Lançamentos
Radar: novidades de Apeles, Klitoria, Meu Funeral e EP de 1972 de Gal Costa

Mais um dia de novidades nacionais no Pop Fantasma – novidades essas que incluem até mesmo um EP nunca lançado de Gal Costa, que simplesmente brotou nas plataformas digitais, além de um single que anuncia um álbum duplo do projeto musical Apeles.. Ouça tudo e ponha nas suas playlists!
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APELES, “MANDRIÃO (VIDA E OBRA) – DEMO 2”. Lançado no ano passado, Estasis consolidou o Apeles – projeto de Eduardo Praça – como uma das vozes mais ousadas da cena independente, com um som repleto de detalhes inquietantes e colaborações internacionais. A experimentação continua com 2015-2022: The complete demos and early recordings, um álbum triplo recém-lançado, puxado pelo single Mandrião. A faixa, um pós-punk funkeado, se abre com uma guitarra que soa como um cruzamento de David Gilmour e Johnny Marr. Originalmente uma demo que não entrou em Estasis, a música já soa completamente realizada (foto Apeles: André Dip/Divulgação).
GAL COSTA, “O DENGO QUE A NEGA TEM”. Sem aviso prévio ou qualquer explicação, a Universal decidiu soltar nas plataformas digitais o “compacto de 1972” de Gal Costa, mas sequer o incluiu entre os lançamentos recentes da cantora – para encontrar no Spotify, por exemplo, é preciso rolar até os discos antigos. As três faixas inéditas trazem alguns dos vocais mais intensos da artista, com destaque para a emocionante releitura de O dengo que a nega tem (Dorival Caymmi). Com mais de sete minutos de duração, a gravação viaja por uma toada jazz-rock-soul arrebatadora.
KLITORIA, “INTENÇÕES E REAÇÕES”. Pouco antes de subir ao palco para abrir o show do Amyl & The Sniffers, a banda garage punk de Niterói (RJ) lançou o EP Entre o chão e o assoalho, com quatro faixas intensas – lideradas pelo single Intenções e reações. Quem ouve com atenção percebe nuances assumidas de metal e até de krautrock, criando uma atmosfera inquietante, reforçada por letras e riffs de guitarra carregados de tensão.
MEU FUNERAL feat THE MÖNIC, “A FRAGILIDADE DE SER UM MACHÃO”. O grupo fluminense acaba de lançar o EP O que sobrou do Rio (Mará Music), puxado por essa faixa que poderia ser descrita como uma “punk balada” sobre um casal, digamos, perfeito – e, como costuma rolar com o Meu Funeral, a letra é tão boa e tão provocadora que vale a pena descobrir por conta própria. Em entrevista, a banda revelou que o clipe terá um clima de baile de debutante dos anos 60, mas as coisas esquentam quando o The Mönic entra em cena.
AQUITAQUENTE, “BARBARIZE”. Vem aí Manifexxta, o novo álbum do Aquitaquente, projeto do bairro do Pina, em Recife (PE). No single Barbarize, a banda funde frevo, hardcore e afropop em um batidão explosivo – ou frevocore, como eles próprios definem. O som é pura catarse, e a vocalista Bárbara Vitória, que divide o duo com YuriLumin, avisa: “Nosso som é um convite para as pessoas expressarem suas potências.” Ouça no volume máximo – e não perca o clipe.
JOHANN HEYSS, “SPARKLING CASTLES”. Músico, tradutor e escritor brasileiro radicado no Uruguai, Johann Heyss prepara um novo disco para maio e acaba de lançar Sparkling castles, uma faixa eletrônica experimental e distorcida – que já começa com um sample de cuíca (!). Produzida por ele e Luz Renato, a música vem acompanhada de uma letra provocadora: “Eu quebrei seus castelos brilhantes / eu destruí suas ilusões / e eu faria isso de novo / de novo, de novo e de novo / sem arrependimentos”. Um álbum inteiro sai em maio.
