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Cultura Pop

Mas quem são Tony Lopes & Os Sobreviventes?

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O músico baiano Tony Lopes foi fazer diversas outras coisas após o fim de sua banda Os Sobreviventes, que montou no começo dos anos 1990. Formou outros grupos, foi integrante de outros tantos, escreveu letras para vários parceiros e montou duas lojas de discos. Mas o disco único de Tony & Os Sobreviventes, De quem é a culpa? (1991), ainda lhe tirava o sono de vez em quando. Para realizar o LP, pouquíssimo divulgado e feito à própria custa, Tony se dedicou bastante. Gastou muitas horas de estúdio e chegou a vender um Chevette para pagar os trabalhos – pouco antes disso, tinha sofrido um acidente de carro que lhe custou a visão de um olho.

Mas quem são Tony Lopes & Os Sobreviventes?

A capa do disco

“Não ganhei dinheiro com o disco, mas também não perdi. Ele não circulou como eu gostaria e nem me fez um letrista requisitado. Mas é real. Faz parte da história, coisa que muitos poucos fizeram aqui pela Bahia”, recorda Tony, ainda hoje trabalhando com música.

Recentemente, Tony jogou De quem é a culpa? nas plataformas digitais. Anunciou o relançamento em fevereiro com um textinho no Facebook (confira abaixo), em que relembrava as críticas ruins que o disco recebeu (uma delas da Veja) e acusou o calcanhar de aquiles apontado por muita gente, que era sua voz.

Mas quem são Tony Lopes & Os Sobreviventes?

“Eu nunca cantei, só queria mostrar minhas músicas e letras. Sempre deixei isso bem claro, mas falar das coisas ruins é sempre mais fascinante”, justifica Tony, que lançou no disco composições como a balada sadomasoquista A tua mulher, o reggae-blues Mãe da bomba, a balada Nenhum de nós e o rock tipicamente oitentista (com violões corridos a la Smiths e The Cure) Brinco. Nas letras, influências de Marcelo Nova, Walter Franco, Roberto e Erasmo Carlos, além de poetas concretistas.

“No disco tem várias composições, tanto música como letra, que são minhas e que tiveram um pequeno help dos amigos. Não reconheço uma única nota musical, quando compus estava aprendendo a tocar violão. Não levei adiante mas com uns dois ou três acordes compus bastante”, conta.

Tony ainda tem LPs originais para vender (ofereceu um até para o POP FANTASMA) e nunca viu seu disco lançado em CD. Nem pretende relançá-lo no disco prateado e vai deixar o álbum apenas no formato digital. Em 1991, o vinil ainda era um suporte popular no Brasil, não havia muitos CDs independentes e um lançamento em LP estava de bom tamanho.

No álbum, Tony compõe, canta e faz a produção ao lado do amigo Eduardo Luedy. Apesar de originalmente ser baterista, Tony preferiu substituir o instrumento no LP por batidas programadas. Por que? “Eu era um baterista ruim, e naquele momento era o cantor”, conta.

Mas quem são Tony Lopes & Os Sobreviventes?

Contracapa do álbum, com a equipe que participou da gravação

“Nas demos, em gravadores de quatro canais e em gravações caseiras, era mais fácil usar as eletrônicas. Eram bem simples na época, daí não foi difícil de decidir mantê-las na gravação final. E também tinha o lance dos custos e o pouco tempo disponível no estúdio. Usamos uma percussão de verdade em uma das músicas, o reggae Carnaval. Foi feita por uma grande músico chamado Ivan Huol”, complementa. “O disco foi gravado e mixado em dez períodos de quatro horas no estúdio Livre, que ficava no bairro da Liberdade. Às vezes o tempo passava um pouco, o Filipe Cavalieri (engenheiro de gravação) fez o possível para nos ajudar”.

GUERRA FRIA. Bem antes de De quem é a culpa?, Tony sonhava em ser músico. Mas só foi querer fazer música passada a adolescência, aos 19/20 anos, dez anos antes do disco.

“Inicialmente queria ser apenas letrista, mas com o tempo resolvi aprender a tocar um instrumento e escolhi a bateria por considerar que seria mais fácil. E me enganei. Até hoje toco e ainda não aprendi”, afirma. Tony teve uma banda chamada Dúvida Externa e seria um dos vocalistas, mas foi impedido pela própria timidez. Logo depois montou o Guerra Fria, em que dividia o palco com o irmão André Luiz, no vocal. A banda só durou um ensaio e fechou com uma nota trágica: a morte de André aos 23 anos em um acidente de moto.

