Crítica
Ouvimos: St Vincent, “All born screaming”

- All born screaming é o sétimo álbum da norte-americana Annie Clark, mais conhecida como St Vincent. O disco foi produzido por ela própria, que se dividiu em violões, guitarra, baixo, teclados e até teremim. Todas as músicas são dela – Cate Le Bon divide a parceria da faixa-título.
- Num papo com a Diymag, St Vincent define o disco com a frase: “A vida é tão curta e não há razão para fazer nada disso, exceto por amor, mas também não há razão para perder tempo com merdas insignificantes”. Para o disco, ela fez experimentações com baterias eletrônicas e sintetizadores, e experimentou doses pequenas de drogas psicodélicas.
- Pela primeira vez, ela se auto-produz. “Havia sons na minha cabeça que, na verdade, só eu poderia reproduzir”, contou.
Qualquer coisa que Anne Clark (a personalidade por trás do nome St Vincent) tenha lançado durante sua carreira aponta para um tipo de estética que parecia pouco renovada desde os anos 1970 – a das “verdades secretas”, de artistas que jogam tão bem com luz e sombra que você muitas vezes nem sabe onde termina uma e começa a outra. David Bowie era excelente nisso, Lou Reed idem, Iggy Pop também. Rita Lee sabia usar a luz para comunicar melhor a sombra. Kurt Cobain era quase o tempo todo uma sombra enorme, Jim Morisson talvez fosse o mesmo. Nesses casos, quando rolava luz, era para comunicar que ali só havia sombra.
Discos dela como St Vincent (2014) e Daddy’s home (2021), unindo histórias pessoas, mito e pessoa, já tratavam muito bem disso. O novo All born screaming parte de uma premissa de caos e desordem naturais – “todo mundo nasceu gritando” é uma daquelas frases que comunicam tudo sem precisar dizer muito – para mostrar uma sonoridade que atualiza o art rock dos anos 1970, tentando localizar onde estão as luzes e sombras dos dias de hoje.
O som é mais eletrônico, mais experimental e menos revivalista do que o de Daddy’s home, e volta e meia All born screaming lembra, sem provavelmente querer lembrar, a guinada experimental solo que Scott Weiland, o cantor dos Stone Temple Pilots, deu em seu primeiro disco solo, 12 bar blues (1997). Um disco que era só sombra, negação e autocombustão, por sinal. O disco novo de St Vincent é dançante, autoafirmativo, curativo (como na lista de tarefas de Big time nothing, lembrando Numb, anti-hit do Zooropa, do U2), ensimesmado quase sempre.
All born screaming aposta em canções que atacam o ouvinte, como a eletrônica Broken man (lembrando Nine Inch Nails), a meditativa Hell is near e a pesada e introspectiva Flea. Ou o soul dançante e nostálgico de Violent times, canção sobre quase-perdas em tempos de selvageria explícita (“quase perdi você nesses tempos violentos/esqueci que as pessoas podiam ser tão gentis”). The power’s out abre lembrando a introdução de Five years, de David Bowie, e tem dramaticidade herdada direto da fase anos 70 do cantor, sob roupagem moderna. Os desejos não atendidos da vida estão em The sweetest fruit, espécie de baião eletrônico e maníaco que lembra que “a fruta mais doce esta no galho”.
A faixa-título, de quase sete minutos, traz a participação de Cate Le Bon (como co-autora e cantora) e, em letra e música, lembra que a maior arma de St Vincent nesse tempo todo de carreira – nem parece mas já são sete discos – é a sinceridade, aliada ao não-conformismo com fórmulas. Especialmente quando ela abraça o rock como se fosse uma designer musical ou uma DJ.
Nota: 8,5
Gravadora: Total Pleasure/VMG
Crítica
Ouvimos: Kerub – “Aphantasia”

RESENHA: Kerub funde trance, ambient e experimentações em Aphantasia, disco hipnótico e existencial que ecoa Bowie, Ultravox e o apocalipse dançante.
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“Sonhos são para aqueles que não os deixam de lado”, afirma o artista canadense Kerub em Dreams, canção eletrônica e hipnótica desse Aphantasia, seu segundo álbum. Um disco em que o envolvimento trance serve quase como um subtexto sonoro, com faixas que soam como fantasias musicais, repletas de efeitos, ecos, ambientações, experimentalismos.
Com raízes no conceito de Eterno Retorno de Nietzsche, e em sensações pessoais experimentadas quando mudou-se para Toronto, Kerub fez de Aphantasia um disco cujos lados mais acessíveis apontam para as fases mais vanguardistas de artistas conhecidos. O David Bowie da fase Berlim e o dos anos 1990 pairam sobre quase todo o disco, que ainda faz lembrar a primeira fase do Ultravox em faixas como Ankle monitor, Bottles (repleta de psicodelia nos vocais e teclados) e Calm. Essa última, um relato de depressões, perdas e constatações (“resiliência é um mito feito por nós / estaria eu com medo da mudança?”, se pergunta), em meio a noites mal-dormidas e tentativas de juntar os pedaços.
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
- Ouvimos: Lutalo – The academy (versão deluxe)
- Ouvimos: Alex G – Headlights
Marathon é um ambient que chega a dar nervoso – o barulho de alguém respirando forte após correr uma maratona – note o título, enfim – é o “som de fundo” em alguns momentos). Cicadas é drum’n bass com interferências nos vocais e climas perturbadores. Acid rain soa como um time-lapse do fim do mundo – ganha uma cara dançante depois, mas é um baile no apocalipse. Atavism tem algo que não encaixa totalmente – seria a delicadeza da melodia ou o peso da batida? Ou a combinação de ambos?
No final, Salivary glands e Airport traffic trazem mais sons hipnóticos. A primeira, funcionando como um tema dance; a última soando como uma brincadeira sonora etérea, quase um som de videogame, que até traz leveza para um disco em que eletrônica e existência andam de mãos dadas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Kopi Records
Lançamento: 24 de julho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Astrofella – “Love ever young”

