Som
Quando GG Allin virou cantor de country e gravou Warren Zevon (?)

GG Allin era tido como um maluco de primeira linha já no começo dos anos 1980, pela maneira como gritava e se espalhava pelo palco. Em 31 de julho de 1985, decidiu levar a maluquice a outro nível e, pela primeira vez, cagou no palco. Foi num show em Peoria, Illinois, com as bandas Bloody Mess e The Skabs, e quem estava com Allin pouco antes da apresentação, lembra que o músico estava mais lúcido do que se poderia imaginar. Bloody F. Mess, vocalista do BM, recorda que viu até o cantor comprar laxante, e que ele ingeriu o medicamento pouco antes de subir ao palco.
“Os velhos que tomavam conta do teatro ficaram malucos. Pegaram todos os equipamentos e levaram lá para fora imediatamente. Centenas de punks ficaram confusos e correram para a saída, porque o fedor era inacreditável”, recorda o amigo. “Consigo sentir o fedor até hoje. Allin ainda teve a ideia de passar cocô no seu próprio peito, para que ninguém tentasse lhe enfiar a porrada. Quando fomos para a van, os policiais pularam lá dentro juntos!”.
É complicado enxergar “outros” lados na vida de uma figura que foi conhecida por seu apego à escatologia, ao enfrentamento de toda e qualquer autoridade, e a ideias muito esquisitas. O site All That Interesting recorda que, por baixo do glacê podre de um sujeito que cagava no palco, rolava nas fezes e se cortava com cacos de vidro, havia um fã de country. GG Allin era fã de Hank Williams e, diz o texto, via semelhanças entre sua história e a dele.
“Williams, como Allin, era um solitário quieto, com um persistente hábito de beber, que viajava frequentemente, e não queria fazer nada além de mostrar sua música”, afirmam. “Apesar do fato de que a música de Allin nunca decolou, muito por causa da gravação e da distribuição ruins, mas ainda assim ele continuou tocando ao vivo e atraindo multidões de garotos e garotas punks”.
Em 1991, dois anos antes de morrer, Allin deu vazão ao seu lado country num disco chamado Carnival of excess, só lançado em 1996. O disco é creditado a GG Allin & Criminal Quartet (além do vocalista, tinha Bob Widenhofer na guitarra, Andy Irvine no baixo e Paul Reller tocando bateria, piano, acordeão). O performer americano Tiny Tim faz vocais em GG + Tiny Tim on COE.
Mesmo fazendo um som tradicionalíssimo, GG decidiu cair pro lado mais fora-da-lei do country e escreveu versos como “num dia, encontrei uma força que não se comparava a nada/nasci de novo como o filho do mal, quando f… o demônio lá” (em Son of evil), entre outras coisas bastante pesadas e ofensivas. Lá pelas tantas, para contrabalançar, aparece um releitura de Carmelita, de Warren Zevon. Que o próprio GG canta no vídeo abaixo, tirado do documentário Hated.
Carmelita tinha sido gravada originalmente em 1972 pelo cantor canadense Murray McLauchlan, quatro anos antes até do próprio Zevon fazer sua versão. Linda Ronstadt chegou a gravar a canção em 1977 fazendo algumas alterações na letra, mantidas por Allin – que ainda incluiu um verso que fala em “estou brincando de roleta-russa com minha arma feita de pérola”.
Aqui, você confere um vídeo bastante maluco, com câmera tremida e nada de foco, de Allin visitando justamente o túmulo de Hank Williams.
https://www.youtube.com/watch?v=KalMenUBX4g
Crítica
Ouvimos: Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs, “Death hilarious”

Vindo de Newcastle, Inglaterra, o Pigs x7 (melhor reduzir o nome ao longo do texto, ou vai complicar até pro SEO) é tido e havido como uma banda de doom metal. Em seu quinto disco, o simultaneamente irônico e sério Death hilarious, eles caem para cima de bandas como Helmet e Tool em vários momentos, e também mostram que passaram pela escola de metal do Sepultura.
Esse som surge em faixas como Detroit, Carousel (que tem a adição de um synth sujo e podre) e Glib tongued. Esta última segue a linha do metal rangedor dos anos 1990, com a cadência de quem alternava discos de hip hop e som pesado no CD player – e ainda tem El-P, do Run The Jewels, fazendo rap. Mas vá lá, o forte deles é abusar de referências metal-clássicas. O disco já abre com Blockage, metal cavalar lembrando até mais Judas Priest do que Black Sabbath. Collider mantém o olho nos anos 1970 e 1990 simultaneamente: é um stoner blues rock referenciado em Soundgarden e Black Sabbath. No final, tem o stoner lento de Toecurler, música de oito minutos que evoca o comecinho do Motörhead – ou a esquina que uniu o pré-punk ao metal.
No mais, a própria já citada Detroit ganha uma cara de blues demoníaco, lá pelas tantas, que é a cara dos anos 1990. E tem Stitches, com tecladeira podre e sonoridade localizada entre Black Sabbath e Deep Purple. Isso tudo já garante espaço para o grupo no coração de quem ouve metal há anos, mas prossegue ligada/ligado em novidades. Já as letras, em vários momentos, apontam para o fim de tudo – seja esse “tudo” a sociedade doente, o totalitarismo, ou alguém muito estranho e problemático que manda recados direto da própria tumba. Blockage, por exemplo, traz versos como: “na minha estupidez cega / voltei ao pó (…) / agora estou residindo / nas profundezas da Terra / o que eu teria dado por uma segunda chance?”.
Nota: 8
Gravadora: Missing Piece Records
Lançamento: 4 de abril de 2025
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Crítica
Ouvimos: Renegades Of Punk, “Gravidade”