ODAYA, “PRO AR”. R&B fluidificado e voador de tão “psicodélico”, com leves toques de boogie oitentista e de lounge, graças às batidas e aos teclados. O clipe, diz Odaya, é uma imersão sonora e visual, “sobre sentimentos universais de libertação e reconexão à natureza e às forças elementais da terra. A música evoca cenas surreais da relação afetiva de duas pessoas”, conta. Os rolos diários de um relacionamento são representados por uma criatura “misteriosa”, que ocupa boa parte do vídeo – Oscar Rodriguez, dançarino que participou de musicais da Broadway, faz também uma intensa performance no clipe. Vale ver, ouvir e submergir.
LUIZA CARMO, “DEJÀ VÚ”. O indie pop de Luiza Carmo ganha corpo – e coreografia – no novo clipe Déjà vu, inspirado no contato da cantora com dança e expressão corporal em 2024. Gravado em uma sala espelhada ao estilo das academias de balé, o vídeo traz dançarinos e movimentos bem ensaiados, reforçando a estética sofisticada da faixa. A música estará no EP Seco seu gelo, previsto para abril, um trabalho que explora as dores e descobertas da chegada à vida adulta.
ATALHOS, “ONDAS DE CALOR”. Com uma luz bizarra de tão forte, e figurinos pesados, a banda Atalhos parece ter sofrido de verdade para gravar o clipe de Ondas de calor, lançado no fim de fevereiro. O grupo, formado por Gabriel Soares, Conrado Passarelli, Fabiano Boldo e Nico Paoliello, prepara seu quinto álbum em meio a apresentações nos Estados Unidos, passando por Nova York e Boston. O novo single traz um shoegaze suave, menos afeito a paredes de guitarras, mas ainda imerso em atmosferas etéreas.
GODOFREDO, “GUARDA-ROUPAS”. Banda mineira que volta em nova formação, o Godofredo faz lembrar grupos como Pink Floyd (na fase inicial), Radiohead, Beat Happening e o lado mais viajante do britpop em seu novo single. O clipe de Guarda-roupas é bem inusitado: em alguns momentos, a banda usou um cachorro como câmera – ou melhor, pôs uma câmera go-pro numa coleira no doguinho. Já a história da letra é baseada na falta de móveis e no excesso de roupas pelo chão na casa-estúdio de um dos integrantes. A faixa é o primeiro single do álbum Tutorial, que sai em breve.
Crítica
Ouvimos: Porridge Radio, “The machine starts to sing” (EP)

Sem muitas explicações, o Porridge Radio chegou ao fim logo após lançar seu melhor álbum – cujo título já sugeria uma despedida, Clouds in the sky they will always be there for me (2024, resenhamos aqui). A intensidade quase gutural dos vocais de Dana Margolin e a sensibilidade extrema do som da banda talvez tenham cobrado um preço maior do que se imaginava. Como último recado, o grupo lança o EP The machine starts to sing, com quatro faixas das sessões do disco final – ainda que a banda britânica rejeite a ideia de “sobras de estúdio”.
A faixa quase-título, Machine starts to sing, com mais de seis minutos, traz uma das especialidades do Porridge Radio: começa soturna e contida, mas cresce em peso, ambiência e intensidade, à medida que a letra soma lembranças dolorosas, sombrias e infantis. Ok, na sequência, é um folk onde o vocal de Dana é um lamento, um gemido, quase choro, com um peso esmagador na garganta. Já Don’t want to dance é um folk triste com aura de rock dos anos 60, tocado no violão e crescendo até um final de intensidade maníaca.
O encerramento vem com os silêncios e esporros de I’ve got a feeling (Stay lucky), onde a letra busca sentido no caos e em mensagens dispersas – outra especialidade da banda. “E eu tenho um sentimento, um sentimento dentro de mim / desenterrando ervas daninhas até que algo comece a acontecer”. De fato, um adeus que não pede explicação, só sentimento.
UPDATE: Dana Margolin decidiu falar um pouco sobre o fim da banda num papo com o podcast da revista Loud & Quiet.
