Crítica
Ouvimos: Lou Reed, “Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965”

“Eu era uma Ellie Greenwich malsucedida, uma Carole King pobre”, descascava sem dó Lou Reed, sobre o período em que foi um projeto de hitmaker (um “futuro” hitmaker que não emplacava hit nenhum, enfim) no selinho norte-americano Pickwick, localizado em Long Island City. Uma etiqueta musical que fabricava imitações de sucessos das paradas, e tentava ganhar grana lançando tudo em singles e coletâneas cata-corno de baixo preço. Essa época ressurge dissecada na coletânea Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965, com 25 faixas nas quais Lou teve participação como compositor, intérprete ou as duas coisas.
Se for encarar as músicas de Why don’t you smile now todas de uma vez, vá com calma: o material tem bem pouco a ver com o que Lou Reed faria no Velvet Underground e nos primeiros anos de sua carreira solo – embora a composição de músicas para grupos vocais de garotos e garotas acabasse se tornando uma obsessão que iria pairar sobre vários álbuns importantes seus, inclusive New York, de 1989. Formado na Universidade de Syracuse, com planos bem mais ambiciosos em relação ao rock do que apenas fazer músicas por encomenda, e prestes a gravar as primeiras demos do que seria o Velvet Underground, Lou entrou para o time de compositores do selo Pickwick, ao lado dos colegas Terry Philips, Jerry Vance e Jimmie Sims.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- Temos episódio do nosso podcast sobre Velvet Underground aqui.
- E dois episódios sobre Lou Reed aqui e aqui.
O selo já existia desde 1950, aliás resistiria bravamente até 1977 pirateando discos fora de catálogo (pôs nas lojas vários discos de Elvis Presley que estavam esgotados e deu muita dor de cabeça para a gravadora oficial do rei do rock, a RCA). E naquele momento tentava surfar simultaneamente várias ondas pop. The ostrich, por exemplo, era um tema bizarro que explorava os modismos inúteis do rock então em curso havia pelo menos dez anos. A faixa ensinava os passos da “dança do avestruz”, que consistiam em “você dá um passo para frente e então vira para a direita/você vira para a esquerda e põe seus pés para cima da sua esquerda” (!). A faixa, motivada por um modismo de roupas com penas de avestruz, foi composta pelo quarteto de compositores do selo, cantada por Lou e creditada a um grupo de proveta chamado The Primitives.
The ostrich geralmente é a faixa mais citada dessa fase por fãs roxos de Reed. Mas o material tinha bem mais: imitações de Jan & Dean (em Cycle Annie, creditada a The Beachnuts), pastiches de Phil Spector (como Love can make you cry, cantada por uma tal de Ronnie Dickerson) e muita coisa que poderia ter ido parar no repertório das Shangri-Las, como a tragédia adolescente Johnny won’t surf no more (com Jeannie Larrimore) e Teardrop in the sand (esta, com vozes masculinas, interpretada por The Hollywoods).
O método de trabalho era fazer o maior número de composições que pudesse ser feito em pouco tempo. Segundo Lou, Terry Philips – que chefiava o trabalho – pedia à turma: “Faça dez California songs, agora dez Detroit songs…”, numa demonstração básica de que o trabalho servia para agradar tanto os fãs de imitações dos Beach Boys quanto os seguidores da Motown. Uma curiosidade no disco é a faixa-título Why don’t you smile, parceria entre Lou Reed e seu novo amigo John Cale, que fazia parte do repertório do All Night Workers. Uma banda que não era uma invenção de Lou, mas sim um grupo formado por colegas seus de faculdade – o single deles saiu pela Round Records, selinho ligado à Pickwick.
The ostrich, por sua vez, acabou por se tornar o verdadeiro pré-Velvet: após o lançamento do single, a Pickwick achou que valia a pena investir num grupo de verdade para promover o disco. Terry Philips havia conhecido dois sujeitos numa festa, John Cale e Tony Conrad, que convidaram o amigo Walter DeMaria para compor a banda. Não deu certo, mas Cale e Reed formaram uma parceria que gerou o Velvet Underground e rendeu frutos por alguns anos.
Nota: 7
Gravadora: Light In The Attic
Crítica
Ouvimos (antes): Manny Moura – “A crush is a creative act”

RESENHA: Manny Moura estreia com A crush is a creative act, disco dream pop confessional que une indie-folk, bossa e melancolia cinematográfica.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: GRRRL Music
Lançamento: sai nesta sexta, dia 17 de outubro de 2025. Ouça inteiro aqui.
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Cantora brasileira que vive em Los Angeles e canta em inglês, ainda assim Manny Moura fez de sua estreia, A crush is a creative act, um disco de seu país de origem – com direito a produção dividida com dois brasileiros, Nathan Dies e Fernando Tavares, e a uma compreensão particular da onda dream pop, cercada de violões, vibes eletrônicas e letras confessionais. Manny tem referências confessas da fase indie-folk de Taylor Swift (o álbum Folklore), e de discos de Gracie Abrams e Phoebe Bridgers, e junta suas histórias pessoais a essas influências.
- Ouvimos: Algernon Cadwallader – Trying not to have a thought
- Ouvimos: Die Spitz – Something to consume
Criando um cenário que basicamente gira em torno de vulnerabilidade, desejo, rejeição e fantasia, Manny fala de medos e sustos no pop cristalino de Enough, entra em vibrações psicodélicas na dolorida Synchronicity, discute temas como autoimagem e autoestima no dream folk Object of desire (que vai ganhando um tom de música melancólica de filme coming-of-age) e deixa entrar uma brisa no soft rock What I know best.
A partir daí – e de uma vinheta celestial chamada Pindrop – o álbum ganha uma cara mais positiva em letra e melodia. Surgem uma bossa eletrônica com ares emo, I think you think of me, o folk-pop de Lemons and limerence (cuja letra sugere uma maneira mais tranquila de aproveitar o que a vida oferece) e o dream folk fantasioso de Arriving, que ganha uma certa saturação na gravação, com ambiência e beats disputando espaço. The other side une fantasia e realidade, e soa quase como um tema de filme da Sessão da tarde, com seu clima folk tranquilo.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Crítica
Ouvimos: Cida Moreira e Rodrigo Vellozo – “Com o coração na boca”

