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Crítica

Ouvimos: Saya Gray, “Saya”

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Ouvimos: Saya Gray, “Saya”

Cantora, compositora e produtora canadense, Saya Gray faz um art pop de múltiplas camadas – com toques folk, ecos de bandas como The Cardigans, vocais doces e burlescos, e referências que vão do jazz ao soft rock, passando até pelo yacht rock. Seu segundo álbum, Saya, é um pop moderno, inventivo, bastante variado, gravado de forma caseira, com poucas mãos – mas muito cérebro. Um disco que soa como algo feito para ser descoberto por acaso no TikTok – e permanecer.

De fato, as mãos que criaram Saya são poucas – o material é composto por ela, que a exemplo de Billie Eilish, forma uma dupla de produção com o irmão (Lucian Gray). A veia jazzística do trabalho não é por acaso – o pai, Charlie Gray, foi trompetista de artistas como Ella Fitzgerald, Aretha Franklin e Tony Bennett, a mãe é professora de música, e a própria Saya tocou jazz na adolescência. Tudo isso ajuda a moldar um pop que, em vez de apenas seguir detalhadamente as tendências, tenta encontrar um espaço próprio dentro delas. Em Cats cradle!, uma vinheta do disco, ela provoca: “desde quando a fama substituiu a grande arte?” – uma pergunta retórica, que soa como crítica, confissão e dilema do pop contemporâneo.

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Saya é um álbum de indie-blues-rock em faixas como Thus is why (I don’t spring 4 love), com teclados em looping, guitarra slide e efeitos espaciais no final. Em Shell (of a man), ela flerta com o country indie em clima de cabaré, de café-teatro. O soft rock aparece em Puddle (of me), enquanto Line back 22 tem aquele ar de pop elegante, com um leve toque blues e beats quase artificiais. De modo geral, o disco mostra que Saya e o irmão entenderam bem como se alinhar nas fileiras do pop perturbador.

Violões estão em destaque em várias faixas – do r&b folk de How long can you keep up a lie? à espacial 10 ways (to lose a crown), duas músicas que servem como pontes no álbum. Já Exhaust the topic surpreende com uma virada do soul-folk ao rock pesado, num clímax que lembra as guitarras de Prince. Lie down…, no encerramento, é um reggae estranho, com uma bateria que soa como efeito especial, numa vibe sonora abafada típica dos anos 1970 – até que tudo se dissolve em um som de transmissão espacial.

Em Saya, Saya Gray mostra autenticidade e personalidade mesmo ao lidar com tendências que estão por toda parte (quantos discos recentes já citaram yacht rock e soft rock como referência? Vários, certo?). O álbum tem aquele feeling de art pop bem sacado, com inteligência para soar diferente sem parecer forçado – e isso rende boas e inesperadas recompensas para quem ouve com atenção.

Nota: 8,5
Gravadora: Dirty Hit
Lançamento 21 de fevereiro de 2025.

Crítica

Ouvimos: Sam Fender, “People watching”

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Ouvimos: Sam Fender, “People watching”

Sam Fender é um cantor e compositor da região de Newcastle, no Norte da Inglaterra – dá para perceber tanto pelo sotaque mastigado da cidade, quanto por sua preferência por um som que tangencia o folk. People watching, seu terceiro disco, deixa no entanto a impressão de que Sam é norte-americano, não inglês.

Isso porque as referências mais encontráveis no álbum são R.E.M. (o pop delícia da faixa-título), Byrds (junto com R.E.M na reflexiva Nostalgia’s lie, que se pergunta: será que o passado foi bom mesmo ou será que eu inventei tudo?), soft rock setentista (Arm’s lenght, com um riff de guitarra que é puro country). E em especial, Bruce Springsteen soa como um quase pai espiritual de Fender em todo o álbum, em melodias e letras. Não custa lembrar que o produtor é Adam Granduciel, da banda norte-americana de rock-de-raiz The War On Drugs.

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Há outras referências, na verdade. Chin up traz um lado mais britpop para o disco, com linhas vocais funkeadas e um belo arranjo de cordas no final. Crumbling engine e Wild long lie lembram os flertes do rock inglês oitentista com o pop romãntico e as paradas de sucesso. Os vocais de TV dinner têm balanço de quem já ouviu muito hip hop, mas a abertura da música tem algo de Supertramp, por causa do piano e do synth.

No final, Remember my name, uma homenagem ao falecido avô de Sam Fender, tem uma tristeza solene que, por vezes, lembra Queen. Mas tudo operando debaixo de um chapéu springsteeniano: mesmo quando fala de amor, Sam assume o lugar de um jovem duro da classe trabalhadora da Inglaterra e mira um público ferrado, que possivelmente vai economizar dinheiro para vê-lo cantar em estádios lotados.

