Crítica
Ouvimos: Larkin Poe, “Bloom”

- Bloom é o oitavo álbum da banda de blues-rock Larkin Poe, formada pelas irmãs Rebecca e Megan Lovell. O grupo surgiu em 2010, e antes disso, as duas formavam um trio de bluegrass com a irmã Jessica, o Lovell Sisters. O trio chegou a fazer apresentações acompanhando Elvis Costello em 2009.
- No duo, Rebecca faz os vocais principais e toca guitarra base, enquanto Megan faz backing vocals e fica com a guitarra slide.
- As duas tocaram recentemente em Rosetta, uma das faixas do álbum country de Ringo Starr, Look up.
O bom e velho “para quem gosta de…”, que costuma aparecer em sites de resenhas, vai direcionar o Larkin Poe para fãs de rock clássico e country-rock. Bloom, novo álbum do grupo, soa como se o punk jamais tivesse existido. Nas onze faixas do disco, as irmãs Rebecca e Megan Lovell demonstram influências de Aerosmith, Gary Moore, AC/DC, Led Zeppelin, Rolling Stones fase 1971, Lynyrd Skynyrd, Allman Brothers, blues e country clássico. Tudo isso sem nenhum cacoete lo-fi, e sem nenhuma brincadeira do tipo sujar o som, ou gravar o vocal como se viesse de uma fita K7, ou de um megafone antigo.
Justamente por isso, é importante dizer – e isso pode angariar narizes torcidos aos montes – que Rebecca e Megan não fazem parte de nenhuma banda indie, a perspectiva de Bloom é de rock clássico radiofônico, e o material parece ter sido feito pensando em quem ouve rock alto ao volante. Isso fica claro em faixas como Mockingbird, um rock sulista que não destoaria de um antigo comercial de cigarros; Bluephoria, tributo ao lado mais suingado de bandas como Led Zeppelin e Deep Purple; e Little bit, uma canção romântica que remete ao toque country de Elton John, Ringo Starr ou Paul McCartney.
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Quanto às referências femininas, o som do Larkin Poe carrega a força de Joan Jett, a versatilidade country-rock de Linda Ronstadt e a vibe mística de Stevie Nicks. Especialmente quando as duas irmãs sentam a mão em faixas como o boogie pesado Nowhere fast e a mescla de blues e spiritual God is a woman (excelente letra: “se deus é uma mulher/o diabo também é melhor você se ajoelhar”). Já Pearls é country-rock pesado com letra feminista e raivosa: “Você tenta me dizer o que fazer/você tenta me dizer o que não fazer/eu faço o que eu quero, quando eu quero (…)/eu não te digo como girar seu mundo/fique com suas pérolas”.
Ainda que seja um álbum com estileira setentista, Bloom está bem longe da nostalgia – até mesmo quando se torna um disco ligeiramente 60’s, em faixas como You are the river e na balada country Bloom again, que vêm no encerramento. No geral, é rock competente tocado por duas irmãs que parecem ter sido criadas entre instrumentos musicais. Se o Larkin Poe vivesse no Brasil e tocasse samba, seria um samba de raiz, sem concessões a novidades. E isso tem seu charme.
Nota: 7,5
Gravadora: Tricki-Woo Records
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Will Smith, “Based on a true story”

“Ué, mas como assim o Will Smith gravou um disco? Ele é cantor? Achava que ele fosse só ator!”. Com o tempo, muita gente esqueceu que Will gravava discos (inicialmente como The Fresh Prince, ao lado do DJ Jazzy Jeff) desde os anos 1980 – e as novas gerações passaram a vê-lo apenas como o cara da série Um maluco no pedaço, e o astro de filmes como Homens de preto, Rei Ricardo e À procura da felicidade.
Não apenas Will foi/é cantor: sua perspectiva pop do rap ajudou a fazer com o que o estilo fosse mais ouvido durante os anos 1990, num espelho do que rolou com Gabriel O Pensador aqui no Brasil. Tem quem diga que isso fez com que o rap se infantilizasse mais, se tornasse mais comercial, mas faixas como Gettin’ jiggy wit it (1997) fizeram muita gente curtir o gênero diluído no pop, em plena era de ouro do gangsta rap, e prepararam os ouvidos de uma turma enorme. Como resultado, seus talentos de ator foram (bem) mais requisitados que os de cantor – tanto que seu último disco, Lost and found, saiu há vinte anos.
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Agora corta para 2025 e para Based on a true story. Will era tido, há duas décadas, como um rapper comportado, que não falava palavrão e que traduzia o idioma do hip hop para os fãs de música pop – era um rapper popstar, que estava mais interessado, de verdade, no mundo do cinema e das séries. Se ele decidiu gravar um disco novo, supõe-se, é porque ele tem muita coisa para contar. E em tese, tem mesmo: imprensa se metendo em sua vida, brigas na cerimônia do Oscar, seu casamento com arranjo pouco convencional, a vida em família, as armadilhas da fama, racismo no showbiz.
Dá para ver reflexos disso tudo no novo disco – um álbum que, por sinal, ele gravou sem se despir da capa de bom moço. Based on a true story é um compêndio dos conselhos que Will andou recebendo, e também traz o ator-cantor como coach e pastor protestante, em vinhetas que são estranhas pregações, e servem de introdução para algumas faixas. The reverend (Rave sermon) fala sobre resiliência, depressões e buracos ao longo do caminho (“quando eu falo em rave, quero dizer para olhar no fundo dos olhos do dragão e dizer: ‘hoje, não!’”). Essa vinheta abre Rave in the wasteland, gospel-rock-afro sobre jogar fora tudo que há dentro de você, e que não serve mais.
Based on a true story usa peso e agilidade para mandar recados, como no blues-rock-rap de Bulletproof e na cavalar Tantrum (“pego meus traumas e faço deles um hino”), e cai numa estileira mais pop no soul lento de Beautiful scars, cujo ritmo lembra Milli Vanilli. A vinheta Int. Barbershop – Day, com o antigo chapa DJ Jazzy Jeff e B Simone, fala sobre tudo que se seguiu após o tapa em Chris Rock no Oscar: cancelamento, gelo da imprensa, problemas em casa, exposição negativa, racismo velado ou nada velado. Hard times, simultaneamente um boogie oitentista e um tema no estilo da Disney (com Teyana Taylor) fala da superação de fossas pessoais. Essa, vale citar, é a melhor do disco.
Como criador de frases e de slogans certeiros, vale dizer, Smith está longe de ser um prodígio – aliás a própria escolha de um pastor como personagem do álbum parece querer dizer que não há problemas se Will decidir incorrer na auto-ajuda barata. É o que rola em vários momentos, especialmente em Work of art, gravada com o filho Jaden, e You can make it. Based on a true story serve bem como disco pop, mas há algo de mal resolvido como disco de rap em vários momentos.
Nota: 7
Gravadora: Slang
Lançamento: 28 de março de 2025
Crítica
Ouvimos: Sarah Mary Chadwick, “Take me out to a bar / What am I, Gatsby?”

