Crítica
Ouvimos: Perfume Genius, “Glory”

Na capa de Glory, Mike Hadreas, o criador do Perfume Genius, está numa pose bem difícil de descrever. Na real, parece com aquela gag típica de história em quadrinhos, em que uma pessoa simplesmente desmaia de tão assustada com o que acabou de ouvir. Mas pela imagem, dá para sentir que o mundo lá fora (a janela está ali como pista) guarda sustos, medos, desmaios – ou uma vontade súbita de paralisar diante do tamanho do desafio.
Sem bancar o psicólogo de botequim, vale dizer que Mike tem contado por aí que Glory, sétimo álbum do Perfume Genius, nasceu no rastro da pandemia. É um disco em que ele revisita as depressões do período e os medos que floresceram depois. Ao site Stereogum, por exemplo, confessou que passou a ter medo de avião – e ganhou uma nova consciência sobre sua própria fragilidade. Tudo a ver com essa sensação de que o mundo externo pode ser um susto constante. Essa ideia ecoa em várias faixas do álbum, como It’s a mirror e Clean heart – a primeira, um folk com beats experimentais, cordas e ruídos; a segunda, um rock de estrutura folk, clima rarefeito e gravação que valoriza o espaço e a ambiência.
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Mais do que nas letras, é na sonoridade e no tratamento de mixagem que Glory traz essa sensação de isolamento e a tentativa de reunir coragem para enfrentar o que vem de fora. Em Front teeth, com Aldous Harding, um country blues vai ganhando peso e intensidade de forma repentina. Left for tomorrow, segundo Mike, fala sobre a perda de pessoas queridas – num folk espacial e estradeiro, em que teclados, distorções e uma bateria “lá longe” criam um cenário meio selvagem. Já Capezio tem ares noturnos e misteriosos, um folk que remete ao lado mais tranquilo de Captain Beefheart, com vocais trêmulos que lembram In another land, dos Rolling Stones.
Mas Glory também tem luz – e até política. A felicidade aparece logo em Me & angel, homenagem a seu companheiro Alan Wyffels, em um clima que mistura Elton John e o lado bittersweet dos anos 70. Full on, que poderia ter saído da mente de Kate Bush ou Judee Sill, ironiza a masculinidade observando um jogador de beisebol caindo no chão e chorando. A faixa-título é quase uma meditação: poucos versos, a ideia de uma “glória silenciosa”. E Dion fecha o álbum unindo Beach Boys e Brian Eno num ambiente musicado, etéreo e delicado. Glory investe nela mesma – na glória. Mas também em delicadeza, coragem e magia musical.
Nota: 8,5
Gravadora: Matador Records
Lançamento: 28 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Ganser – “Animal hospital”

RESENHA: Em Animal hospital, o Ganser mistura pós-punk, ruído e psicodelia em climas sombrios e inquietos, entre Twin Peaks e Siouxsie and The Banshees.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Felte
Lançamento: 29 de agosto de 2025.
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O site Pitchfork, ao resenhar o novo álbum da banda de art-punk Ganser, Animal hospital, achou sons tirados direto da obra de David Lynch no disco – referiu-se em especial à trilha de Twin Peaks, feita por Angelo Badalamenti. Faz todo sentido, levando em conta que o trio majoritariamente feminino de Chicago valoriza sons misteriosos e climas que encantam ao mesmo tempo que dão certo medo.
As origens do Ganser parecem estar numa espécie de combinação sonora que une pós-punk e Black Sabbath, Garbage e synthpop, sons de bandas riot grrrl e noise rock tribal, Suicide e The Cure – o tipo de som que foi feito mais para incomodar do que para distrair, enfim. Animal hospital vai nessa onda em faixas como a pesada e distorcida Black sand, a leve e sinistra Stripe, a tipicamente pós-punk Ten miles tall (com baixo e bateria dialogando e vocal quase falado) e a fábula sonora surrealista de Dig until I reach the moon. Lounger, punk com vibração garageira dos anos 1960, é hino anti-coach, anti-performance, anti-verbos como “pivotar”, “escalar” e coisas do tipo: “não quero ser ninguém / não quero fazer nada (…) / outras pessoas compram minhas coisas / mas tudo que eu quero é tempo (…) / meu desempenho tem sido ruim e não consigo me importar”.
- Ouvimos: Goat Girl – Below the waste
Alicia Gaines, Brian Cundiff e Sophie Sputnik, os três da banda, têm um lado seriamente stoner e fantasmagórico explorado em músicas como a destrutiva Half plastic (“prendo a respiração até ver manchas”, diz a letra), Grounding exercises e a psicodélica e pesada Creature habits. Plato, com versos malucos como “Platão diz a ela: ‘venha, vamos dançar’ / e ela não quer / ela diz que não acredita em evolução”, a tribal Speaking of the future, Discount diamonds e Left to chance unem esse lado pesado a sons que lembram Siouxsie and The Banshees. E Left fecha o disco com uma boa massa ruidosa.
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Crítica
Ouvimos: Yellowcard – “Better days”

