Crítica
Ouvimos: BK’, “Diamantes, lágrimas e rostos para esquecer”

Diamantes, lágrimas e rostos para esquecer reforça o que já sabíamos: BK’ é um dos nomes mais importantes do rap nacional e segue crescendo. O álbum não só amplia seu próprio legado, como também reafirma a força do rap como espaço de reflexão, memória e resistência. E também como diário de luta pessoal – o repertório do disco foca bastante na comparação entre o antes e o depois, na dureza do dia a dia, no crescimento pessoal e até financeiro.
O titulo do álbum deixa evidente os temas que BK’ explora ao longo do disco: riquezas materiais e pessoais, pessoas que se foram e deixaram saudades, pessoas que felizmente partiram sem deixar pistas. Não é por acaso que Você pode ir além, olho direto no olho de quem ouve rap, abre a seleção, com versos bem sacados como “o tempo é meu bem mais precioso/não perco por ninguém, não tem reembolso”, “muito sangue escorreu pra olhar pra trás/fantasma do passado não me assombra mais”.
Isso tudo, vale citar, ainda que um certo clima de papo de coach tome conta da história quando surge um “disciplina realiza o progresso” lá pelas tantas da música. Não chega a estragar a audição, mas mostra que BK’ provavelmente conhece bem seu público. Melhor ser salvo pela música em geral, e pelo hip hop em particular, do que por um sujeito com mania de grandeza e objetivos políticos escrotos (ok, a não ser que um artista queira se tornar esse tipo de pessoa, mas não deve ser o caso aqui).
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Entre sacações e estranhamentos, Diamantes se desenvolve como um longo depoimento, que trata de sonhos da infância (Só eu sei), muros e pontes (Não adianta chorar), grana (Medo de mim), fé e zoeira (Amém, amém), papo reto romântico (Só quero ver, Da madrugada) e vários outros assuntos, quase sempre ditados por BK’ como se fossem letras de samba, acima de tudo.
Mas o que mais pula na frente durante a audição é o (já bastante comentado) uso de samples do disco. Que na verdade é uma bola de neve de outros temas: samples pagos, direito autoral, demora para lançar discos novos (justamente por causa dos tais benditos samples), informações e conhecimentos por parte dos artistas sampleados, produção de discos de hip hop. Vale acrescentar que o álbum de BK’ soa extremamente coeso, e não como uma colcha de retalhos de amostras sonoras, mal que já afligiu vários álbuns do estilo no Brasil.
O disco revisita músicas de Djavan, Evinha, Milton Nascimento, Fat Family, Luciana Melo, Trio Mocotó e vários outros nomes – tudo autorizado. Também deixa entrever uma tendencinha no rap, que é o uso de canções de rock progressivo brasileiro (Você pode ir além pega trecho da canção homônima do grupo Karma, assim como o álbum coletivo Maria Esmeralda havia sampleado O Terço). Alguns samples de Diamantes são tão bons que parecem feats dos artistas, realizados com exclusividade.
Justamente por esse cuidado com a produção, BK’ ficou livre para alcançar a inovação em vários momentos do novo álbum. Indo de faixa em faixa, Medo de mim entra na esfera do soul progressivo, Quem não volta relembra a MPB da Trama dos anos 2000, o interlúdio Monstro confunde mentes (um rap com compasso ternário, como muitas canções de Lô Borges e Beto Guedes, e com tom afro garantido pelas percussões). Te devo nada tem o refrão mais bonito do disco e um vocal rajado de influências afro. Já tons entre o country e o folk tomam conta do álbum em Eu conquistei e Mandamentos. E o destaque de verdade vai para Ninguém vai tirar minha paz, que aproveita a base de Certas canções (Milton Nascimento, Tunai) para mandar bala num r&b forte e dançante.
No fim das contas, Diamantes, lágrimas e rostos pra esquecer é, em letra, música e conceito, um disco que olha para trás, mas segue sempre em frente.
Nota: 9
Gravadora: Gigantes
Lançamento: 28 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Home Is Where – “Hunting season”

