Crítica
Ouvimos: Neil Young and The Chrome Hearts – “Talkin to the trees”

RESENHA: Neil Young volta com Talkin to the trees, disco caseiro e cru com a nova banda The Chrome Hearts. Entre baladas, country punk e protestos.
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Falamos outro dia ao resenharmos o novo álbum de King Gizzard and The Lizard Wizard: Neil Young só faz o que quer, lança o que tem vontade, os fãs que comprem o pacote completo, e vai por aí. Quase sempre dá certo, mesmo quando não dá – e recentemente discos rejeitados por vários anos têm sido o foco do cantor canadense.
Talkin to the trees marca a entrada em cena de sua banda The Chrome Hearts, uma nova formação composta por velhos colaboradores: Micah Nelson (vocais e guitarra), Spooner Oldham (órgão), Corey McCormick (baixo e vocais) e Anthony LoGerfo (bateria). O apelo ao passado de lançamentos recentes de Neil Young – resenhamos vários deles neste site – talvez tenha feito o cantor querer que Talkin soasse como um disco sem data específica, descoberto em seus arquivos. Isso porque o som do álbum é de gravação caseira, como se fosse um ensaio que ficou tão bom que ele decidiu lançar – ou como se fosse a versão stripped de um disco que chegou às lojas.
- Tem mais Neil Young no Pop Fantasma aqui.
Há muita simplicidade em Talkin. O disco abre com Family life, country simples com gaitinha, letra sobre a vida em família, referências nominais aos filhos do cantor e versos como “cantando para minha melhor esposa de todos os tempos / a melhor cozinheira do mundo” (!). Com uma baita reverberação na voz, Neil chega a atropelar a métrica e a banda parece fazer um imenso changa-langa country.
A agradável First fire of winter – dos versos “não se preocupe agora, garota / porque eu sei como você se importa / medos do que pode acontecer / nós sempre estaremos lá” – lembra Knockin’ on heavens door, de Bob Dylan, e é até simplória se comparada ao que Neil já fez. A venturosa Silver eagle, por sua vez, é country cavalgando no Pé de Pano, com gaita, violão e lembranças do tourbus Silver Eagle usado por Neil nas turnês (“viajei milhas agora nestas velhas estradas / algumas são novas, conforme o tempo explode / cheias de histórias, as suas e as minhas”).
Esse tom despojado marca todo o repertório de Talkin to the trees, mas deixa claro que aí vem coisa – e esconde uma vibe quase punk que vem depois. Em Dark mirage, um blues selvagem e tribal, a bateria de Anthony move-se como um animal selvagem e o vocal de Neil, absolutamente grave, chega a lembrar Iggy Pop. Let’s roll again é country punk lascado, com guitarras pesadas lembrando Ramones, apelos à indústria automobilística norte-americana e a porradas na nova gestão Trump e em Elon Musk (“se você é fascista, então compre um Tesla”, diz a letra).
Outras músicas mantém o peso e sujeira em cima, como Movin ahead e o grunge de protesto Big change, lançado pouco antes da posse de Trump. Um material que surge lado a lado da leveza da faixa-título, da sensibilidade de Bottle of love (próxima do Neil Young do primeiro disco, epônimo, de 1969) e da balada de conforto Thankful. Uma dualidade que marca o novo disco e transforma Talkin to the trees em um bilhete na garrafa, com várias mensagens – várias delas bastante mobilizadas – em separado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Reprise
Lançamento: 13 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Radiohead – “Hail to the thief live recordings 2003-2009”