“Já vinha escrevendo as letras, mas com o fim do Guerra Fria fiquei sem o suporte e a garantia necessários para me considerar um letrista. Nunca tive muitos amigos e a minha baixa estima me impedia de correr atrás do meu sonho”, conta o músico, que hoje voltou a compor com o guitarrista Jorge Afonso, com quem dividiu a banda.

Luedy, co-produtor do disco, apareceria na história em 1989, quando Lopes gravava umas canções suas num estúdio e precisou de mais um gravadorzinho para terminar uns trabalhos. “Eu tinha em casa um gravador de quatro pistas, uma Tascam porta-one, que gravava em fita cassete”, lembra Luedy.

Eduardo Luedy foi levar o gravadorzinho (“acho que eu fui apenas de farra, porque não tinha necessidade de eu estar junto”, recorda), gostou das músicas de Tony e acabou ficando amigo dele. Antes, tinha tocado numa banda chamada Flores do Mal, que volta e meia é citada entre as bandas mais significativas do underground de Salvador nos anos 1980. O que não foi exatamente garantia de sucesso. “A gente circulava por entre a cena roqueira da época – que era muito pequena, se pensarmos que a gente transitava por uma parte da cidade apenas”, recorda Luedy. “Tocamos em peças de teatro, participamos de festivais, tocávamos onde podíamos tocar. A gente nunca ganhou dinheiro com o nosso trabalho”.

No rock soteropolitano dos anos 1980, quem fez sucesso mesmo foi o Camisa de Vênus, que Tony acompanhou bastante, indo a todos os shows (“sempre preferi ouvir música em português e o Marcelo Nova era o Messias que me guiaria pela estrada do rock”, recorda).

Não era tanto a praia de Luedy. “A música do Flores do Mal era muito MPB para o gosto da época”, diz. “Na época, o roque no Brasil já acontecia muito a partir de São Paulo e Rio de Janeiro. E o próprio Camisa não ficou aqui, eles se mandaram logo para São Paulo. Acho que na Bahia a gente não tinha nem a estrutura de casas de shows, bares etc e nem um público tão amplo que pudesse sustentar um circuito daquela música. Não sei, estou pensando alto aqui”.

SOBREVIVENDO. Na época de De quem é a culpa?, Tony fazia museologia na UFBA, vivia com os pais e fazia bicos. Dentre os empregos que aceitou para manter as contas em dia, estava o trabalho numa rádio AM. “Eu fazia desde programas sertanejos nas madrugadas até programas para donas de casa à tarde”, conta. Já tinha uma relação com Fátima, que se tornaria sua mulher e mãe de seus filhos Jimy, Tom (estes, gêmeos) e Vicky.

Mas quem são Tony Lopes & Os Sobreviventes?

Tony Lopes em 1991, cercado de caixas de vinil e com uma cópia do LP no braço

Na hora de arrumar um estúdio para colocar no vinil todo o material que guardava havia alguns anos, Tony deparou com uma questão básica: além do alto custo, Salvador tinha poucos estúdios (“somente dois ou três”, diz). O orçamento para a gravação veio da tal venda do carro. A prensagem foi feita com a ajuda da família e de cupons de pré-venda. Um outro fator que facilitou foi a chegada de amigos que quiseram trampar de graça, incluindo um ex-Flores do Mal, Heyder Carvalho, e dois ex-Guerra Fria, Jorge Afonso e Marcelo Fraga.

“Eu cheguei a colaborar financeiramente, mas bem pouco”, lembra Luedy. “Tivemos um tempo longo de pré-produção, a gente gravou tudo antes no meu porta-studio tascam. Todos os arranjos, todas as programações de bateria foram feitas nessa fase. Eu programei muita coisa sozinho, outras com ajuda dos nossos amigos músicos. Toquei baixo e um monte de violões. Eu adoro esse disco, dei o melhor de mim ali”.

As tais baterias eletrônicas às quais Tony Lopes recorreu causaram certa tristeza nele e nos músicos durante as gravações. Mas no palco, tudo deu certo. “Quando começamos a fazer shows, passamos a utilizar bateria de verdade e aí dava pra ver como as músicas ganhavam força. Mas sem arrependimentos. Acho que elas hoje fazem com que o som soe mais atual”, conta Tony. Fora isso, o efeito expectativa versus realidade não bateu muito na equipe do disco: a ideia era terminar tudo o mais rápido possível e a turma já tinha várias demos.

GOLFINHOS MORTOS. A capa de De quem é a culpa? traz – você viu lá em cima – uma imagem forte, clicada por Xando Pereira, que mostrava um grupo de golfinhos mortos numa praia da Bahia. Mesmo em se tratando de um LP de distribuição restrita, a capa do álbum gerou polêmica. “Fui duramente criticado na época por acharem que fiz uso indevido da causa ambiental, já que no disco nenhuma letra abordava o tema”, lembra Tony. E poderia ter gerado ainda mais polêmica. Pelo menos na família do cantor.

