Cultura Pop
Um papo com Daniel Couri, do blog Porcos, Elefantes e Doninhas


O POP FANTASMA, como você já viu outras vezes, anda investigando o que é que essa turma aí que curte cultura pop e adora escrever anda fazendo, planejando e pensando.
Não dá para dizer que somos uma espécie de Projeto Draft dos sites de cultura pop porque, ora bolas, a gente sabe que o cenário é bem complicado. Trabalha-se por prazer, com pouca grana, e com a maior vontade de produzir aquilo que a gente mesmo gostaria de ler. Nem sempre é fácil, mas sempre é recompensador.
Logo assim que eu tive a ideia de fazer esse tipo de matéria, uma das primeiras coisas que eu quis fazer foi bater um papo com o Daniel Couri. Nascido em Muriaé (MG), ele mora em Brasília desde 2000, já escreveu dois livros sobre sua banda preferida, o Abba (o mais recente é Mamma Mia!, de 2008). Seu blog, o Porcos, Elefantes e Doninhas, é – sem sacanagem – um dos inspiradores do POP FANTASMA.
Primeiro porque o cara é um dos raros exemplos de site no estilo “curadoria de material” que vive basicamente de material inédito e exclusivo. Volta e meia rolam entrevistas, e muita coisa que vem de coisas guardadas por ele há vários anos (revistas, jornais, etc). Daniel é fã de filmes de televisão, de antigas edições de filmes que saíram apenas em VHS e ninguém lembra mais, e volta e meia dá para achar lá a primeira vez em que determinado filme foi exibido na televisão brasileira.
Também dá para achar lá curiosidades bem malucas como o post cheio de informações (e bem fornido de fotos) sobre Vamos cantar disco baby, filme que trazia o trio infantil As Melindrosas e Gretchen num enredo sequelado envolvendo um orfanato, espíritos da floresta e uma velhinha assustadora que dá o dom do sucesso às protagonistas.

Tem muita coisa sobre novela no blog. Um dos posts mais memoráveis, vindo de uma noite de muita observação e ginástica no controle remoto, observa que um disco ao vivo do Village People apareceu em várias ocasiões diferentes na novela Baila comigo, reprisada no Canal Viva. Essa pesquisa “por acaso” do Daniel rendeu três posts (uma das imagens buscadas por Daniel tá na foto láááá de cima).
Aqui você confere uma das obsessões do blog: novelas obscuras. No caso, esse post é sobre tramas dos anos 1990.
Vale muito passar algumas horas por dia dando uma viajada nas descobertas do Porcos, Elefantes e Doninhas, que é bem eficiente em descobrir coisas que ninguém imaginava que existiam. Mas antes, segue aí o papo com Daniel.
O maior combustível do POP FANTASMA é a ideia de que existe uma espécie de cultura pop outsider, nem sempre reportada. Vale épocas pouco enfocadas de artistas conhecidos, gente não tão conhecida, filmes e séries ignorados, etc. Qual você acha que é o combustível de seu blog?
DANIEL COURI: Você já deu a resposta: “Épocas pouco enfocadas de artistas conhecidos, gente não tão conhecida, filmes e séries ignorados. Um pouco de tudo isso. Algumas vezes, até coisas conhecidas, mas que andam esquecidas há tempos. E principalmente obscuridades. Coisas que fazem parte do meu dia a dia, mas que pouca gente conhece, curte ou se lembra. Não existe um ‘critério’. Ou talvez o critério seja meu gosto pessoal mesmo.
Você visualiza algum tipo de público pra ele? Geralmente quem comenta ou me manda mensagens são saudosistas ou nerds. Tem gente acima dos 50 que se empolga com as coisas que desenterro, ficam felizes ao relembrar. E tem também a turma mais jovem, entre 25 e 35, que curte aquelas coisas, mas que não chegou a viver grande parte delas. Gente que ficou conhecendo determinado filme ou disco, por exemplo, por meio do blog, e que se identificou. Mas nunca planejei nada. Tanto que nos primeiros anos do blog, as postagens eram bem primárias. Eu não sabia sobre o quê queria escrever. Apenas colocava ou reproduzia coisas que me atraíam. Com o passar dos anos, fui moldando o blog, criando certa regularidade, inter-relacionando um assunto a outro. Passei a enxergar que eu gostava de coisas de um universo específico e meio obscuro, mas nem por isso menos interessante ou curioso.
O quanto seu blog deve à existência dos telefilmes? É um tipo de produção pelo qual você se diria apaixonado? Sim, sou um apaixonado por telefilmes. Principalmente os das décadas de 1970 e 1980. Como falei antes, não houve um planejamento. Só comecei a visualizar esse meu gosto com mais clareza depois dos primeiros anos do blog. Pensei: “Já que eu gosto tanto de telefilmes, por que não escrevo sobre eles com mais frequência?” E foi assim, por hobby mesmo. Tanto que às vezes fico meio sumido, depois me empolgo com as postagens, depois sumo de novo. Gostaria muito de fazer isso profissionalmente. Manter uma regularidade certa, fazer disso o meu dia a dia, o ganha-pão (ou pelo menos algo perto disso).
