Cinema
Quando redescobriram o Stillwater

Se ainda valesse o Código Civil de 1916, o filme Quase famosos, de Cameron Crowe, estaria alcançando a maioridade em 2021. Saiu em 8 de setembro de 2000 mostrando as desventuras do próprio Crowe, quando era um jornalista adolescente, e conseguira escrever para a Rolling Stone e sair em turnê com bandas como Poco, Allman Brothers Band, Led Zeppelin, Eagles e Lynyrd Skynyrd.
No caso, quem encarnava o diretor era o ator Patrick Fugit (William Miller), 18 anos na época do lançamento do filme. E a banda que representava todos os grupos famosos citados era um tal de Stillwater, uma banda de rock sulista que excursionava a bordo de um ônibus, estava começando a fazer sucesso, e cai na estrada acompanhada pelo jornalista, que acompanha todos os seus passos, escreve um artigo para a Rolling Stone e… Bom, melhor você ver o filme (se nunca viu, cria vergonha nessa cara, né?). Aliás é uma boa oportunidade pra isso, já que a trilha sonora está sendo reeditada num box set que traz todas as músicas do disco pela primeira vez num só pacote. Incluindo o material do fictício Stillwater.
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O que muita gente não sabia era que, sim, existia um Stillwater de verdade. Aliás, nem o Cameron Crowe sabia na época em que estava fazendo o filme. Ele só descobriu no decorrer do trabalho, e decidiu não abrir mão do nome. A equipe de produção foi procurar a banda de verdade, que liberou o nome mas deixou claro que não faria nada de graça.
“Eles provavelmente poderiam ter feito isso sem permissão, mas teriam um monte de processos. Nosso advogado entrou em contato com eles. Eles queriam graça e eu disse: ‘De jeito nenhum'”, chegou a comentar o guitarrista do Stillwater da vida real, Bobby Golden.
Em 2015, a Rolling Stone (a da vida real) foi comemorar 25 anos do filme e… achou o Stillwater, uma banda da Georgia, que realmente fazia rock sulista, e gravou dois LPs por um selo chamado Capricorn Records. Aliás, os dois álbuns saíram em 1977 e 1978, anos em que o rock tradicional estava bastante fora da mídia, mais preocupada com punk e disco music. “Éramos quase famosos”, diz o guitarrista Mike Causey. “Então eu acho que é a semelhança entre nós e a banda do filme”.
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O Stillwater surgiu de uma adoração enorme pelos roqueiros do fim dos anos 1960 (Jimmy Hall, o cantor, decidiu ser roqueiro ao ouvir Joe Cocker). A banda começou em 1973, uma era especialmente boa para o rock sulista, e passou a tocar em bares. O grupo adotou um trio de guitarras a la Lynyrd Skynyrd, passou a ser considerado “algo entre blues pesado e metal”, e em 1976, enquanto faziam um show, deram a sorte de serem filmados pela BBC para o Old Grey Whistle Test.
A Rolling Stone chamou a atenção para um quase-hit bem maluco do primeiro disco deles, Mind bender. O produtor Buddy Buie sugeriu a eles que fizessem uma canção sobre a guitarra talk box, que Peter Frampton vinha usando. Pelo menos rima: “Meu pai era um Gibson/Minha mãe era uma Fender/É por isso que eles me chame de Mind Bender”. Na época de primeiro álbum, vale dizer, o Stillwater tinha oito (!) integrantes, entre vocalistas, guitarristas, baixistas, tecladistas e etc.
O Stillwater também teve groupies animadinhas, também viajava de tour bus, mas era regrado com as doideiras. Chegaram a fazer um pacto de deixarem as festas para depois dos shows. Mas a vida real era dura. O grupo teve um caminhão de equipamento roubado e precisou ficar um mês sem fazer shows, enquanto promovia Mind bender. A gravadora teve problemas com distribuidores. O grupo tentou meter sintetizadores no som e até abriu um show para The Cars, em 1978, para uma plateia que ignorou a música deles.
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Já casados e com filhos, e mais investindo do que lucrando, os integrantes foram largando a música aos poucos. Em 1998, saiu um disco novo, Runnin’ free, numa época em que os discos do grupo não estavam em catálogo nem poderiam ser lançados em CD porque os masters estavam desaparecidos. Os álbuns foram reeditados tempos depois. Mas mesmo hoje, para ouvir o Stillwater, só recorrendo ao YouTube.
Quando foi abordado pela equipe de Quase famosos, o baterista Sebie Lacey descobriu que as músicas da banda não poderiam ser usadas no filme porque estavam bloqueadas. Pelo menos o filme rendeu algum burburinho sobre a banda. Mas vale dizer que bater o pé para não ceder o nome de graça, não rendeu tanto assim: o grupo receber US$ 5 mil para dividir entre sete pessoas.
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Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
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Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
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- Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
- Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
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