RESENHA: Astrofella estreia com Love ever young: eletrônica gelada, krautrock sensível e pop espacial vindo de Istambul via Berlim.
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O Astrofella é uma banda secretíssima que vem de Istambul, mas que se baseou em Berlim. O som deles é autodefinido como “a personificação de um astronauta melodramático, falando consigo próprio em órbita”. Love ever young, primeiro disco deles, é uma surpresa bem curiosa, misturando tecladeira gélida, guitarras climáticas econômicas e ocasionalmente, percussões e beats variados – sempre apostando na viagem sonora eletrônica.
A Berlin vacation, faixa de abertura, vai subindo para o espaço com órgão, ruídos eletrônicos e guitarra com um só acorde. Segue com uma vibe de pop francês em Modern wedding, com guitarra e bateria patinantes, sintetizador kraftweriano e argamassa de krautrock sensível – e os vocais de Danae Palaka. For Charlotte tem batida afropop e sonoridade minimalista, com um teclado que cresce aos poucos. She just wants to disappear, com vocal feminino que remete a Nina Hagen, vai do meditativo ao tenso.
Love ever young ainda tem climas mais apocalípticos e sombrios em Old times’ sake (canção de ritmo torto, quase jazzístico, e clima oriental) e na sintetizada Time. No Bandcamp, além das músicas, há ainda um vídeo mostrando como a capa de Love ever young, realizada de modo artesanal, foi feita.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 8 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: Dana and Alden – “Speedo”

RESENHA: Speedo, estreia dos irmãos Dana e Alden McWayne, mistura jazz, psicodelia, política e grooves diversos em 18 faixas luminosas e surpreendentes.
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Demoramos um pouco para resenhar esse disco, lançado em junho. Vindos do Oregon, os irmãos Dana (sax) e Alden McWayne (bateria) fazem em Speedo, seu primeiro álbum, uma espécie de jazz mágico, que não cabe em quase nenhuma definição comum, porque as faixas trazem às vezes várias referências. Norm, a faixa de abertura, parece uma espécie de easy listening espiritualista, como as músicas de Todd Rundgren, e evolui para um jazz voador e bombástico, com beats eletrônicos e tímpanos dando o ritmo. Lisbon in rain ameaça um jazz-fusion na abertura, mas o que vem na sequência são sons que se alternam e brilham como luzes. Já a curta Wyckoff Deli Chicken over rice leva o idioma do jungle para o som da dupla.
Vibes psicodélicas e quase lo-fi, comuns em todo o álbum, vão surgindo aos poucos em faixas como Melange, o funk de garagem Don’t run, a bossa floydiana Fisherman’s dream, o jazz ruidoso e luminoso Charif’s Place, os temas de séries imaginárias Childhood crush e Super Beaver full moon love song, e o soul-reggae de faroeste Obsidian. Além disso, o material de Speedo une música, política e anti-imperialismo, com duas faixas, a já citada Norm e o jazz psicodélico e elegante Leila, feitas em homenagem a ativistas pró-Palestina (Norman Finkelstein e Leila Khaled, respectivamente).
Disco extenso – dezoito faixas, 50 minutos – e cheio de recantos musicais, Speedo invade também as áreas da guitarrada hispânica (Rick Pablo), do dream pop solar (Who do you even talk to me, Daydrinking in Springfield), do easy listening clássico e elegante (Kelp Forest Place) e do jazz-soul latino (Cacio e Pepe, cheia de detalhes psicodélicos e sons que rangem). A faixa-título, melódica, sinuosa e romântica, tem algo do som esparso do Khruangbin, só que reduzido a saxofone, baixo e bateria. No fim, o som voador e luminoso de Babe, you’re gonna miss that plane. Uma ótima surpresa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Concord Jazz
Lançamento: 27 de junho de 2025
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