RESENHA: Yellowcard volta após quase dez anos com Better days, disco que mistura punk-pop, emo e pós-grunge com energia, melodia e sinceridade.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Better Noise Music
Lançamento: 10 de outubro de 2025
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Para a surpresa de um total de zero pessoas, numa época em que estilos como emo, nu-metal e rock alternativo (na visão Billboard norte-americana de rock alternativo) tornam-se queridos de alguns críticos, e tambem numa época em que a geração Tik Tok vem abraçando bandas de punk pop, lá vem o Yellowcard com seu primeiro disco em quase dez anos.
Better days não decepciona: a mescla de punk-pop, emo e “pós-grunge” (muito entre aspas) feita pelo grupo volta com ótimas melodias, excelente produção (feita por Travis Barker, do Blink-182, e Andrew Goldstein) e aquela mistura de esperança com tristeza que os fãs adoram. A faixa-título, que abre o álbum, une tudo isso aí em poucos minutos. Take what you want, que chora pitangas sobre o fim de um relacionamento, soa como o som de uma boy band pesada e ágil. Love letters lost – com Matt Skiba, do Alkaline Trio – tem aquela mesma receita da qual o Charlie Brown Jr se alimentou: peso, vocal altamente cantarolável e guitarras que têm algo chupado do The Police.
- Ouvimos: Twenty One Pilots – Breach
A “persona” de Better days é um sujeito angustiado, que fez planos por conta própria mas esqueceu de consultar a realidade (o dramalhão Honestly, I), sofre por um relacionamento que se foi (o pop pesado, mágico e bem feito de You broke me too, com Avril Lavigne), deseja botar o passado em pratos limpos (City of Angels, com Ryan Key, cantor e guitarrista, nascido na Flórida, lembrando sua vida em Los Angeles) e se sente ansioso e inquieto (o punk-popzaço Bedroom posters, a melhor e mais bonita música do disco). Skin scraped e Barely alive, com titulos autoexplicativos e onda punk-emo, têm peso, tristeza e um certo clima herdado da banda do coprodutor.
Para aumentar essa onda “intensa” do disco, Travis pôs mais peso na bateria, arranjos de cordas surgem em algumas músicas e… Better days encerra com a vibração country-folk de Big blue eyes, música pra tocar em filme adolescente. O Yellowcard volta com um álbum rápido – pouco mais de meia hora – e sincero.
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Crítica
Ouvimos: Luna Gouveia – “Sara”

RESENHA: Em Sara, álbum de estreia, Luna Gouveia une pop, rock, jazz e psicodelia em faixas que soam entre Gal Costa indie e Rita Lee espacial.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 23 de setembro de 2025
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Em seu primeiro álbum, concebido como uma jornada de cura e encerramento de ciclos – daí o título Sara, usado como verbo e não como nome próprio – a paulista Luna Gouveia entrega um trabalho de pop atravessado por ecos de rock, jazz e psicodelia.
Um detalhe é que nenhum desses gêneros surge de forma literal nas oito faixas do disco. Em nome do pop mutante, Sara passeia por todos esses estilos em faixas como Culpa e Diz que é amor, às vezes lembrando a MPB jazz, às vezes soando como uma Gal Costa texturizada e jogada no indie pop. No caso de Diz que é amor, rola ainda uma segunda parte exclusivamente psicodélica, lembrando Mutantes e Tame Impala da fase inicial, com guitarra fuzz.
- Ouvimos: Luapsy – I met the devil in a dream
Sara vai seguindo com Fora de moda, indie rock tropicalizado, com balanço herdado de Rita Lee, vibe de bossa espacial e ótimas guitarras-base (ficaria inclusive melhor com um solo). Mordida tem beat discreto, vocal com dissonâncias e surpresas e clima pop com cara de Rita Lee + Marina Lima indie. Voltar andar passa por várias camadas do pop – embicando num corredor boogie/pós-disco e numa atmosfera meio Physical. A faixa-título é pop oitentista transformado em música celestial, com vocal de sereia.
No final, a sintomática O fim, com mais surpresas escondidas na melodia e no vocal, além de um laço que une tudo em Sara. Um disco de estreia que abre caminhos enquanto fecha ciclos.
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