Cultura Pop
The Osbournes: quando muita gente descobriu que gostava de reality show (e de Ozzy)
O único reality show que muitos fãs radicais de rock viram na vida está completando dezenove anos nesta sexta (5). The Osbournes, da MTV americana, foi bastante inovador por vários motivos. O principal deles foi dar um ar de “família dó-ré-mi” a um dos clãs mais excêntricos da história da cultura pop – o malucão Ozzy Osbourne, sua esposa e empresária Sharon e seus filhos, então adolescentes. Muita gente mal se recorda disso, mas durante um bom tempo, aqui no Brasil, foi praxe entre vários tipos de pessoas (até mesmo entre gente que jamais compraria um disco do Ozzy e do Black Sabbath) discutir The Osbournes por aí.
O cantor do Black Sabbath, então batalhando contra as drogas, recebeu uma carreta de grana para fazer a série, o que tornou a proposta irrecusável. Bem como a possibilidade de falar com um público mais jovem, que não desgrudava o olho da MTV na época em que o canal era extremamente popular.
Ainda assim, a atração durou bem mais tempo do que a dinâmica de sua família e a saúde mental do cantor poderiam aguentar. Durante três anos, a mansão da família Osbourne, em Beverly Hills, foi invadida por câmeras de TV, técnicos, diretores, todos operando uma tonelada de equipamento. “Você se sente como uma porra de rato de laboratório. Chegou ao ponto em que eu estava desmoronando emocionalmente. Não conseguia relaxar. Não importa aonde você vá mijar, fica paranoico imaginando se há uma câmera lá”, chegou a afirmar o cantor.
Em poucos momentos das últimas décadas, Ozzy não esteve lutando contra as drogas ou se deixando levar por elas – e na época de The Osbournes não foi exceção. O cantor reclamou em 2003 que, por causa de uma prescrição médica errada, feita por um doutor chamado David Kipper, estava se entupindo de remédios fortíssimos na época do programa (coisas como Valium e Dexedrina) para se livrar das drogas ilegais.
Ozzy chegou a tomar mais de 40 comprimidos num dia só e declarou que “não conseguia falar, não conseguia andar”, contou. “Eu mal conseguia ficar de pé. Eu estava me arrastando como o Corcunda de Notre Dame. Cheguei a um ponto em que fiquei com medo de fechar os olhos à noite, com medo de não acordar”.
O resultado é que The Osbournes popularizou o cantor, mas, pelo menos no começo, exibiu Ozzy de maneira completamente equivocada: o artista aparecia tomando caldos em Malibu, desmaiando em casa, dando tapas em si próprio na tentativa de matar uma mosca, sofrendo bullying da família (e dando trabalho a ela). Conforme novos acontecimentos foram se juntando à história (e eram igualmente cobertos pelo reality show), como a descoberta do câncer de Sharon, a medicação do cantor foi aumentada.
Kipper já estava sendo investigado por prescrever remédios em excesso para celebridades. Foi afastado da vida de Ozzy, mas até lá, chegou a aparecer em cenas de The Osbournes. O programa foi mudando e passando por diversas fases da família e da vida do cantor, até sair do ar em 21 de março de 2005. Hoje sua primeira temporada é tida como a série mais bem sucedida da MTV dos Estados Unidos.
O programa ainda rendeu histórias paralelas bem bizarras, como a do amigo dos filhos de Ozzy e Sharon que supostamente teria sido adotado pela família, Robert. O garoto, cuja mãe havia morrido de câncer, apareceu em algumas cenas, muitas vezes entrando mudo e saindo calado. Com o fim da série, o relacionamento com a família foi minguando até desaparecer. Ele teria sido internado numa clínica e voltado a viver com sua família de verdade (e Sharon nega que tenha adotado o adolescente de maneira formal).
Seja como for, a série acabou dando uma ajudinha para Ozzy chegar a novos públicos e se aproximar do mercado pop como poucas vezes tinha acontecido. Apesar de o heavy metal vender muitos discos, o estilo ainda não tinha uma cara “vintage” e respeitável naquele período. Quando The Osbournes terminou em 2005, já havia interesse público pelas vidas dos filhos e da mulher de Ozzy. Kelly, filha do meio do casal, se tornou a mais famosa: virou cantora, apresentadora e celebridade da mídia. Também começou a aparecer nos jornais por outras razões, como na ocasião em que frequentou uma clínica de reabilitação.