Uma das maiores demonstrações disso é Something heavy, que poderia ser gravada tanto por Bruce Springsteen quanto por Patti Smith, e cuja letra fala sobre a miséria humana do dia a dia, assombrada pelos destroços do capitalismo (“carregando um ao outro pela avenida / a cidade nunca esteve tão cansada / metade dos bares bombardeados depois da Covid”).

Nota: 8,5
Gravadora: Polydor
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025

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Crítica

Ouvindo: Craig Finn, “Always been”

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Ouvindo: Craig Finn, “Always been”

Always been, sexto disco solo de Craig Finn – vocalista do The Hold Steady, banda que sempre operou entre o pós-punk e o rock clássico – é longo, e cheio de assunto. Às vezes se torna um álbum meio complicado de digerir de primeira, especialmente se você não entende 100% de inglês – acompanhar as letras caudalosas de Craig como quem lê um livro ou uma crônica, é parte da experiência. Finn tem um vocal que deve tanto a Bob Dylan quanto a Phil Lynott (Thin Lizzy), encaixando várias frases nas melodias.

As letras são narrações com começo, meio e fim. Bethany, balada entre os anos 1960 e 1970, fala sobre um padre que está a fim de (digamos) pecar, com um final inesperado e bem estranho – quase como num filme ou num conto inconclusivo. People of substance é uma história de álcool, brigas, afastamento, solidão e ressaca amorosa. Luke & Leanna, por sua vez, é uma new wave sintetizada e triste, que fala sobre um casal que é quase um Eduardo e Mônica às avessas – em vez de companheirismo e espera, uma existência marcada por tédio, desejos não realizados, sorrisos amarelos e traições.

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Os personagens do disco, geralmente, são pessoas que estão fugindo de alguma coisa, nem que seja de si próprias – o que gera, em vários momentos, narrativas bem trágicas. I walk with a cane, soft rock legítimo, é sobre gente que não aguentou a barra. Shamrock é folk com alma punk sobre gente que vive na marginália. The man I’ve always been é uma balada com ar country sobre dúvidas, pessoas deixadas para trás e, talvez, drogas pesadas (“quando eu deixei Seattle / eu estava assombrado pela agulha / que a cidade sempre segurou acima da minha cabeça”).

Mas se você começou a ouvir o disco e já começou a sentir necessidade de dar uma parada porque é muita informação, vale citar que Always been tem uma música longa e falada. É Fletcher’s – uma canção sobre dureza, falta de oportunidades e dia a dia rueiro, com clima tecnobluesreggae que lembra Pink Floyd e tom ambient que remete a Brian Eno. Uma faixa que ajuda a dar mais ainda a impressão de que Always been é um livro que virou disco – e que provavelmente precisa ser escutado como uma coletânea musicada de contos.

Nota: 8
Gravadora: Tamarac/Thirty Tigers
Lançamento: 4 de abril de 2025

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Crítica

Ouvimos: L.A. Guns, “Leopard skin”

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Ouvimos: L.A. Guns, “Leopard skin”

Um dos inspiradores da cena oitentista do rock de Los Angeles, o L.A. Guns sempre esteve mais de olho no punk e na era glam do que nas facilidades do glam metal. E você provavelmente sabe: a banda foi peça-chave na criação do Guns N’ Roses, nascido da fusão de uma das formações do L.A. Guns com a banda coirmã Hollywood Rose. Só que as brigas internas (especialmente entre o vocalista Phil Lewis e o guitarrista Tracii Guns, que só se reconciliaram há cerca de uma década) renderam várias formações diferentes, além versões paralelas da banda (que, por sua vez, renderam alguns processinhos) e, claro, fãs perdidos no meio do caminho.

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Leopard skin, o décimo sexto disco da banda, celebra os 40 anos de estrada do L.A. Guns com Tracii, Phil e companhia entregando um rock que… bom, não traz absolutamente nenhuma novidade – e talvez esse seja justamente o charme. Um destaque curioso é Hit and run, um hardão cromado com ecos de bandas dos anos 1980 que beberam no glam setentista, como The Smiths, Psychedelic Furs e Gene Loves Jezebel. Mas no geral, é hard rock e glam metal feito por quem cresceu ouvindo punk, mas com influências claras de Guns N’ Roses e, principalmente, Aerosmith.

O AC/DC dá as caras (em espírito) no boogie rock de Taste it e Follow the money. Já Lucky motherfucker e If you wanna evocam o clima festivo do Sweet. The grinder vem carregada de sujeira sonora e fala de excessos, abusos e a longa estrada da recuperação. Quando o L.A. Guns tenta vestir uma roupagem de “guenta aí, somos uma banda de rock clássico!”, o resultado soa meio artificial – como em I’m your candy man, quase um decalque do álbum Presence (1976), do Led Zeppelin, ou no country-blues arrastado de Runaway train, que parece não engrenar.

Mas Leopard skin não é exatamente sobre inovação – é sobre reencontro. É o L.A. Guns assumindo quem é, com as marcas do tempo, mas ainda afiado.

Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
Lançamento: 4 de abril de 2025

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