O quanto a Sessão da Tarde foi marcante no seu interesse pela cultura pop? Muito marcante. Cresci em frente à TV. Desde novinho assistia aos filmes da Sessão da Tarde (e outros também, claro). E nos anos 1980, quando comecei a assistir, ainda exibiam muitos filmes antigos, dos anos 1960, por exemplo. Clássicos da Disney, telefilmes datados etc. Comecei a gostar de diretores, atores e atrizes de “antigamente”, das trilhas sonoras, de músicas antigas etc. E no meio disso tinha minhas obscuridades também. Aqueles filmes que eram muito reprisados e que depois desapareceram, por exemplo.
Você sempre fala dos recortes de jornal que guardava desde criança. Alguns rendem posts bem legais. Consegue lembrar o que se passava na sua cabeça quando recortava e guardava essas coisas? Só sei dizer que me sentia compelido a guardá-los. Eu não tinha consciência do motivo. Não sabia o que faria com eles, mas sabia que ‘precisava’ mantê-los. Me dava prazer. Eu olhava, lia, relia… Isso começou quando eu estava com uns 10 ou 11 anos. Gostava de fantasiar que eu era arqueólogo e que aqueles recortes tão banais eram pequenos tesouros. Um dia eu faria alguma coisa com eles, embora não soubesse o quê. Muitos eu guardo até hoje. Outros tantos se perderam, infelizmente.
Você é um colecionador ou acumulador de alguma coisa? Tenho essa tendência muito forte em mim. Hoje me forço a não guardar mais, não comprar. Com o tempo, a gente começa a exercitar o tal do desapego. Me desfiz de muitos CDs, fitas, discos, livros, revistas… Junto tralha DEMAIS. O apartamento onde eu morava, em Brasília, era minúsculo. Mas pela quantidade de coisas que saíram lá de dentro (livros, revistas, jornais, LPs, CDs, DVDs, fitas de vídeo, pastas, papéis) parecia que eu morava em um imenso sebo. Fora as coleções de caixinhas de fósforo, marcadores de livros, postais antigos… Mas fui me desfazendo aos poucos. Acho que esse processo vai durar a vida toda. Como sou muito organizado, me incomoda ver as coisas bagunçadas. Gosto das minhas tralhas muito bem guardadas e organizadas. Consigo achá-las até no escuro.
O blog tem posts memoráveis, como a história do disco do Village People que você viu em diversas situações na novela Baila Comigo. Como reparou nisso? Boa pergunta! Sempre fui observador e detalhista para coisas sem importância. Cenários de novelas ou filmes, roupas dos personagens, cabelos, música de fundo… Acho que eu já tenho um ‘radar’ pra essas coisas. Não é algo que me exija esforço. O disco do Village, por exemplo, eu já conhecia de longa data e também o tinha na estante do apartamento onde morava. Gosto muito dessas novelas do final dos anos 1970 e começo dos 1980, sou apaixonado por tudo daquela época: o som, a estética, as roupas, os modismos etc. Fico sempre atento às estantes dos cenários de novelas antigas. Eu fazia isso em Água Viva também, mas nunca tinha pensado em fazer um post. Quando comecei a notar com muita frequência o LP do Village em Baila comigo, pensei: “Agora não dá mais pra ficar quieto. Vou ter que escrever!” (E ainda devo fazer outro post, pois o tal do disco continua rodando por todos os cenários da novela hahaha).
Que post do seu blog você acha que é o melhor? Sinceramente não sei dizer. Mas gostei muito de escrever os posts sobre trilhas sonoras não oficiais de novelas e também de posts sobre alguns filmes pelos quais sou apaixonado, tipo Saturday night fever, Festim diabólico, Uma jovem tão bela como eu… Também gosto bastante de posts com listas de filmes, ou sobre filmes obscuros, como o das Melindrosas. Esses me divertiram bastante enquanto eu pesquisava/escrevia.
Textos sobre novelas e trilhas dão muita visualização? São os que mais dão visualização. Tanto de pessoas mais velhas quanto de jovens. Porque novela e trilha de novela têm um público muito amplo. E hoje, com o canal Viva e a internet, muita gente consegue acompanhar as novelas antigas, baixar ou comprar as trilhas.