Nos anos 2000, com as vendas de discos em baixa, era esperado que os artistas descobrissem outra forma de mercado. Após The Osbournes, Ozzy começou a desenvolver uma relação com o mundo dos reality shows que dura até hoje. Nesse segmento, rolou de tudo, desde Ozzy & Jack World Detour, série educativa do History Channel (2006) até o recente (e fraco) The Osbournes want to believe, do Travel Channel (2020), em que Jack tenta convencer Ozzy e Sharon da existência de fenômenos paranormais. O cantor tem sentimentos contraditórios em relação ao programa: diz ter odiado fazer The Osbournes porque (justamente) estava chapado. Também diz que nem assiste aos episódios, mas não tem vergonha de ter feito a série. Nem deveria ter.
Crítica
Ouvimos: Chico Chico, “Estopim”
- Estopim é o segundo álbum solo de Chico Chico, produzido por Pedro Fonseca e Rafael Ramos. É o segundo lançamento do cantor pela Deck – em 2023 saiu o EP Espelho. Nomes já conhecidos dos álbuns dele, como Julia Vargas, Tui Lana e João Mantuano, participam do álbum.
- Pedro, que vem trabalhando com o cantor desde 2023, “entendeu bem essa dualidade das composições, tanto das imagens rurais quanto das urbanas que permeiam meu trabalho e se fazem presente neste álbum”, diz Chico.
- Nomes como Marlon Sette (trombone), Walter Villaça (guitarra e violão de aço), Thiago da Serrinha (percussão) e Jorge Continentino (sax barítono, flauta e pife) estão na lista de músicos.
Segundo álbum individual de uma carreira bastante voltada a registros em dupla ou grupo, Estopim é o disco mais sistemático (vamos dizer assim) que Chico Chico conseguiu fazer até o momento. E ele conseguiu isso numa gravadora de porte – a Deck -, sem abdicar da identidade própria que havia em todos os lançamentos anteriores. No novo álbum, a voz dele, mais até do que lembrar a da mãe Cássia Eller, soa como vários anos de história da MPB pós-tropicalismo condensados numa pessoa só – numa onda musical que abarca Elis Regina, Luiz Melodia, Gilberto Gil e até Oswaldo Montenegro.
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Nem parece, mas a carreira discográfica de Chico Chico já está prestes a completar dez anos – sua estreia 2×0 Vargem Alta, que era na verdade a estreia epônima de uma banda (formada por ele e vários amigos), saiu em outubro de 2015. A sonoridade quase blues e predominantemente acústica do disco ainda dá as caras em Estopim mas foi sendo acrescida de outros elementos, cabendo o soul forte de Parado no vento (na qual o registro vocal do cantor lembra o de Cazuza), o rock nordestino à moda de Alceu Valença e Raul Seixas em Toada, um som mais pop e suingado em Terra à vista (que por sinal foi o primeiro single do álbum) e uma MPB bem próxima da sonoridade pop setentista em Vai. Além do frevo de Moda do chapéu e do pop com sonoridades arábicas de Acorda Zé.
Quem curtiu músicas folk e brasileiras de Chico como Ribanceira (cujo potencial levou-a à trilha do remake da novela Pantanal) vai ficar feliz com o forró folk ágil de Altiva, gravada com Juliana Linhares, e com a interiorana Urminino, com participação (infelizmente pouco audível) de Julia Vargas. De novidade, tem a experimental Abismo, uma canção cujo arranjo é composto de várias vozes sobrepostas.
Nota: 8,5
Gravadora: Deck.
Cultura Pop
No nosso podcast, Talking Heads e a época de “Stop making sense”
David Byrne, Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris Frantz, os quatro integrantes dos Talking Heads, pareciam “artísticos” e diferentões demais para serem uma banda do mainstream – e mesmo na turma que girava em torno do CBGB’s, boteco roqueiro de Nova York, tinha gente que olhava torto pra eles. No entanto, se bobear você conhece pelo menos uma dezena de músicas deles. E sua rádio rock favorita toca pelo menos Psycho killer, And she was e Wild wild life todos os dias. E a última festa rocker que você foi botou geral pra soltar a voz no quase-hit The road to nowhere, ou no batidão Burning down the house.
