Cultura Pop
Que disco mais estranho, Gary Wilson!

Se você precisava de um disco bem estranho para começar sua semana, tente esse: You think you really know me, lançado em 1977 por um músico novaiorquino chamado Gary Wilson, não fez sucesso algum quando saiu. No ano do levante punk e numa época em que a new wave ainda estava em seu embrião, o cara fazia um som que lembrava o que gente como Beck estaria fazendo muitos anos depois.
Não por acaso, Beck é fã de Gary, já o citou em entrevistas e falou seu nome em um de seus hits, Where it’s at.
First time I heard Beck mention my songs "6.4", "Lose Control" / Beck – Post Show Interview – 1997 VMAs https://t.co/AzMgHjk1jp via @YouTube
— Gary Wilson (@garywilson64) January 9, 2017
Gary, vamos admitir, não é dos músicos mais desconhecidos do mundo. Primeiro porque muitos fãs de Beck realmente se recordam do nome dele. Segundo porque, no começo dos anos 2000, um selo chamado Motel Records encasquetou que iria relançar You think you really know me, depois de vários anos de indisponibilidade. A gravadora estava tão decidida que botou até um detetive particular atrás de Wilson, sem sucesso.
O selo conseguiu achá-lo após esbarrar com ex-membros da banda de Wilson, a The Blind Dates. Gary foi encontrado levando uma vida extremamente pacata: morava com a namorada, trabalhava num cinema de peep show e tocava numa banda de jazz. E não tinha nem telefone fixo nem celular, daí a dificuldade para ser encontrado. Gary autorizou o lançamento e ainda se ofereceu para fazer shows para divulgá-lo. Volta e meia Gary ainda faz shows com uma formação nova da The Blind Dates e o clima é essa balbúrdia que você vê aí no vídeo.
Sim, porque Wilson, quando começou carreira, resolveu procurar um de seus maiores ídolos, o músico experimental John Cage. Gary conta que aos 14 anos, em 1969, foi parar na casa de Cage e acabou ouvindo conselhos valiosos dele, na base do “se você não aborrecer as pessoas, não estará fazendo seu trabalho direito”.
Pouco antes disso, Wilson era integrante de grupos de lounge e de uma banda de rock, o Lord Fuzz, onde tocava órgão Farfisa. O papo com Cage mudou sua perspectiva de uma tal forma, que Wilson iniciou uma carreira solo em que, no palco, passava o tempo todo coberto com máscaras coladas com fita adesiva, fazendo muito barulho com seus teclados e manipulando substâncias como sangue falso e farinha (!).
Vale citar que You think não é o primeiro disco de Gary. Em 1974, acompanhado de mais dois músicos, Gary (então um moleque de 19 anos que acabara de sair da escola) mandou prensar sozinho o disco independente Another galaxy, de jazz psicodélico-maníaco. O repertório tinha músicas estranhas como a faixa-título e Hate and depression. Another galaxy foi reeditado em LP em 2016 por um selo chamado Feeding Tube.
You think you really know me foi gravado quando Gary já tinha um bom arsenal de teclados, além de outros instrumentos. Pouco antes de realmente gravar o disco, o músico conseguiu algumas horas de gravação no estúdio da gravadora Bearsville, que lançava artistas como Foghat e Todd Rundgren.
Gary passou algumas horas lá (e as horas lá eram bastante valiosas e caras) gravando canções como 6.4 = Make out, I want to lose control e Chromium bitch. Até decidir que queria gravar o álbum ele mesmo, tocando todos os instrumentos, produzindo, gravando e mixando, tudo no porão da casa dos seus pais. Prensou 300 cópias em 1977 e fez mais um relançamento com 300 cópias em 1979.
E não custa lembrar que, para um disco esquisito, You think you really know me foi mais relançado que os discos de Benito di Paula e Odair José: ganhou outra reedição em 1991, quando pouca gente lembrava de Wilson. Depois foi reposto algumas vezes em CD e LP, e está nas plataformas digitais. A edição atual traz uma capa “psicodélica” de araque, em tons dourados. A original era a mesma foto, em preto-e-branco.
Gary Wilson foi continuando sua carreira na base do devagar-e-sempre, lançando outros discos ocasionalmente e fazendo shows sempre que podia. Suas turnês eram prejudicadas pelo seu medo de viajar de avião. Tanto que sua primeira turnê fora dos EUA aconteceu só em 2013, quando passou por Alemanha, Espanha, Holanda, Inglaterra e até por um festival em Paris. Em 2002, que foi realmente o ano do, er, retorno de Gary, já havia saído um documentário sobre ele, You think you really know me: The Gary Wilson story. Até bem pouco tempo atrás, esse filme estava inteiro no YouTube. Hoje só tem o trailer.
