mock stoner voices, Dreaming about sleeping, Mr Saturday sun e String lights hold on.
A doideira herdada de Frank Zappa e Captain Beefheart (ou de bandas como Soft Machine) é audível em pérolas pop-psicodélicas como o ska Used record stores, o jazz-rock Fascist bumblebee winter formal e a zoeira e tribal You put theremin on my hype sticker, que traz o próprio Blake Jones tocando o instrumento do título, e lembra as vinhetas instrumentais que invadiam lados-B e álbuns do Who sessentista. Para tocar no rádio e lembrar uma banda dos anos 1990 com influência de três décadas antes, tem as baladas Shake your dress e What’s the sun.
Nota: 9
Gravadora: Big Stir Records
Crítica
Ouvimos: Hotline TNT – “Raspberry moon”

RESENHA: Em Raspberry moon, o Hotline TNT acerta ao misturar noise, power pop esquisito e guitarras noventistas com letras simples e clima quase emo.
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Rotular a banda novaiorquina Hotline TNT como shoegaze é dar bem pouca areia para o caminhão deles. O grupo liderado por Will Anderson está mais para aquela época em que se sabia que rock, via de regra, tinha que ser ruidoso – seja lá em que gênero ele se adequasse. Raspberry moon, terceiro disco do grupo, guia o timão para os tempos de Hüsker Dü, Sugar, Velocity Girl, Dinosaur Jr e põe os rangidos e as paredes de guitarra para funcionar a favor da melodia.
Raspberry moon traz Will num clima diferente: em vez de compor e tocar sozinho, como aconteceu nos discos anteriores, ele pôs a galera que o acompanha nos shows para criar o disco ao lado dele. Boa parte do repertório soa mais próximo, de fato, do que pode ser entendido como um “disco de banda”, com dinamismo mais acentuado, e variando entre ruído e melodia. Was I wrong?, na abertura, é noise rock educado e alimentado como uma dieta de rock dos anos 1960. The scene é quase um haikai ruidoso e voltado pata a musicalidade pesada dos anos 1990. A ligeiramente funkeada Julia’s war tem cara de hit e chega a lembrar aquelas bandas mais palataveis que usavam a fórmula do grunge (Third Eye Blind, etc).
- Ouvimos: Dinosaur Jr – Farm (15th anniversary edition)
- Ouvimos: Velocity Girl – UltraCopacetic (Copacetic remixed and expanded)
- The living end: lembranças do Hüsker Dü ao vivo, em CD lançado em 1994
- Entrevista: Greg Norton (Hüsker Dü, Porcupine) exclusivo para o Pop Fantasma
Isto posto, dá pra dizer que o Hotline TNT se aproximou bastante do power pop no disco novo – aliás num papo com a newsletter Last Donut Of The Night, Will disse que, quando mais novo, ouvia bandas como Weezer e Red Hot Chili Peppers. Mas é um power pop esquisito, no qual cabem loucuras vaporwave (Transition lens), um clima que remete tanto a Joy Division quanto ao soft rock (Break right e Candles) e um pós-grunge como talvez ele devesse ser hoje em dia (Letter to heaven).
Aclimatações jangle-pop tomam conta de Dance the night away, e ruídos acústicos rangem nos violões ardidos de Lawnmover – enquanto uma nuvem sonora mais próxima do shoegaze que costuma ser associado à banda aparece na última faixa, Where U been?. Já as letras valorizam a simplicidade, ou o desejo de ser entendido (e sentido) em poucas frases. Há mensagens de adeus em Was I wrong? e Letter to heaven, um curioso conto de escalada em Julia’s war, e inseguranças amorosas em várias faixas, num clima praticamente emo – como o “se você realmente me amasse / faria uma cena de ciúmes / visibilidade / e todos veriam” da amarga The scene.
Talvez esse prazer por mostrar o lado mais imaturo da vida corte um pouco da boa experiência de ouvir o Hotline TNT. Mas Raspberry moon faz bem aos ouvidos quase todo o tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Third Man Records
Lançamento 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Getdown Services – “Primordial slot machine”