Naturalmente, um projeto tão aberto a influências e novidades tinha que chegar nas telonas, e lá foram os Talking Heads dar aquela revolucionada no universo dos filmes de shows de rock e lançar Stop making sense (1984), que está de volta aos cinemas, remasterizado. E o Pop Fantasma Documento, podcast do site Pop Fantasma, dá hoje aquele sobrevoo no antes, durante e depois do filme, focando no período que vai do excelente disco Speaking in tongues (1983) ao magistral Little creatures (1985). Ouça, e depois ouça tudo dos Talking Heads.
Século 21 no podcast: Master Peace e Exclusive Os Cabides.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Laurie Anderson, “Amelia”
- Amelia é o décimo-terceiro álbum* da musicista de vanguarda Laurie Anderson, cujo tema é o voo solo ao redor do mundo feito pela aviadora norte-americana Amelia Earhart (1897-1937). Pioneira na defesa dos direitos das mulheres e detentora de vários recordes de aviação, Amelia, durante o voo, acabou desaparecendo no Oceano Pacífico, perto da Ilha Howland.
- Além de Laurie (voz, viola, teclados e eletrônicos) participam do disco a orquestra checa Filharmonie Brno, os norte-americanos do Trimbach Trio, a cantora Anohni (dos Johnsons) e um grupo que inclui músicos como Marc Ribot (percussão) e Martha Mooke (viola).
- “Amelia estava fazendo uma coisa realmente perigosa. Ela era muito prática, diferente de Charles Lindbergh, que era um piloto de luvas brancas em muitos aspectos. Ela realmente estava trabalhando com os caras sob o capô”, contou Laurie (segundo a Billboard), lamentando que quase cem anos depois do desaparecimento de Amelia, “as meninas ainda não sejam realmente encorajadas a fazer engenharia”.
- No Grammy 2024, Laurie ganhou uma estatueta pelo conjunto da obra. “Fico feliz do Grammy ter visto o que faço como música, porque eles geralmente ignoram coisas experimentais”, afirmou.
Quem curte sonoridades experimentais e art pop vai se sentir tentado/tentada a dar uma olhadinha no disco novo de Laurie Anderson só de ver a lista de faixas. Amelia tem uma formatação bastante curiosa: são 22 faixas em 34 minutos de duração, divididas na maior parte do tempo em canções de pouco mais de um minuto – há micromúsicas de trinta segundos e algumas (poucas) com duração mais extensa. O recheio também é instigante: Laurie voltou a uma peça musical sua que já tinha sido levada ao palco há 25 anos, sobre a história de Amelia Earhart, uma mulher norte-americana que em 1937 ousou ser a primeira aviadora a dar uma volta solo ao redor do mundo, passando inclusive pelo Brasil – e morreu durante a jornada, após faltar combustível e o contato via rádio desaparecer.
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Amelia faz uma jornada conceitual pela história do voo solo, unindo sons orquestrados, efeitos de som e vocais falados/cantados, além das intervenções de Anohni em seis faixas. A partir de To circle the world, na abertura, fica claro que o foco está nas lembranças póstumas de Amelia (“é o som do motor/o que eu mais me lembro”, recita Laurie) e seu roteiro de viagem – chegando nas tentativas frustradas de comunicação em Radio, tema orquestral e climático que serve como um portal para a personagem, e é seguida pelo encerramento com os ruídos marítimos de Lucky dime. Os problemas enfrentados durante a viagem são musicados e transformados num diário da aviadora – a faixa Brazil, por exemplo, fala em estática no rádio e céu carregado, mas traz uma nota de otimismo: “o céu tem muitas avenidas e ruas/mas você tem que saber como encontrá-las”.
De modo geral, Amelia deve ser entendida como um espetáculo que pode ganhar uma contrapartida multimídia – em filme, peça, inteligência artificial, ou o que o valha – e que, em disco, instiga bastante a imaginação de quem ouve. O vocal de Laurie, sempre firme e relaxante, alivia a tristeza da história de Amelia. Laurie, impactada pelo pioneirismo da aviadora, incluiu também notas de feminismo na história, em The word for woman here e em This modern world, que inclui um pequeno trecho narrado pela própria Amelia (afirmando que “este mundo moderno de ciência e invenção é de interesse particular para as mulheres, pois as vidas das mulheres foram mais afetadas por seus novos horizontes”).
Nota: 8
Gravadora: Nonesuch
* Obrigado a Johann Heyss pela correção – tínhamos escrito que era o oitavo disco
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