Cinema
Quando John Wojtowicz inspirou o filme “Um dia de cão”

Muita gente morre aos 27 anos e passa a fazer parte de um clube sinistro aí. Americano de Illinois, John Wojtowicz iniciou nessa idade significativa uma nova carreira – que não deu muito certo, e para a qual entrou por razões bem pessoais. Com a ideia de ajudar sua esposa, uma mulher trans, a fazer uma cirurgia de mudança de sexo, ele decidiu assaltar uma filial do Chase Manhattan Bank, em Gravesend, Brooklyn.
A história de John não é das mais desconhecidas, não. E reúne três filmes: ele se inspirou nas cenas de roubo de O poderoso chefão, sua história auspiciosa inspirou Um dia de cão (de Sidney Lumet, com Al Pacino fazendo seu papel) e, em 2014, saiu um documentário sobre Wojtowicz, The dog, de Allison Berg e Frank Keraudren. O filme já saiu e voltou do YouTube várias vezes e não está inteiro em lugar nenhum agora – só no torrent.
TRIO DE ASSALTANTES
John não era um criminoso profissional. Aliás, nem sabia direito o que estava fazendo. Ex-funcionário do próprio Chase Manhattan Bank (e ex-militar, que servira no Vietnã), ele recrutou dois sujeitos tão atrapalhados quanto ele (Bobby Westenberg e Salvatore Naturale) para sair à cata de algum banco para roubar e conseguir a grana para a cirurgia da mulher. O trio saiu pelas ruas em 22 de agosto de 1972 para cometer o delito. No começo não estava dando muito certo. Numa das agências, Bobby encontrou um amigo de sua mãe e a turma deu pra trás.
Já no Chase Manhattan, foi fácil dominar as oito pessoas que estavam no banco. O roubo rolou, mas o assalto virou circo (um circo de quatorze horas, diga-se) com direito à chegada da polícia e á presença de atiradores de elite, agentes do FBI, jornalistas e emissoras de TV seguindo a história passo a passo.
O inusitado é que John deixou uma imagem (acredite) simpática até mesmo nas pessoas que estavam no banco. Chegou a pedir comida pelo telefone para os reféns e a distribuir grana para as pessoas que se aglomeravam (bons tempos aqueles) na porta da agência bancária.
O FBI possivelmente sentiu cheiro de otarice e, na negociação, prometeu que os bandidos conseguiriam pegar um voo internacional e fugiriam de boaça caso se entregassem. Claro que não houve nada disso e ao chegarem no aeroporto, a polícia esperava ansiosamente por John Wojtowicz e Salvatore Naturale (Westenberg já havia fugido). Rolaram uns tiros, Naturale foi baleado e morto, e John foi condenado 20 anos de cana. Olha aí o mugshot dele.
Mesmo com a cana dura, rolaram vantagens para o mais novo fora-da-lei da praça. Na cadeia, já aguardava por Wojtowicz uma proposta de venda de sua história para Hollywood por US$ 7.500, mais 1% dos lucros do filme. Ah, ele também conseguiu a tal operação para a esposa.
ISSO É AMOR
John era gay, mas bem antes de conhecer Elizabeth, chegou a se casar com Carmen Bifulco. Aliás, ele conheceu a primeira esposa justamente no Chase Manhattan Bank quando era funcionário de lá. O casamento durou dois anos e, em 1969, já separado, o ex-bancário teria namoros com homens. Até que se apaixonou por pela mulher trans Elizabeth Eden, em 1971.
A paixão foi tão avassaladora que o casal se uniu numa cerimônia não-oficial naquele mesmo ano. Só que Elizabeth queria fazer uma operação de mudança de sexo. John começou a pensar em ajudar a esposa quando ela foi internada após tentar dar fim à própria vida. O marido calculou que, para livrar Elizabeth da depressão, deveria batalhar para que ela fizesse a cirurgia.
Elizabeth Eden, que não sabia dos planos de John, acabou tendo que lidar com a prisão do marido. Mas apesar de ter pego vinte anos, o ex-bancário conseguiu sair de trás das grades em 1978. Elizabeth se separaria de John e se casaria com outra pessoa. Morreu em 1987 por complicações relacionadas a aids. Wojtowicz, já separado dela, foi ao funeral prestar condolências.
John ainda voltaria à cadeia nos anos 1980 por violações da condicional. Entre uma cana e outra, viraria uma atração mais ou menos turística de Nova York, com direito a ideias de jerico como comprar um táxi, colocar nele o nome de “Dog day taxi” (o nome original de Um dia de cão era Dog day afternoon) e sair rodando pelas ruas da metrópole contando suas histórias aos passageiros. Também posou para essa simpática foto aí de baixo, raspando o crédito da própria infâmia. Morreu em 2006, de câncer.
TÁ CHATÃO, HEIN MANO?
Allison Berg e Frank Keraudren passaram dez anos entrevistando John Wojtowicz e pegando todos os detalhes de sua vida para o filme, até sua morte. Também falaram com parentes e até com sua primeira mulher. Não foi uma tarefa das mais fáceis, porque John não era um personagem dos mais tranquilos.
Chegou um momento em que a dupla de diretores já não sabia mais com que John estaria lidando naquele dia: ele podia acordar bem e ser um dia ótimo para conversar com ele, ou podia acordar com o pé esquerdo e mandar bala na sociopatia. Os dois cineastas chegaram a falar ao jornal NY Daily News que o problema ali era que Wojtowicz tinha um problema sério com situações que ele não podia controlar, e precisava “manter todos em seu mundo”.
Não foi o único problema: John Wojtowicz também passou a adorar a ideia de ser biografado, a ponto de perturbar a dupla de entrevistadores com telefonemas e mensagens fora de hora. “Começamos a ter sentimentos contraditórios em relação a ele. Ele também nos deixou malucos”, contou Allison Berg.
Via Death Disco Machine.
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Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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