Um supergrupo punk formado em Aracaju em 2007, o Renegades Of Punk lança seu segundo álbum, Gravidade. Em 16 curtas faixas, Daniela Rodrigues (guitarra, vocal), Ivo Delmondes (bateria, vocal) e João Mário (baixo, voz, synth) dedicam-se a uma música ágil, pesada, sombria e quase gótica, conduzida quase sempre pelo baixo – que soa como se tivesse sido gravado em uma igreja, ou qualquer lugar cheio de ambiência.
Os vocais de Daniela saem igualmente na frente, cuspindo uma poesia anárquica, que sempre elege o capitalismo e a exploração do trabalhador como alvos – sem sombra de panfletarismo. Gravidade abre com o punk motorik e gritado da ruidosa Apenas isso, segue com os efeitos psicológicos do capitalismo na cavernosa Bruxismo (que lembra The Damned), evoca Buzzcocks em faixas como Invisível, Cortaram meus olhos e Feitiço, e fala do dia a dia de muita gente na irônica e triste Sempre angústia: “eu sou a máquina que deu errado / não consigo homogeneizar (…)/ achei que era de carne e osso / mas era apenas aparelho com defeito / acreditando que podia ser diferente”.
Temas como o machismo da ciência e da medicina surgem em Ciseaux, e uma energia punk-hardcore lembrando Mercenárias e Ratos de Porão ganha a frente em Máquina e Depressa. Misoginia (dos versos “eles ocupando os cargos / nós em casa parindo / uma piada de mau gosto / falta lógica, falta empatia”), por sua vez, vai para o lado de bandas como Gang Of Four e Television Personalities. Se nunca ouviu, adote essa banda agora mesmo.
Nota: 9
Gravadora: El Rocha Records
Lançamento: 8 de março de 2025
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Crítica
Ouvimos: The Driver Era, “Obsession”

A obsessão (eta trocadilho imbecil) da dupla norte-americana de alt-pop The Driver Era parece ser a sonoridade do Spandau Ballet. You keep me up at night, primeira faixa de Obsession, quarto disco dos dois, inicia com riff de teclado, tem as indefectíveis lembranças de The Cure e New Order (comuns hoje hoje em dia), mas tem uma guitarra dançante e surfística que é a cara de um dos maiores hits do Spandau, Only when you leave. Everybodys’s love, lá para o final do disco, faz vir à memória outro hit do grupo britânico, True. Same old story também parece ter sido inspirada por audições do SB.
Outros detalhes musicais do Spandau são devidamente louvados ao longo da meia hora de duração de Obsession, mas vale dizer que está tudo misturado no eletrorock moderninho da dupla, que também cai para cima de Earth, Wind & Fire e Michael Jackson em Don’t walk away (com certo clima trap nos vocais), une trip hop e neo-soul em I’d rather die, e joga o/a ouvinte num vórtice de referências oitentistas em Don’t take the night, um dos singles do disco. The weekend, o mais próximo de um “rock típico” do disco, lembra o hit único do Wax (Right between the eyes, de 1986, lembra?) e, em determinados momentos, soa quase como um power pop.
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Essa soma de referências dá a ideia de um disco construído e montado, mais até do que composto – o Driver Era, não custa dizer, está bem longe de ser uma banda sem personalidade ou cara própria. Às vezes a coisa não engrena, como na dance music genérica de Touch. Um lado do Driver Era que, por sua vez, é um dos melhores da banda, passa pelo pop adulto: Nothing left to loose tem clima jazz dado pela bateria e pelo piano Rhodes, e um andamento análogo ao de Everybody wants to rule the world, do Tears For Fears. Better, no final, vai na mesma linha, unindo rock e algo próximo ao trip hop.
Em termos de letras, vale dizer que o Driver Era investe em versos de identificação fácil, como na louvação da liberdade de Weekend, o amorzinho de Touch e Don’t walk away e o sexo noturno de You keep me up at night. Fica aí claro que o objetivo dos irmãos Ross e Rocky Lynch (os dois do The Driver Era) é fazer pop extremamente fácil e extremamente descompromissado – nem as encucações de matrizes já citadas como The Cure e New Order brotam por aqui. Em alguns momentos, isso funciona, e bem – em outros, vira um calcanhar de Aquiles a ser resolvido.
Nota: 7
Gravadora: Too Records
Lançamento: 11 de abril de 2025
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