Dá para temer por Sarah Mary Chadwick ouvindo seu novo disco, Take me out to a bar / What am I, Gatsby?. Por sinal, um álbum cuja gravação encerrou-se com a australiana parando de beber – inclusive desde o lançamento do disco, já saiu um single novo dela chamado I’ll die sober (“eu morrerei sóbria”). O novo álbum de Sarah é quase um disco conceitual sobre dor, envolvendo temas delicados como “o desejo desolado de mudança, as despedidas, o romance que se esvai, as memórias”, e outras feridas expostas.
A frase “balada triste de piano” serve para definir todas as faixas do disco, que apresenta só a cantora e seu instrumento, além da ambiência do estúdio – uma microfonação que capta respirações, suspiros e o barulho do banquinho de Sarah. Como cantora, ela tem voz rouca e um grave considerável, mesmo quando alcança as notas mais altas – mas o principal é que escutando a voz de Sarah no álbum, dá para sentir a dor, num tom quase despedaçado. Faixas como What am I, Gatsby?, Take me out to a bar e She never learnt upon a bar variam da perdição rock-cabaré à tristeza sonora que faz as teclas do piano soarem como gotas (lágrimas?).
Soundtrack fala sobre “a criação de um filme melancólico” na telona. O vocal de Not cool like NY / Not cool like LA vai ficando mais tenso à medida que a melodia segue – com notas apenas dando o andamento da melodia, num clima minimalista e tristonho. Big business é uma balada amarga sobre o contraste entre sonhos e realidade, entre delírios pessoais e grandes negócios. Já The show musn’t go on é tanta tristeza e resignação que chega a fazer mal: “o show não pode continuar / às vezes você tem que ir pra casa / porque ninguém quer ver alguém / se debatendo inutilmente”. Um disco de beleza angustiada, que não é para ouvir a qualquer hora.
Nota: 7,5
Gravadora: Kill Rock Stars
Lançamento: 4 de abril de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Hellacopters, “Overdriver”

Lembra do Sweet? A banda glam britânica está por aí, lançando discos e fazendo shows – mas largou o estilo que marcou sua história em prol de um hard rock meia-boca (resenhamos o disco mais recente deles aqui). Os escandinavos dos Hellacopters, por sua vez, levam sua carreira adiante de modo a que o Sweet possa ser quase sempre apontado como principal referência. Afinal, é glam rock básico, com influências dosadas de sons pesados oitentistas, e um glacê que aponta também para Kiss (bastante) e Be Bop De Luxe (muito, de verdade – inclusive as guitarras lembram as de Bill Nelson, guitarrista e artífice do Be Bop).
A sorte é que depois de tantos anos de carreira, o Hellacopters não largou nada de mão e continua fiel ao seu estilo – uma opção que, no caso de outras bandas, poderia parecer passadismo barato, mas aqui soa como um ferramental bem usado. O novo álbum Overdriver, em alto e bom som, remete a Sweet (Token apologies), Kiss (Don’t let me bring you down, Leave a mark), ABBA – em (I don’t wanna be) Just a memory – Status Quo (Wrong face on) e a uma cúspide entre punk e hard rock (Faraway looks, Doomsday daydreams). Do you feel normal remete a Slade e ao já citado Be Bop de Luxe – e também aos discos solo de Ian Hunter e Johnny Thunders. The stench dá uma derrapada: um blues-rock sombrio e chatinho sobre pé na bunda (“podemos remendar as rachaduras / melhorar tudo o que queremos / nos dar um pouco mais de folga / mas ainda estará lá”).
Uma curiosidade de Overdriver é Coming down, um hard rock que lembra uma fusão de Kiss e R.E.M., com instrumentação doce e clima próximo das baladas dos mascarados. Para garantir uma cara mais classic rock para o disco, os Hellacopters enchem Soldier on de climas que lembram Lynyrd Skynyrd e Led Zeppelin (este, bastante lembrado nos solos de guitarra). Um disco de rock com R maiúsculo sem deixar espaço para o reacionarismo e conservadorismo musical.
Nota: 8,5
Gravadora: Nuclear Blast
Lançamento: 31 de janeiro de 2025.
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