Você já fez entrevistas com alguns atores e até com o neto da Gracinda Freire, que atuou em Dancin’ Days. Como se sentiu podendo dar voz para esse pessoal, que muitas vezes não é lembrado? Achei um barato! Porque eu sabia que eram pessoas que dificilmente seriam entrevistadas por outros blogs ou sites. No caso do neto da Gracinda, foi a primeira vez (e única, creio). E acho bacana que tenham sido entrevistas “exclusivas” do blog, porque são a cara do blog.
Pensa em alguma novidade para o blog em 2019? Muita gente cobra novas atualizações? Gosto muito do lance dos telefilmes. Queria fazer uma postagem semanal sobre telefilmes. Mas ainda nao tenho regularidade. Como falei antes, tem épocas em que me empolgo, depois esfrio. E como não são assuntos que despertam o interesse de um público grande, quem cobra novas atualizações são os leitores cativos, aqueles que são bem fiéis ao blog e que o acompanham apesar dos hiatos que eu deixo.
Além do blog, onde mais as pessoas podem ler você? Na internet, pelo blog. Mas também estou no twitter, facebook, instagram (embora não seja propriamente de escrever muito nas redes sociais). Ou então nos meus livros… Tem também matérias de jornal soltas, de freelas que fiz, perdidas pela internet.
Fala um pouco do seus livros sobre o Abba e de como surgiu a banda na sua vida. Tentarei resumir. Conheci o ABBA aos 13 anos, quando vi o comercial do LP ABBA gold na TV e fiquei fascinado. Imediatamente pedi o disco de presente naquele Natal (1993). Era um LP duplo e caro na época. (O CD ainda não havia se tornado tão popular, estava bem no começo). Não parei mais de ouvir. Era ABBA dia e noite lá em casa, meus pais e meu irmão ficaram doidos, hahaha.
Nos encartes do álbum vinha a biografia do grupo, em inglês. Fiquei desesperado para saber a história. Naquela época, não havia absolutamente NADA sobre o ABBA em português (a não ser notinhas curtas e cheias de erros, naquelas revistinhas antigas de cifras de violão ou outras revistas que eu garimpava em sebos). Eu ia de porta em porta nas casas, perguntando se tinham disco do ABBA, ia às rádios, fuçava nos arquivos, era obcecado mesmo. Até que resolvi entrar num curso de inglês porque precisava ler a história do ABBA. Fiquei craque no inglês e comecei a traduzir os encartes. Depois a internet veio surgindo ainda timidamente e eu devorava tudo que aparecia sobre o ABBA. Pesquisava, fazia contato com fãs estrangeiros, mandava cartas para fã-clubes na Europa, Austrália etc. Publicava anúncios em revistas, pedindo para me comunicar com outros fãs do ABBA.
Na época era o único jeito. ABBA era execrado e eu não conhecia ninguém que se interessasse. Depois de alguns anos juntando uma coisinha aqui e outra ali, traduzindo encartes e textos da internet, pesquisando e trocando cartas com alguns fãs, consegui reunir uma quantidade considerável de informações, que eu ia reescrevendo em português, adicionando informações, curiosidades etc. E o texto (que eu escrevia por hobby) foi crescendo cada vez mais. Até que pensei: “Puxa, isso até que poderia virar um livro”. Ao final de dez anos, comecei a escrever para editoras, falando da minha ideia de uma biografia do ABBA em português.
Na época (2004 ou 2005), ninguém deu a menor bola. ABBA não despertava interesse no Brasil. Até que o Sandro, um editor de Curitiba, independente, resolveu apostar na ideia. Não teríamos lucro algum, mas pelo menos meu projeto ia virar realidade. E em 2008 o primeiro livro, Made in Suécia – O paraíso pop do ABBA, foi publicado pela Página Nova Editorial. Foi algo totalmente despretensioso. Eu e Sandro fizemos a divulgação sozinhos. Mas foi o primeiro livro em português sobre o ABBA. Até então não havia biografia do grupo publicada no Brasil. O livro não chegou a vender muito, mas agradou bastante aos fãs. Muitos fãs europeus compraram, por se tratar de “collector’s item”. A revista Rolling Stone fez uma crítica positiva, o que me deixou bem contente. Na época as redes sociais e a facilidade de acesso à internet não eram tão corriqueiras como hoje.
Em 2010, o Marcelo Duarte, da Panda Books, me procurou e pediu que eu escrevesse um outro livro, uma versão ‘melhorada’ e mais ajustada do primeiro. Ele queria aproveitar a estreia da montagem brasileira do musical Mamma mia! em São Paulo. (Daí o título ter sido também Mamma mia!”). Àquela altura, depois do sucesso de Mamma mia! No cinema, gostar do ABBA já era bem mais aceito mundialmente, inclusive aqui no Brasil. E foi assim que os dois livros foram publicados. Depois outros livros sobre o ABBA foram traduzidos para o português e lançados aqui no Brasil. Fiquei feliz por ter aberto o caminho.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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