RESENHA: Cida Moreira e Rodrigo Vellozo unem teatro, samba e drama em Com o coração na boca, trocando forças: ela ganha leveza, ele, fúria e paixão.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Belic Music / Warner Music
Lançamento: 24 de julho de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Com o coração na boca, disco que une Cida Moreira e Rodrigo Vellozo, é um disco tão teatral quanto musical, em que Rodrigo (filho de Benito di Paula, que já gravou um álbum e um EP com o pai) e Cida entram com vozes, pianos e personas. Só que em vários momentos, dá para confundir os dois, como se um adotasse a força musical e a persona do outro. Traduzindo: Rodrigo ganha a fúria de Cida – e Cida ganha a delicadeza clássica de Rodrigo.
É o que rola em músicas como Meu cavalo tá pesado, música extraída da versão teatral feita pelo Teatro Oficina, de José Celso Martinez Correa, para o livro Os sertões, de Euclides da Cunha, em que frases soam como lamentos. Ou na faixa-título, de Rodrigo e Romulo Fróes, em que versos como “já é o fim, já dá pra ver” e “nunca lembrei de um sonho meu” unem-se a uma musicalidade que evoca Arrigo Barnabé e Rita Lee, simultaneamente. Velocidade da luz, cover do grupo Revelação, e faixa-solo de Rodrigo no álbum, mostra o quanto Cida e Benito estão presentes em sua voz e seu piano.
- Ouvimos: Luapsy – I met the devil in a dream
Não é o único namoro sério com o samba e o pagode que existe em Com o coração na boca. Cida se transforma em Benito di Paula na releitura de Desejo de amar, sucesso de Eliana de Lima (a do “undererê”, lembra?). Os dois releem Do jeito que a vida quer (Benito) de uma maneira que evoca o Arnaldo Baptista de Lóki?, e o David Bowie de Hunky dory. Também incluem no repertório Ainda é tempo pra ser feliz, de Arlindo Cruz, Sombra e Sombrinha, só que com um ar dramático que soa como uma Elizeth Cardoso gótica.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Crítica
Ouvimos: Yowie – “Taking umbrage”

RESENHA: Math rock levado ao extremo: o Yowie faz em Taking Umbrage um som caótico, virtuoso e insano, entre o jazz, o hardcore e o humor.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Skin Graft Records
Lançamento: 3 de outubro de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Se você nunca entendeu direito o que é math rock, esse disco pode resolver seus problemas. Só que, vá lá, ele dá uma explicação bem radical para suas dúvidas a respeito do estilo. O Yowie, banda que mudou de formação nos últimos tempos igualmente de maneira radical – sobrou apenas o baterista (!) Shawn “Defenstrator” O’Connor, que convocou novos guitarristas e baixista – faz em Taking umbrage, seu quarto álbum, um som que… Cara, digamos que até explicar é complicado.
Basicamente o Yowie une bases de guitarra maníacas, slides feitos igualmente de forma caótica, e variações rítmicas em que tudo parece ir para vários lados diferentes ao mesmo tempo. O termo “ritmos quebrados” mal serve como explicação, porque a quebração se dá em ritmo, harmonia, solos e em praticamente tudo que vem pela frente. O math rock volta e meia consegue unir-se com estilos mais palatáveis, numa gama que vai do post-rock ao pós-hardcore, mas aqui não há nada disso – até porque se você escutar Taking umbrage sem prestar atenção na passagem de uma faixa para a outra, pode até se surpreender em ver que as músicas soam como uma suíte repleta de variações rítmicas.
- Ouvimos: Gaupa – Fyr (EP)
Com essas variações, músicas como Hot water healer quase deixam entreouvir um forró torto, enquanto Grumgrubber faz o mesmo oscilando entre samba, blues, funk e hardcore. Lemon strogonoff aumenta consideravelmente a velocidade lá pelas tantas, enquanto Museum fatigue parece uma salsa pesada e atonal. Não dá pra negar: lá pela metade você sente falta de algo diferente, de uma textura a mais, de algo que fuja do receituário. Igualmente é inegável que tudo aquilo pode soar irônico e meio zoeiro, como um novelty record, ou como uma versão radical da Florentina, do palhaço Tiririca (sim, aqueles momentos “oh, não, vai começar tudo de novo…”).
Bom, você escolhe como encarar esse disco. Vale dizer também que num disco desses, evocações do jazz não poderiam faltar. E elas circulam por todas as faixas, aparecendo com mais intensidade em músicas como a fusion demoníaca Throckmorton e a tribal The road to Gumbone. No fim das contas, é rock maníaco para quem decididamente não quer ouvir música para ficar mais calmo/calma.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
- Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
- Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
- Notícias8 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
- Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
- Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
- Cultura Pop7 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
- Cultura Pop9 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
- Cultura Pop8 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?