Cultura Pop
A única música brasileira que fala numa ema do Palácio da Alvorada

Se você um dia participar de uma gincana e seu grupo tiver que descobrir uma música que fala numa ema do Palácio da Alvorada, seus problemas acabaram aqui. Funziona senza vapore, música de abertura do primeiro disco da banda indie paulistana Fellini, O adeus de Fellini (1985), é talvez, a única música feita no Brasil que fala numa delas. Na segunda parte da letra, surge o verso “eu vi uma ema/no Palácio da Alvorada”.
As emas do Palácio da Alvorada, por acaso, ficaram populares e queridas nos últimos dias. Isso porque algumas delas fizeram a alegria de muita gente ao dar bicadas num certo presidente aí. Um pouco de biologia e geografia na parada: o animal é considerado a maior ave brasileira e, apesar de ter asas enormes, não voa. E é comum nos palácios de Brasília. Várias emas circulam também no enorme gramado do Palácio do Jaburu, que é a residência oficial da vice-presidência. Até o momento, nenhuma delas bicou o ocupante do cargo.
As aves que circulam no Alvorada, por sinal, já haviam sido notícia faz tempo. Em julho de 2002, o Ibama bateu lá e descobriu que as 70 emas que circulavam no palácio estavam em situação ilegal, já que o local não tinha licença para criá-las. O então presidente Fernando Henrique Cardoso ganhara a guarda provisória das aves, mas isso não regularizou a situação (a IstoÉ conta a história).
EMA NO GRAMADO
As emas do Palácio foram parar na letra do Fellini após, justamente, uma visita de Cadão Volpato, letrista e cantor da banda, a Brasília. “Eu tinha voltado da minha primeira visita à capital, que me pareceu uma cidade bem menor do que eu imaginava (acho que esta é uma percepção comum)”, conta Cadão ao POP FANTASMA.
“Ainda era ditadura, uma dita-cuja agonizante. Nós – o grupo, eu – estávamos à margem de tudo. E eu e meus amigos tínhamos sido trotskistas (daí o verso “eu quis ser socialista”, que também está na música). Este era o panorama. E as emas estavam simplesmente pastando naquele gramado que, aliás, nunca nos pertenceu de verdade”, conta ele, que em O adeus de Fellini, dividia a banda com Thomas Pappon (baixo), Ricardo Salvagni (bateria) e Jayr Marcos (guitarra).
Por sinal, nos anos 1970 e 1980, não havia notícias de emas bicando presidentes. “Naquele tempo, as emas não eram tão engajadas como esta que bicou a figura infectada”, brinca Cadão, que não está no Brasil, mas ficou sabendo das bicadas da ema no presidente. “Eu soube aqui em Nova York e me lembrei da música, sim. Achei engraçado. Mas alguém precisa fazer um teste de Covid nessa brava ema brasileira. Se é que o humano está mesmo infectado. Como disse o Renato Terra outro dia: a figura tem pernas curtas”.
CAFÉ NO BULE
Funziona senza vapore, que no disco O Adeus de Fellini começava com o barulho de uma locomotiva (a vapor?) nasceu inspirada por um objeto bem menor. “A frase era uma inscrição nas antigas máquinas de café expresso italianas. Foi o que eu vi, enquanto tomava café em algum lugar. Em geral, funcionava desse jeito”, recorda.
“A ideia era que as coisas não necessitavam de muita fumaça, muito barulho, e o que parecia grande, espetacular, na verdade poderia ser pequeno, e assim por diante. Acho que, na real, sempre estive à margem das coisas. E, às vezes, um pouquinho além. O que são ‘as coisas’? Tudo que você vê por aí”, teoriza Cadão, que nunca na vida escreveu uma letra antes de uma música.
“E eu sempre escrevi o que quis. Acho que as letras sempre foram bem pessoais, mas eu não saberia fazer de outra forma. Meu lema sempre foi: seja fiel a você mesmo. Eu ainda sou”, conta ele.
Por sinal, Funziona foi a única música de O adeus que o Fellini, fiel a seu conceito de não seguir regras, apresentou no show de lançamento do álbum, no mitológico Madame Satã, em São Paulo. O grupo chegou a anunciar, num papo com a Bizz logo após o lançamento de O adeus, que poderia mudar de nome para Funziona Senza Vapore. Não foi o que aconteceu, já que o Fellini continuou com o mesmo nome. Só alguns anos depois, Cadão montou uma banda com esse nome. Foi do repertório do FSV que Chico Science & Nação Zumbi pinçaram Criança de domingo, gravada pelos pernambucanos no disco Afrociberdelia (1996).
LADO EMA
O adeus de Fellini, disco de estreia da banda, saiu pelo selo paulistano Baratos Afins. E por sinal, a banda e o selo não colocaram a ema apenas em Funziona senza vapore. Uma foto da ave apareceu até mesmo no selo do lado A do álbum. Que, a propósito, não tinha um “lado A” e um “lado B”, e sim um “lado ema” e um “lado siri”. O siri era por causa de um verso de Shiva, shiva, música do lado B.
Nem Cadão sabe direito se aquilo que aparece no selo do LP é uma ema de verdade. “Se bobear não passa de um avestruz”, brinca.
A ideia da ema no selo foi da banda. “Tudo o que fizemos na vida foi ideia nossa. Essa é que foi a beleza da coisa toda. As emas e siris estão nas letras de O adeus de Fellini, que foi o nosso disco menos convencional”, conta, lembrando que não chegaram a questionar se o uso das fotos no selo encareceria o álbum.

