Crítica
Ouvimos: Craig Finn, “Always been”

Always been, sexto disco solo de Craig Finn – vocalista do The Hold Steady, banda que sempre operou entre o pós-punk e o rock clássico – é longo, e cheio de assunto. Às vezes se torna um álbum meio complicado de digerir de primeira, especialmente se você não entende 100% de inglês – acompanhar as letras caudalosas de Craig como quem lê um livro ou uma crônica, é parte da experiência. Finn tem um vocal que deve tanto a Bob Dylan quanto a Phil Lynott (Thin Lizzy), encaixando várias frases nas melodias.
As letras são narrações com começo, meio e fim. Bethany, balada entre os anos 1960 e 1970, fala sobre um padre que está a fim de (digamos) pecar, com um final inesperado e bem estranho – quase como num filme ou num conto inconclusivo. People of substance é uma história de álcool, brigas, afastamento, solidão e ressaca amorosa. Luke & Leanna, por sua vez, é uma new wave sintetizada e triste, que fala sobre um casal que é quase um Eduardo e Mônica às avessas – em vez de companheirismo e espera, uma existência marcada por tédio, desejos não realizados, sorrisos amarelos e traições.
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Os personagens do disco, geralmente, são pessoas que estão fugindo de alguma coisa, nem que seja de si próprias – o que gera, em vários momentos, narrativas bem trágicas. I walk with a cane, soft rock legítimo, é sobre gente que não aguentou a barra. Shamrock é folk com alma punk sobre gente que vive na marginália. The man I’ve always been é uma balada com ar country sobre dúvidas, pessoas deixadas para trás e, talvez, drogas pesadas (“quando eu deixei Seattle / eu estava assombrado pela agulha / que a cidade sempre segurou acima da minha cabeça”).
Mas se você começou a ouvir o disco e já começou a sentir necessidade de dar uma parada porque é muita informação, vale citar que Always been tem uma música longa e falada. É Fletcher’s – uma canção sobre dureza, falta de oportunidades e dia a dia rueiro, com clima tecnobluesreggae que lembra Pink Floyd e tom ambient que remete a Brian Eno. Uma faixa que ajuda a dar mais ainda a impressão de que Always been é um livro que virou disco – e que provavelmente precisa ser escutado como uma coletânea musicada de contos.
Nota: 8
Gravadora: Tamarac/Thirty Tigers
Lançamento: 4 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Peter Murphy – “Silver shade”

RESENHA: No novo álbum, Silver shade, Peter Murphy mistura pós-punk, darkwave e clima Bowie anos 1990 – tem coisas boas, mas parece distante do brilho de seus discos clássicos.
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Vou começar a resenha com uma pergunta a você, que ouviu Silver shade antes de mim (o disco foi lançado tem alguns meses): você curtiu o novo disco de Peter Murphy de verdade, ou fui eu que impliquei com certos detalhes dele?
Eu já comecei a achar que havia algo estranho nesse disco por causa da capa – o rosto do ex-cantor do Bauhaus se transforma numa “coisa” metálica que mais lembra uma daquelas travessas de aço inox que só saem do armário para servir o peru de Natal, ou os cabos de talheres antigos do tempo de vovó garota. A voz de Peter continua impostada, lá em cima, mas ganhou um ligeiro tom canastrão que causa certas dúvidas. Swoon e Hut boy, dois temas darkwave de quatro costados que abrem o álbum, vão nessa linha.
Apesar da abertura em tom sombrio e eletrônico, Silver shade é na maior parte do tempo um disco que une pós-punk, alguns climas progressivos de FM e vibes trevosas. Sherpa é pós-punk de base “dark”, a faixa-título soa quase grunge, The artroom wonder soa bastante parecida com o começo da fase anos 1990 de David Bowie, e vai por aí. Já a enorme The meaning of my life parece um Duran Duran sombrio, reflexivo e meio pesado.
- Relembrando: Peter Murphy, Love hysteria (1988)
- Corpus Delicti: pós-punk clássico da França de volta
O canto de Bowie paira também sobre as duas melhores músicas do disco, Xavier new boy e Cochita is lame – essa última, com clima chique ligado à música dos anos 1960 e a trilhas de filmes policiais. Peter invade a pequena área do rock pauleira em Soothsayer e soa exagerado e meio (vá lá) cafona em faixas como Time waits e The salimaker’s charm (que soa como um Pink Floyd anos 1980 travado). Let the flowers grow, com Boy George, é meditativa, meio deprê e ressoa bem.
Silver shade tem méritos – e é Peter Murphy na atividade, ora bolas. Mas do começo ao fim você vai esperar algo gracioso como as faixas de discos antigos do cantor do Bauhaus, como Love hysteria (1988) e Deep (1989), e não vai achar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Metropolis Records
Lançamento: 9 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: La Flemme – “La fête”

