Crítica
Ouvimos: Paul Weller, “66”

- 66 é o 17º álbum solo do cantor e compositor inglês Paul Weller. O disco foi lançado um dia antes do aniversário de 66 anos do cantor (comemorado no dia 25 de maio). A capa foi feita por Peter Blake, artista pop britânico de 91 anos que fez, entre outras coisas, a capa de Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles.
- O disco tem parcerias com Suggs (Madness), Noel Gallagher, Bobby Gillespie, o cantor e compositor escocês Erland Cooper e Dr Robert (da veterana banda londrina The Blow Monkeys), entre outros.
- “Para este álbum, eu tinha pelo menos vinte músicas para escolher. Foi um luxo poder passar um tempo com elas e deixá-las me dizer quais precisavam ficar registradas”, conta Paul. Isso porque o disco anterior dele, Fat pop (volume 1) saiu em 2021 e Weller é do tipo que lança um disco atrás do outro, sem descanso.
Ao chegar a Jumble queen, a terceira faixa deste 66, você já terá sido apresentado a alguns lados diferentes de Paul Weller, ex-líder do The Jam e do Style Council, e compositor peculiar, capaz de caminhar do punk ao quase sinfônico. Em 66, mais do que apenas compor, Paul volta como herdeiro de uma musicalidade que vem lá dos discos dos Beach Boys, passa pelas óperas rock do Who, pelo pop barroco dos anos 1960, pelas sinfonias pop de Paul McCartney, chegando ao pop sofisticado que ele mesmo, ao lado de Mick Talbot, fez no Council.
Trazendo a nova idade de Paul em seu título, o disco novo do cantor fala, antes de qualquer coisa, sobre expectativas, perdas e ganhos. E não sobre qualquer expectativa, perda ou ganho já que 66 é um disco de rock feito por uma pessoa (bastante) vivida, mas que (vá lá) ainda está a procura de algo novo, existencialmente e emocionalmente. Paul faz questão de encerrar o álbum com Burn out, cuja letra termina com os versos “eu nasci de novo/não estou cansado de viver/estou bem”.
A celestial A glimpse of you, com uma orquestra que evolui em torno da melodia, traz Paul falando sobre encontrar “um assento de madeira onde posso esperar/até o fim do mundo/só por um vislumbre de você”. Soul wandering, parceria com Bobby Gillespie (Primal Scream), traz o cantor dizendo que quer “acreditar/em algo maior que eu”. In full flight, uma balada doo wop tristonha, fala sobre a dificuldade de viver num mundo “onde as mentiras se tornam verdades”.
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I woke up, outra balada melancólica, traz todo o estranhamento que o mundo inteiro viveu no começo da pandemia – em especial a sensação de que nada mais aconteceria da mesma forma. Na abertura, a terna e aconselhativa Ship of fools (de versos como “esses mares altos podem ser tão cruéis/quando você está tentando encontrar seu próprio caminho”), parceria entre ele e Suggs (Madness), localiza o disco numa esfera entre Burt Bacharach e Kinks. Vale citar que muita coisa do disco lembra bastante as fases mais sofisticadas musicalmente de David Bowie, até mesmo no que diz respeito à voz de Paul Weller.
O lado mais luminoso e alegre de 66 fica por conta de canções como o synth rock fantasioso Flying fish, o glam rock Jumble queen (parceria com Noel Gallagher), o soul Rise up singing (a mais bonita música do disco), e o art pop de Nothing, que lembra o próprio Paul na era do Style Council. Um disco para conhecer detalhadamente os vários lados de Paul.
Nota: 9
Gravadora: Polydor/Solid Bond
Crítica
Ouvimos: Cynthia Erivo – “I forgive you”

RESENHA: Cynthia Erivo transforma dor e perdão em arte no sensível I forgive you, disco de soul contemplativo, emocional e camerístico, com 20 faixas marcantes.
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Todah Opeyemi, jornalista da BBC Africa, escreveu no Medium que chorou ao ouvir o segundo disco da cantora e atriz Cynthia Erivo, I forgive you. De fato, o novo álbum de Cynthia, cantora sensível a ponto de ter interpretado Aretha Franklin (na série Genius: Aretha) e de ter feito shows cantando os repertórios de Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Nina Simone (um deles no Hollywood Bowl, em julho de 2021), é um mergulho corajoso na alma, em letras, melodias e honestidade emocional.
Cynthia, ao lado de mais nove produtores (ela também cuida da produção), cria em I forgive you novas texturas para o r&b, a ponto de transformar tudo o que toca em pop de câmara, com vocais angelicais – a ponto do álbum já ter sido reeditado em uma versão com várias canções a cappella. Tanto que, de modo geral, se trata de um disco pop recomendado para quem compreende estilo como r&b e soul por uma perspectiva mais elaborada e independente – fãs de artistas como Moses Sumney, Anohni and The Johnsons e Hozier, por exemplo, vão gostar bastante.
Usando o perdão, a autodescoberta e a palavra como possibilidades de cura, Cynthia abre o álbum com uma vinheta baseada em Why (faixa de Annie Lennox de 1992) e prossegue com as batidas insinuadas de Best for me, o soul vaporoso de More than twice, o voo ambient e orquestral de You first, a parede de vocais (e o tom de trilha de filme) de Save me from you e o pop noventista e repleto de texturas de Worst of me.
- Ouvimos: Moses Sumney – Sophcore (EP)
- Ouvimos: Little Simz – Lotus
- Ouvimos: Anohni and The Johnsons – My back was a bridge for you to cross
São vinte faixas e, durante todo o disco, Cynthia investe no lado mais contemplativo do pop, aproximando-se de um folk soul mágico em She said, de fusões com jazz e blues em What you want e de truques levemente psicodélicos na derretida Push and pull. Além do clima gospel e quase clássico de Holy refrain, que fala sobre um amor quase existencial – mesmo tema do soul leve e empoderado de I choose love, por sinal.
No álbum, Cynthia fala bastante, às vezes como um subtexto, sobre não se perder de si própria – um tema que aparece com força na meditativa Replay e no soul orquestral Brick by brick. Já o final, com Grace, esconde uma história triste: a voz infantil que aparece na faixa é de uma menina – a Grace do título da faixa – que trocava vídeos com Cynthia e morreu aos 13 anos. A letra é uma homenagem a ela, e encerra I forgive you como um último recado, uma despedida que fica ressoando por um bom tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Verve
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Yungblud – “Idols”