RESENHA: Registro ao vivo de Hail to the thief (2003) mostra Radiohead intenso e renovado entre 2003 e 2009, revalorizando o disco original.
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Thom Yorke, líder do Radiohead, nunca se sentiu muito confortável fora da sua casca. De certa forma, mesmo suas opiniões “polêmicas” sempre trouxeram aquela visão abstrata das coisas que costuma brotar em entrevistas de gente acostumada a ser chamada de “gênio” – mesmo que nem seja. Em alguns casos, as opiniões de Thom são ruins, mesmo. Ou simplesmente atabalhoadas, como naquela situação em que ele foi praticamente forçado a expor sua visão sobre Palestina x Israel, protestou contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, mas deu um jeito de sair pela tangente.
No caso de Hail to the thief, disco de 2003 do Radiohead, havia algumas coisas para notar assim que ele saiu. O Radiohead havia feito um disco político – ainda que com letras extremamente oblíquas e que se pareciam mais com fábulas estranhas do que com qualquer outra coisa. Livros como 1984, de George Orwell, e discursos do então presidente norte-americano George W. Bush em época de guerra serviram como inspiração. O som do disco, tão dolorido quanto o dos álbuns anteriores, soava como um pós-punk maníaco (ou um progressivo com alfinetes na bochecha, vá lá), em que tudo transpirava pressa.
- Ouvimos: Shearling – Motherfucker, I am both: ‘amen’ and ‘hallelujah’ …
- Ouvimos: Paul Weller – Find El Dorado
- Ouvimos: Apeles – Cru
Hail to the thief, vale dizer, estava mais para uma espécie de “obra aberta”, na qual cabem diversos entendimentos – aliás, recentemente Yorke retrabalhou todo o conteúdo de Hail para a produção da Royal Shakespeare Company Hamlet hail to the thief, o que já mostra o caráter (vá lá) elástico do álbum. E foi justamente por causa dessa produção que Thom decidiu ouvir gravações ao vivo das faixas de Hail – o que gerou esse Hail to the thief live recordings, com registros entre 2003 e 2009.
A versão ao vivo de Hail está bem longe de ser um caça-níqueis barato. O Radiohead vai no repertório como quem vai atrás de um prato de comida, como comprovado pela audição das releituras de faixas como There there, 2 + 2 = 5, Where I end and you begin, The gloaming e várias outras. Tem um subtexto histórico: o Radiohead de 2003 é diferente existencialmente do de 2009, já que o primeiro ainda era contratado da Parlophone e o segundo, uma banda independente que estava divulgando In rainbows (2007), o disco do “pague o quanto quiser”. Era também uma banda descontente consigo própria, já que Hail foi considerado por eles como um disco grande demais e meio enfadonho.
Musicalmente, é a vitória do rock experimental em tempos incertos, com faixas chorosas como I will sendo aplaudidas por plateias de arena (em Londres, Amsterdã, Buenos Aires e Dublin, lugares onde as gravações foram feitas). Hail to the thief está bem longe de ser o melhor disco do Radiohead, mas sai revalorizado das versões ao vivo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: XL Recordings
Lançamento: 13 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Apeles – “Cru”

RESENHA: Gravado ao vivo em uma tarde, Cru mostra Apeles em voz e guitarra, revisitando faixas antigas e tendo o eco do local como um instrumento a mais.
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Eduardo Praça, o músico, cantor e compositor por trás do Apeles, já havia lançado um diferentíssimo álbum triplo em março, 2015-2022: The complete demos and early recordings, com as primeiras gravações que fez usando o codinome. Cru, novo disco do Apeles, sai agora com a mesma disposição para apresentar algo novo. O músico gravou o disco ao vivo durante uma única tarde, no estúdio White Noise, em Los Angeles – e fez todos os registros apenas com voz, guitarra e eco.
Por sinal, bastante eco: todo o repertório parece ter sido gravado numa garagem abandonada, ou numa igreja. Em Cru, Eduardo revisita canções antigas do Apeles, abrindo com a balada abolerada de Vermelha, Ele prossegue com a experimentação de Clérigo e A alegria dos dias dorme no calor dos seus braços, e adere de vez ao clima sombrio na balada Socorro.
Cru também tem um lado meio sixties, meio brega em Vesania I (Cabo horn), e vai para um lado rocker, que chega a lembrar Creedence Clearwater Revival, em Desconocidos. Vibes ligadas a bandas como Smiths surgem em Lábios mentem à distância e Pax, patz, paz. Em alguns momentos, dá para perceber que o esquema de voz-e-guitarra impõe limitações de arranjo, especialmente em faixas com elementos parecidos. Por outro lado, no final, Cru (I rise in pieces), traz uma espécie de lado oculto do projeto, com clima fantasmagórico na voz e na guitarra.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Balaclava
Lançamento: 12 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável – “Ident II dades” (EP)

RESENHA: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável mistura shoegaze, punk triste e dream pop em EP sombrio e intenso sobre fugas, superações e sonhos.
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Banda paulista cujo nome volta e meia é confundido com o de outro grupo (E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante), o A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável vai além de nomenclaturas como “shoegaze” e “lo-fi” no novo EP, Ident II dades. Em faixas como Espaço/tempo, o som deles chega a lembrar o de formações hoje esquecidas, como o Kafka, pela união de ruídos, psicodelia e de instrumental quase espacial, levado pela guitarra.
Tempo/espaço, a continuação, tem mais cara de punk triste, ou de emo em tons bem mais sombrios, com microfonias. Distante abre com guitarra de textura quase eletrônica, e um som perto do punk, com peso e intensidade. As letras e os recados do disco são voltados para coisas deixadas para trás, fugas, superações e sonhos bem estranhos, como na vinheta falada de 94 (“entre uma fuga e outra você vai consegui se divertir”) e na trama slowcore de Santana 1994.
No final, Excursionista selvagem é mais ensolarada que o restante do disco, trazendo muito do dream pop dos anos 1980, mas sem deixar de lado a beleza sombria que marca o som da banda. Ouça como quem invade um ensaio do grupo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Selo Quituts
Lançamento: 6 de junho de 2025
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
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