RESENHA: Em Primordial slot machine, o Getdown Services mistura pós-punk, soul e krautrock com humor ácido e melodias tortas, em faixas caóticas e cativantes.
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Dupla de Bristol, na Inglaterra, o Getdown Services parece um cruzamento de Prince, Beck e John Lydon – ou seja: balanço, estranhice e zoeira marcam o repertório da dupla formada por Josh Law e Ben Sadler.
Primordial slot machine, terceiro EP dos dois (eles têm ainda um álbum, Crisps, de 2023) abre com o pós-punk desértico de Provide me your name, música na qual rola uma conversa telefônica das mais esquisitas. E em seguida vem Chrysalis, soul-rock-pop com piano Rhodes, guitarra sinuosa e vocal falado – a letra basicamente fala sobre situações estressantes resolvidas de maneira imbecil (“vou formar uma crisálida perfeita / e enchê-la de mijo”, explicam/não explicam na letra).
- Ouvimos: The Wants – Bastard
- Ouvimos: Godofredo – Tutorial
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
Ben e Josh investem num eletrokrautrock ruidoso em James Bay’s hat e Eat quiche. Sleep. Repeat, duas músicas cujas letras parecem uma mistura da inocência falsa de David Byrne com o humor corrosivo de Mike Patton (“eu encontrei o maior amor do mundo / no menor meet and greet do mundo / dei uma crítica de duas estrelas de um filme que eu nem tinha visto”, afirmam na segunda). God bless é um rap que parece ter sido construído num sample – ou numa imitação – da levada de Rational culture, de Tim Maia.
A música mais “normal” do disco, Drifting away, vem no fim, e fala sobre vontade de desaparecer (“sou corajoso, mas não corajoso o suficiente para ficar / indo embora”) sob uma base de rock indie e sessentista, com vocal grave lembrando Lou Reed. Para ouvir quando a amargura desses dois não conseguir te contagiar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Breakfast Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vovô Bebê – “Bad english”

RESENHA: Quarto disco de Vovô Bebê, Bad english mistura Bowie, Jovem Guarda, baião e soul em um pop experimental cheio de referências e surpresas.
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Quando começaram a surgir as notícias sobre Bad english, quarto álbum de Vovô Bebê – codinome do músico Pedro Dias Carneiro – nomes como David Bowie eram bastante citados em textos que adiantavam o disco. Bowie paira como uma espécie de santo padroeiro sobre Bad english, disco produzido por Chico Neves e dirigido artisticamente por Ana Frango Elétrico – e a capa parece referir-se a uma versão torta de Blackstar (2016), seu disco de despedida.
E justamente o Bowie que baixou no estúdio em que Vovô Bebê gravou foi a versão mais aventureira e experimental do britânico – a da fase Berlim e a dos discos que ele fez nos anos 1990, incompreensíveis para vários fãs antigos, e revistos anos depois por vários deles. Não é só isso: o despojamento dos discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso feitos em Londres, e até o balanço dos Red Hot Chili Peppers, além do desdobre psicodélico da Jovem Guarda (Incríveis, Silvinha, Vanusa)… Tudo isso é citado em faixas como Intro/End of the moon, Forest baby (essa, em tom bossa + rock + soul + Bowie), a contemplativa e sinuosa Little sun, a espacial Night away e a beatle-tropicalista Offbook effort.
Bad english une Beck e disco music saturada em Star smoke ticket, põe algo de glam rock na mistura em Wrong ticket, e junta baião, afoxé, jazz e lisergia em Brazil commodity e Left for dead. O soul indie Daily basis slide guitars, voz tranquila e um balanço que remete tanto a Marcos Valle quanto a Titãs. Tem experimentalismo, e muito, em Bad english – mas ele surge como um elemento a mais nas canções e arranjos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Estúdio304
Lançamento: 23 de abril de 2025.
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