RESENHA: No segundo disco, Hunting season, o Home Is Where troca o emo por um alt-country estranho e criativo, misturando Dylan, screamo e folk-punk em faixas imprevisíveis.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O Home Is Where é uma banda emo – mas no segundo disco, Hunting season, eles decidiram que estava na hora de mudar tudo, ou quase tudo. O grupo volta fazendo um alt-country pra lá de esquisito, com referências que vão de Bob Dylan a Flying Burrito Brothers. Sendo que a ideia de Bea McDonald (voz, guitarra) parece inusitada demais para ser explicada em poucas palavras (“um disco que dá para ouvir num churrasco, mas que também dá para chorar”, disse).
Com essa migração sonora pouco usual, o Home Is Where se tornou algo entre Pixies, Sonic Youth, Neil Young e Cameron Winter, com vocal empostado lembrando um som entre Black Francis e Redson (Cólera). Reptile house é pós-punk folk, Migration patterns é blues-noise-rock, Artificial grass tem vibe ligeiramente funkeada e é o tipo de música que uma banda como Arctic Monkeys transformaria num hit – mas é mais esparsa, mais indie, e os vocais chegam perto do screamo.
Hunting season tem poucas coisas que são confusas demais para serem consideradas apenas inovadoras ou experimentais – Bike week, por exemplo, parece uma demo dos Smashing Pumpkins da época de Siamese dream (1993). Funcionando em perfeta união, tem o slacker rock country de Black metal mormon, o folk punk de Stand up special e uma balada country nostálgica com vibe ruidosa, a ótima Mechanical bull. Os melhores vocais do álbum estão na balada desolada Everyone won the lotto, enquanto Roll tide, mesmo assustando pela duração enorme (dez minutos!), vale bastante a ouvida.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Wax Bodega
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Satanique Samba Trio – “Cursed brazilian beats Vol. 1” (EP)

RESENHA: Satanique Samba Trio mistura guitarrada, lambada, carimbó e jazz experimental em Cursed brazilian beats Vol. 1
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Como o Brasil insiste em não ouvir o Satanique Samba Trio, vale dizer que a banda brasiliense não é um trio e o som vai bem além do samba – é puramente jazz unido a ritmos brasileiros variados, com ambientação experimental e (só às vezes) sombria. O novo disco é Cursed brazilian beats vol. 1 – que apesar do nome, é o segundo lançamento de uma trilogia (em português: Batidas brasileiras amaldiçoadas).
Dessa vez, a banda caiu para cima de ritmos do Norte, como guitarrada, lambada e carimbó, transformando tudo em música instrumental brasileira ruidosa. O grupo faz lambada de videogame em Lambaphomet, faz som regional punk em Brazilian modulok e Sacrificial lambada, e um carimbó que parece ter sido feito pelos Residents em Azucrins. Já Tainted tropicana, ágil como um tema de telejornal, responde pelo lado “normal” do disco.
A surpresa é a presença, pela primeira vez, de uma música cantada num disco do SST: Aracnotobias tem letra e voz de Negro Leo – talvez por isso, é a faixa do grupo que mais soa próxima dos experimentalismos do selo carioca QTV.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Rebel Up Records
Lançamento: 21 de março de 2025.
Leia também:
-
- Ouvimos: Negro Leo, Rela
- Ouvimos: Residents, Doctor Dark
- Relembrando: The Residents, Meet The Residents (1974)
Crítica
Ouvimos: Mugune – “Lua menor” (EP)

RESENHA: O Mugune faz psicodelia experimental e introspectiva no EP Lua menor, entre Mutantes e King Gizzard.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Trio introspectivo musicalmente vindo da cidade de Torres (RS), o Mugune é uma banda experimental, psicodélica, com design musical esparso e “derretido”. O EP Lua menor abre com a balada psicodélica Capim limão, faixa de silêncios e sons, como se a música viesse lá de longe – teclados vão surgindo quase como um efeito, circulando sobre a música. Duna maior é uma espécie de valsa chill out, com clima fluido sobre o qual aparecem guitarras, baixo e bateria.
A segunda metade do EP surge em clima sessentista, lembrando Mutantes em Lua, e partindo para uma MPB experimental, com algo de dissonante na melodia, em Coração martelo – música em que guitarras e efeitos parecem surgir para confundir o ouvinte, com emanações também de bandas retrô-modernas como King Gizzard & The Lizard Wizard.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 17 de abril de 2025.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?