“Lançar um disco independente naquela época trazia toda uma dificuldade. Nós sempre pensamos grande: o Sgt Pepper’s (clássico dos Beatles) era meio que um padrão a ser alcançado, com todo o seu humor e exuberância. O galo que canta em Funziona senza vapore, por sinal, foi sampleado de Lovely, Rita, desse disco”, conta.
BICANDO A MPB
O animal da letra de Funziona senza vapore não está sozinho. Por acaso, existe outra ema na MPB em O canto da ema, do trio Alventino Cavalcante, Ayres Viana e João do Vale. A música foi gravada por Jackson do Pandeiro e Gilberto Gil. “Uma ema fabulosa. Mas ela não está no palácio”, lembra Cadão.
E já que você chegou até aqui, pega aí Funziona senza vapore ao vivo com o Fellini. Foi num show da banda no Sesc Pompeia, que acabou se tornando um dos últimos shows feitos antes da pandemia, em março.
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Cultura Pop
No nosso podcast, Alanis Morissette da pré-história a “Jagged little pill”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. No segundo e penúltimo episódio desse ano, o papo é um dos maiores sucessos dos anos 1990. Sucesso, aliás, é pouco: há uns 30 anos, pra onde quer que você fosse, jamais escaparia de Alanis Morissette e do seu extremamente popular terceiro disco, Jagged little pill (1995).
Peraí, “terceiro” disco? Sim, porque Jagged era só o segundo ato da carreira de Alanis Morissette. E ainda havia uma pré-história dela, em seu país de origem, o Canadá – em que ela fazia um som beeeem diferente do que a consagrou. Bora conferir essa história?
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: Capa de Jagged little pill). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Ouça a gente preferencialmente no Castbox. Mas estamos também no Mixcloud, no Deezer e no Spotify.
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Cultura Pop
No nosso podcast, Radiohead do começo até “OK computer”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. Para abrir essa pequena série, escolhemos falar de uma banda que definiu muita coisa nos anos 1990 – aliás, pra uma turma enorme, uma banda que definiu tudo na década. Enfim, de técnicas de gravação a relacionamento com o mercado, nada foi o mesmo depois que o Radiohead apareceu.
E hoje a gente recorda tudo que andava rolando pelo caminho de Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway, do comecinho do Radiohead até a era do definidor terceiro disco do quinteto, OK computer (1997).
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
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4 discos
4 discos: Ace Frehley

Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.
Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.
Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.
Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução
“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.
Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…
“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).
O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.
“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.
“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.
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