“No projeto original, eu queria usar uma imagem de crucificação de Cristo. Quando falei para minha família da ideia, todos foram contra, apesar da minha família ser espírita. Mas encontrei a foto de Xando, dos golfinhos, e acredite que ali eu conseguia ver a imagem da crucificação”, recorda Tony Lopes. “Antes disso um artista carioca chamado Ronaldo Torquato chegou a fazer um projeto de capa, mas era muito complexo e caro de fazer”. Tony conseguiu vender boa parte dos discos e pagou os custos.

CREIA. Hoje em dia, se você quiser bater um papo com Tony ou ver se ele tem uma cópia estalando de nova de De quem é a culpa? para vender, é só procurá-lo no Bardos Bardos, a Casa das Trincas, localizado no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. É uma espécie de bar/loja de discos com agenda de shows, capitaneado por ele, por Wilson PDM e por outra lenda do rock baiano, Rogério Big Bross, dono do selo Big Bross Records.

Tony hoje: "Creia" (foto: reprodução Facebook)

Tony Lopes hoje: “creia” tatuado no braço

Tony também está escrevendo um livro de causos sobre a vida do amigo Big Bross, que terá um formato mais próximo de um almanaque do que de uma biografia comum (“será uma BigOgrafia”, brinca). O Guerra Fria retorna em breve com músicas do repertório oitentista da banda, e algumas inéditas – uma delas, em homenagem ao radialista e apresentador de TV baiano Waldir Serrão, um dos primeiros parças profissionais de Raul Seixas. Entre um e outro projeto, promoveu modificações também em si próprio. Adotou a palavra “creia” como lema para projetos, e-mails, mensagens a amigos e até finalizações de textos do Facebook. Tatuou a palavra no braço esquerdo. “Um pouco de fé em mim mesmo já que nunca botei muita fé em mim. Tudo isso depois dos 50”, conta.

Após De quem é a culpa?, Tony tocou em bandas como Tara Code (que conseguiu projeção no underground baiano dos anos 1990), Koyotes (banda do artista plástico Miguel Cordeiro, co-autor de Simca Chambord, do Camisa de Vênus) e Professor Doidão E Os Aloprados. Lançou também o disco Pequenos milagres de um santo barroco de barro, sob o pseudônimo ReverendoT, e escreveu o livro Blasfêmias & orações.

“Tenho também algumas bandas virtuais como Os Elefantes Elegantes, tristes azuis e KortKoyds, nas quais produzo usando o garage band. Quase tudo com letras e músicas minhas”, conta. “Como posto quase diariamente o que escrevo nas redes, sempre pinta alguém que gosta e faz a música. Adoro quando isso acontece, porque geralmente essa não seria uma prioridade pra mim. Mas gosto dessa urgência, de sempre estar tentando algo, fazendo diferente”.

Luedy, depois do álbum, tornou-se professor universitário de música e trabalhou até em um disco do sambista baiano Riachão. Ele lembra que após a iniciativa dele e de Tony, o cenário roqueiro da Bahia foi “se tornando aquilo que o Capital Inicial se tornou”, como recorda. “Lembro que a galera que curtia rock e que circulava nos eventos e festas e shows de rock das bandas daqui, via com maus olhos o surgimento do mangue beat… Eles achavam que o rock não podia se misturar. Bem, estou generalizando, mas eu via isso como um sinal muito evidente de que o rock estava se encaretando. E isso desde essa época daí, desde os anos 90”.

Tony resolveu reeditar De quem é a culpa? nas plataformas quando trabalhava no retorno do Guerra Fria e decidiu que estava na hora de revirar mesmo o baú. A versão que está no ar foi remasterizada por Luedy em 2004 e inclui a versão demo de Brinco. O músico gostou de como o disco soou no Spotify e em outros serviços de streaming, e decidiu investir.

“Hoje eu acho De quem é a culpa? bem melhor que na época. Não sou perfeccionista, gosto de quantidade, produzir muito, escrever muito e continuo assim. É bom quando alguém ouve e curte a nossa música, mas isso independe da quantidade de pessoas. Não sou nenhum gênio, mas fiz boas canções. Elas estão aí vivas e prensadas num vinil, e como um colecionador, que sou, eu sei como isso é importante e nos satisfaz”, alegra-se Tony. Mais algum recado? “Let’s go, creia”, diz, fechando uma das mensagens que trocamos.

Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

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O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

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Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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