RESENHA: Yungblud lança Idols, disco cheio de referências (Bowie, Manson, Suede), letras sobre identidade e amores, e clima de ópera-rock moderna.
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“Misture Robbie Williams, o falecido vocalista do Prodigy Keith Flint e o personagem Dennis, o Pimentinha, num liquidificador e, depois de alguns segundos, você terá Yungblud”, escreveu Ollie Macnaughton no jornal The Independent, tentando diagnosticar – sem deixar a ironia de lado – qual é a de Dominic Richard Harrison, o popular Yungblud.
Britânico de Yorkshire, ele está há quatro discos cumprindo, mais do que uma carreira musical, um projeto de vida: tornar-se um daqueles nomes do rock que se tornam tão imensos que, mais do que caberem no guarda-chuva do pop, transformam-se eles próprios em imensos guarda-chuvas. Nomes como Freddie Mercury e David Bowie volta e meia são citados por jornalistas e fãs na hora de falar dele (eu faria uma comparação com o senso comum que joga Jão e Cazuza no mesmo saco de gatos, aqui no Brasil).
- Quem é quem (e o que é o que) na ficha técnica de Ziggy Stardust, de David Bowie
- Ouvimos: David Bowie – Rock and roll star!
Se a ideia é ter o mesmo nível de fama dessa turma, pode até rolar. Mas em termos de criação musical e de manutenção dos tubos de ensaio do pop, 2025 é um ano, digamos, bem diferente de 1972, quando Bowie estourou com Ziggy Stardust. Hoje, discos são criados por times, equipes fazem estudos para entender qual é de determinados artistas, as referências estão ao alcance da mão – às vezes tão ao alcance que tudo pode beirar o mero plágio.
E aí que Yungblud, nascido em 1997, é mais filho dessas criações de laboratório do que de uma época em que você ficava esperando horas para ouvir sua música preferida no rádio – e, honestamente, tudo bem. Idols, quarto disco do rapaz (e primeira parte de uma ópera-rock dupla sobre a “loucura da vida”, entre outros temas), é um bom exercício de – vamos dizer assim – fantasmagoria pop.
Em Idols, Yungblud veio com uma boa safra de canções e o repertório parece assombrado por vários espectros. Há uma mescla de Depeche Mode, Led Zeppelin, Queen e Bowie na épica e quilométrica Hello heaven, hello. Também há algo entre Sisters Of Mercy, My Chemical Romance e Marilyn Manson em Zombie (balada emo com ar gótico que pergunta: “você iria continuar me querendo se eu parecesse um zumbi?”). Vai por aí.
Tem mais: o pós-punk pesado de The greatest parade lembra Suede e Placebo. Monday murder e Ghosts unem U2, The Cure e britpop anos 90 no mesmo caldeirão – a segunda tem elementos de Pride (In the name of love), de Bono & cia, e vai se transformando num gospel pesado aos poucos. E falando em britpop, o disco em vários momentos soa como um redesenho emo na época e no estilo – a tal resenha do The Independent cravou The Verve como referência, eu cravaria além deles, os já citados Suede e Placebo. Em termos de letras, a “loucura da vida” inclui conversas honestas sobre masculinidade, formação de identidade, idolatria, amores que vão e vem etc.
Vale repetir: Idols é bom. Se você em algum momento acha que não tem mais idade para ouvir Yungblud, repense. A biblioteca de referências do disco, inclusive, não aponta para nenhuma atrocidade ou mistura malfeita – nem mesmo quando ele resolve fazer uma espécie de Oasis brega, na balada Change (olha, acho que faz sentido).
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: Locomotion/Capitol
Lançamento: 20 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Florence Road – “Fall back” (EP)

RESENHA: Florence Road mistura indie pop com rock 90s, grunge e britpop, mirando fãs de Olivia Rodrigo e pais fãs de PJ Harvey.
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Tem muita coisa no som do Florence Road que lembra o Sunday (1994), que resenhamos outro dia. A diferença é que o Sunday investe numa espécie de shoegaze baixos teores, próprio para tocar no rádio, e esses irlandeses, no EP Fall back, fazem guitar rock com molho pop, investidos da mesma disposição para voltar à música dos anos 1990.
Um pouco de olho nos fãs de Olivia Rodrigo e Taylor Swift, um pouco de olho nos pais deles, o Florence Road mistura introversão e barulho em Hand me downs, leva tom pop ao indie rock com emanações de Pixies e Weezer em Goodnight e faz folk melancólico de FM em Caterpillar. Os vocais de Lily Allon tem aquele tom agridoce típico do rock feminino dos anos 1990, herdado de Alanis Morrisette, PJ Harvey, Dolores O’ Riordan (The Cranberries) – além de servirem uma versão light de Dana Margolin (Porridge Radio) em alguns momentos.
Essa receita “infalível” (vamos dizer assim) prossegue oscilando entre o grunge e o britpop em Figure it out, e invadindo a grande área do pós-punk em Heavy. No fim, Fall back é uma pequena demonstração de um som que ainda pode render.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Warner
Lançamento: 20 de junho de 2025.
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