RESENHA: Garage rock francês com cowpunk, surf e noise: La fête, estreia do La Flemme, é barulhento, blasé e cheio de boas ideias.
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O garage rock francês vai muito bem, obrigado. O La Flemme, em seu primeiro álbum, La fête, mostra-se uma banda de garagem com tendências a abarcar estilos como o bom e velho cowpunk (a faixa-título, dos versos exaustos “os jovens querem festejar / a preguiça”, repetidos o tempo todo), a surf music dos anos 1960 (a melô do pássaro do mau agouro Oiseau, e Laissez-moi tranquile) e até noise rock – esse, nos ruídos finais de Marre de vous e Demain.
O La Flemme tem bastante ligação com o pop francês, embora isso não seja esfregado na cara de quem ouve – dá para perceber no clima chique e irônico do pós-punk Le petit du camas, com vocais falando lembrando Serge Gainsbourg, e na brincadeira ruidosa e quase psicodélica de Mer azur. Um verdadeiro ET em La fête é Tunnel, um garage rock psicodélico, espacial e instrumental de quase sete minutos, com várias partes que migram para um clima quase stoner. O tipo de faixa que na era do CD talvez virasse um bônus escondido – com uma vibe não tão representativa da banda.
Em boa parte das letras de La fête, o narrador é o personagem que já está de saco cheio das mesmas pessoas e situações, como no perrengue alcoólico de Demain, e no tédio geral de Sans fond (“vamos falar pouco, mas vamos falar de verdade / nunca sem dizer nada / isso me entendia!”) e de Laissez-moi tranquile (“me deixem em paz”, em bom português). Um disco de estreia bacana, barulhento e cheio de atitude blasé.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Araúnas – “Relva”

RESENHA: Araúnas estreia com Relva, disco que mistura noise rock, psicodelia e brasilidades em faixas experimentais e cheias de climas mutantes.
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A banda sergipana Araúnas já se chamou Amagatos e Relva – e preferiu adotar esse último nome para chamar seu primeiro álbum, dedicado a uma união desconcertante de noise rock e psicodelia. Victor Caldas (vozes e guitarra), Guilherme Mateus (vozes e bateria), Guilherme Bagio (guitarra) e João Pedro França (baixo) também inserem partículas de brasilidade em seu som, vistas em linhas vocais e em algumas células rítmicas que surgem nas músicas.
Relva, o disco, abre com algo que poderia estar no Paebiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes – a música natural da vinheta Natureza morta. Mostra sua verdadeira face com o indie rock de Bento – que prossegue ganhando guitarras ruidosas – e com o noise brasileiro de Panorama. Sumidouro é repleta de variações: começa ameaçando um samba, continua numa onda quase 60’s e vai ganhando um design musical pós-punk. A percussiva e libertária Ana foge e descobre a noite tem uma onda macia e dissonante que faz lembrar, ao mesmo tempo, Smiths e Pink Floyd.
O ex-grupo de Roger Waters também é devidamente louvado na meditativa Corre, com participação de Yves Deluc (Cidade Dormitório) e climas que lembram o disco Atom heart mother (1970). Desamparo é um indie-samba-rock de quase seis minutos e Alto-mar (com Danilo Garcez, do Ventocais) soa como uma esquina entre grunge e pós-punk. No fim, sons marítimos e clima tranquilo na bossa Música do mar, que fecha o ciclo de Relva.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 29 de maio de 2025.
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