Nota: 8,5
Gravadora: Secretly Canadian
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: The Murder Capital, “Blindness”

O terceiro disco da banda irlandesa The Murder Capital, Blindness, é uma verdadeira tensão entre climas, timbres e gêneros – e é mais um disco que expõe aquela nossa velha tese, de que bandas como Wire e Public Image Ltd estão entre as mais influentes do universo.
O vocal blasé e a sensação de “tudo desabando” provocada por vários arranjos do álbum remetem diretamente a esses dois grupos, especialmente em faixas como Moonshot, That feeling (que abre com um clima à la Brian Eno, ou David Bowie em Berlim) e Can’t pretend to know. Mas o Murder Capital reproduz essas influências com personalidade, incorporando ainda diversas outras referências.
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Em meio ao ruído e ao clima pós-punk, a banda soa como um Duran Duran do mal em Worlds lost meaning, que traz algo misturado ali que também lembra Private dancer, hit de Tina Turner. A distant life remete à fase 1969 do Velvet Underground, enquanto Love of country assume um inesperado tom de rock sulista norte-americano – só que carregado de sombras. A faixa, um cântico contra a guerra e a supremacia, traz tensão nas afinações e versos cortantes: “eu sou apenas uma criança alcançando devaneios de alguns potes desta terra / você poderia me culpar por confundir seu amor pelo país com ódio ao homem?”.
Blindness ainda transita pelo rock dos anos 1990 em faixas como The fall e Death of a giant, que em alguns momentos evocam um Soul Asylum maldito ou um Guided By Voices distorcido – e, no caso dessa última, mexe com climas ligados ao math rock e ao pós-hardcore. Já Swallow abre com um loop hipnótico antes de se transformar em uma faixa na tradição dos Smiths, mas com uma voz grave, descambando depois para um som que parece o lado sombrio do Arctic Monkeys e dos próprios Smiths.
O álbum se encerra com Trailing a wing, uma composição de clima cinematográfico, com guitarras que oscilam entre o casual e o pesado, fechando o disco em tom sombrio.
Nota: 9
Gravadora: Human Seasons Records
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Dadá Joãozinho, “1997” (EP)

Tds bem global, disco de estreia de Dadá Joãozinho (2023), músico de Niterói (RJ) que se radicou em São Paulo, é inclassificável. Mas encontra abrigo justamente em seu experimentalismo, que une rap, jazz, música eletrônica, beatmaking, funk e MPB filtrada por evocações, intencionais ou não, a nomes como Di Melo.
A estreia unia também psicodelia, sambas em desconstrução e música “fluida”, que se desfaz e derrete como num quadro surrealista. Nas letras, o existencialismo pessoal de quem se muda para uma metrópole assustadora e precisa ganhar dinheiro para conseguir não ser engolido e cuspido rapidamente pela cidade grande, e as emoções de quem vive paixões arrebatadoras em meio ao caos.
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1997, EP novo de Dadá Joãozinho (o título é o ano de seu nascimento), oferece uma continuação mais orgânica e mais definível do que no álbum de estreia, trazendo várias sonoridades que, de uma forma ou de outra, giram em torno do samba. Olha pra mim, soft rock gravado com o grupo Raça, sugere uma busca do formato canção, mas com linguagem própria, com experimentalismo dosado. 100 anos, que elege o amor como “uma prática”, é um samba-rock “voador” que tem parentesco com o Azymuth. Subindo em árvore (De qualquer forma é grande) é outro samba-rock, mas que descamba para um clima folk e sonhador, cabendo efeitos de som.
As maiores curiosidades do EP ficam para o final: As coisas, parceria com a cantora carioca Jadidi, tem ar de ciranda, ou de marcha, com tom eletrônico e voz soft – a letra evoca uma tarde calma, e lembra um pouco a poesia de Antônio Cícero. Landa, divulgada como single antes do EP sair, é uma espécie de dream-MPB, com psicodelia e experimentação, mas que lá pelas tantas lembra nomes como Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo. A letra, em clima de oração, espera por dias melhores e recorda entes queridos: “ô minha vó / queria abraçar minha prima/queria que não tivesse briga/briga de família”.
Nota: 9
Gravadora: Innovative Leisure
Lançamento: 18 de fevereiro de 2025.
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