A onda de interesse pelo trabalho de Gary Wilson o levou a alguns programas de TV, como o de Jimmy Fallon, onde tocou com The Roots.
Recentemente, o rapper Earl Sweatshirt sampleou You were to good to be true, música de You think, em Grief. Olha aí Wilson comentando que adoraria fazer shows ao lado de Earl e de seu companheiro no Odd Future, Tyler The Creator (ele, Earl e o grupo BadBadNotGood chegaram a dividir o palco no programa de Jimmy Kimmel).
E uma das primeiras pessoas a entrevistar Wilson assim que ele foi encontrado foi o jornalista Neil Strauss, quando trabalhava no The New York Times. Neil recebeu um telefonema avisando que Wilson havia sido achado e resolveu ir visitá-lo em seu trabalho. Ouviu dele que não tinha telefone porque “eles costumeiramente trazem más notícias”, que Wilson se vê de fato como uma pessoa reclusa (“você fica mais velho e não quer sair muito”) e que o músico descobriu que não tinha mais nenhuma cópia dos seus discos, pelo motivo prosaico de que ele costumava quebrar os LPs no palco.
Er, Wilson também disse que recentemente tinha se recusado a comer um hambúrguer no McDonalds pelo simples motivo de que havia encontrado um picles nele (“só faço uma refeição por dia e não como frutas ou verduras”). E que todas as mulheres que aparecem em suas letras (de modo geral You think you really know me é um disco sobre encontros amorosos e pés na bunda) são reais. O papo de Neil com Gary foi publicado na coletânea de entrevistas Everyone loves you when you’re dead (And other things I learned from famour people).
Se você chegou até aqui, pega aí um show inteirinho de Wilson, em maio.
Via Impose Magazine
Veja também no POP FANTASMA:
– Fifty Foot Hose: rock eletrônico em 1967
– Essa capa de disco dos Smiths tá meio estranha
– The Tubes: pop de autoajuda (!) em The completion backward principle
– Mystic Moods Orchestra: o grupo doidão que serviu de trilha para o Spectreman
– O som MUITO estranho de Peter Wyngarde
– Em casa com Dorothy, Raymond e um monte de invenções musicais malucas
Cultura Pop
No nosso podcast, Alanis Morissette da pré-história a “Jagged little pill”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. No segundo e penúltimo episódio desse ano, o papo é um dos maiores sucessos dos anos 1990. Sucesso, aliás, é pouco: há uns 30 anos, pra onde quer que você fosse, jamais escaparia de Alanis Morissette e do seu extremamente popular terceiro disco, Jagged little pill (1995).
Peraí, “terceiro” disco? Sim, porque Jagged era só o segundo ato da carreira de Alanis Morissette. E ainda havia uma pré-história dela, em seu país de origem, o Canadá – em que ela fazia um som beeeem diferente do que a consagrou. Bora conferir essa história?
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: Capa de Jagged little pill). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Ouça a gente preferencialmente no Castbox. Mas estamos também no Mixcloud, no Deezer e no Spotify.
Mais Pop Fantasma Documento aqui.
Cultura Pop
No nosso podcast, Radiohead do começo até “OK computer”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. Para abrir essa pequena série, escolhemos falar de uma banda que definiu muita coisa nos anos 1990 – aliás, pra uma turma enorme, uma banda que definiu tudo na década. Enfim, de técnicas de gravação a relacionamento com o mercado, nada foi o mesmo depois que o Radiohead apareceu.
E hoje a gente recorda tudo que andava rolando pelo caminho de Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway, do comecinho do Radiohead até a era do definidor terceiro disco do quinteto, OK computer (1997).
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Ouça a gente preferencialmente no Castbox. Mas estamos também no Mixcloud, no Deezer e no Spotify.
Mais Pop Fantasma Documento aqui.
4 discos
4 discos: Ace Frehley

Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.
Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.
Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.
Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução
“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.
Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…
“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).
O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.
“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.
“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.
Cultura Pop5 anos agoLendas urbanas históricas 8: Setealém
Cultura Pop5 anos agoLendas urbanas históricas 2: Teletubbies
Notícias8 anos agoSaiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
Cinema8 anos agoWill Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
Videos8 anos agoUm médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
Cultura Pop7 anos agoAquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
Cultura Pop9 anos agoBarra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
Cultura Pop8 anos agoFórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?

































