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Crítica

Ouvimos: Saint Etienne, “The night”

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Ouvimos: Saint Etienne, “The night”
  • The night é o décimo segundo álbum de estúdio da banda britânica Saint Etienne, definido pela própria banda como uma continuação do disco de 2021, I’ve been trying to tell you.
  • O disco foi produzido pelo Saint Etienne em colaboração com o compositor e produtor Augustin Bousfield. A banda é formada há mais de três décadas pelo trio Sarah Cracknell, Bob Stanley e Pete Wiggs.
  • Sobre o disco, Wiggs diz que “queríamos continuar o clima suave e espacial do último álbum, talvez até mesmo dobrá-lo. Mas é um álbum muito diferente, não é baseado em samples. Músicas, climas e peças faladas entram e saem enquanto a chuva cai lá fora. É o tipo de disco que gosto de ouvir no escuro ou com os olhos fechados”, diz.

Faz falta a época em que o Saint Etienne era uma grande revelação do indie pop. Foxbase alpha (1991) e So tough (1993) são discos que observam a composição de música pop por ângulos bastante diferentes, recorrendo sempre a cláusulas clássicas (synth pop anos 1980, grupos vocais dos anos 1960, uma mescla de Beatles + Beach Boys, etc) e dando uma sensação de conforto, especialmente por causa da bela voz de Sarah Cracknell.

As pessoas mudam, as coisas mudam, e lá se foi o Saint Etienne dedicar-se cada vez mais a uma música ambient, experimental e abstrata – em que tudo parece ser a trilha sonora de algo, seja das letras inconclusivas do grupo, seja de uma história que está sendo contada no decorrer das faixas. Claro que ficou bonito e isso não se discute, apesar da nostalgia dos primeiros tempos. No caso de The night, o disco novo (cuja capa soa como uma paródia – em clima de lixo eletrônico – da arte de Three imaginary boys, estreia do The Cure) parece fazer um sobrevoo sonoro e introspectivo nos caminhos percorridos por alguém da juventude até uns 20, 30 anos depois.

Talvez o tal sobrevoo seja na vida do próprio grupo, nas felicidades e nas tristezas. The night é marcado do começo ao fim por um ruído de chuva, que desaparece em poucos momentos, e por uma imagem de “ouro” como o tempo que se esvai. As faixas são interligadas, abrindo com Settle in, que inicia com conversas, como se fosse um papo de piano-bar – até que a música se torna um art pop celestial, e surge a voz de Sarah falando: “Quando você tem vinte ou vinte e um anos, você tem tanta energia e fé/(…) O tempo voa e escapa pelos dedos”. Chegando perto do final, a vinheta Wonderlight traz a cantora declamando, com voz tranquila, sobre a sensação de voltar para casa sozinho e ouvir música até adormecer, como o (quase) fechamento de um ciclo.

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O material novo do Saint Etienne tem partes orquestrais de tirar o fôlego (Half light, Celestial, esta encerrada com ondas sonoras vocais de emocionar) e mexe com sons que parecem vir de longe – como uma trilha sonora distante num filme em que alguém olha a chuva na janela (por acaso na faixa Through the glass), ou uma música indistinguível que aparece num sonho. No caso, a já citada Half light, No rush e Northern countries east – esta, aberta com um instrumental sombrio, como se algo estranho fosse acontecer, mas imediatamente adocicada pela presença de um cravo, que dá uma beleza quase dissonante à música.

When you’re young, levada adiante por um piano simples e por um ritmo que lembra uma célula rítmica de reggae, e o hino Gold, um r&b experimental com piano lembrando Cais, de Milton Nascimento, dão mais variedade ao disco. E, bom, o rótulo “progressivo” é algo que só deve ser tirado do bolso quando realmente valer a pena – no caso de The night, não vale mesmo. Mas enfim, é um disco que tem o tom mântrico de Nightingale, que lembra Peter Gabriel, as vozes sobrepostas (num clima meio Laurie Anderson) de Elliar Carr, e Preflyte, que se fosse lançada nos anos 1980 acabaria ganhando aquele rótulo esvaziado de new age.

De qualquer jeito, o estilo se insinua também no soul celestial de Alone together, uma das raras músicas com bateria-percussão mais distinguíveis, aberta com piano rhodes e guitarra, e seguindo com algo que lembra Holding back the years, do Simply Red. É o encerramento do álbum, apostando na magia da passagem do tempo e no tom introspectivo.

Nota: 9
Gravadora: Heavenly Recordings.

Crítica

Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

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Ouvimos: Skunk Anansie, "The painful truth"

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.

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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.

Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.

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Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).

Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.

Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.

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Crítica

Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

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Ouvimos: akaStefani e Elvi, "Acabou a humanidade"

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.

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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.

Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.

No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025

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Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

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Ouvimos: Chime Oblivion - "Chime Oblivion"

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.

Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).

É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.

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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.

Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.

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