Crítica
Ouvimos: Kim Deal, “Nobody loves you more”

- Nobody loves you more é o primeiro álbum solo de Kim Deal (Pixies, Breeders). As faixas mais antigas, Are you mine? e Wish I was, foram compostas em 2011, e versões inicias delas foram incluídas em uma série independente de cinco discos de vinil de sete polegadas lançada em 2013.
- O disco foi tendo, ao longo de seu preparo, uma longa lista de colaboradores – que inclui gente dos Breeders (Kelley Deal, Jim MacPherson, Mando Lopez, Britt Walford), o ex-guitarrista do Red Hot Chili Peppers, Josh Klinghoffer, e o produtor Steve Albini, que chegou a comandar algumas gravações de cordas. Kim lembrou ao site Exclaim que construiu muito do disco no ProTools.
- Boa parte do disco foi inspirada no tempo que Kim passou cuidando de sua mãe Ann (que teve alzheimer por 18 anos), seu pai Robert e seus tios, todos falecidos entre 2019 e 2020. “Eu estava morando com eles e cuidando deles. Então é só… não sei, talvez seja por isso que não é um disco de festa. Há algo sobre assistir alguém perder algo todos os dias por 18 anos”, disse.
Definir para que lado Nobody loves you more, primeiro disco solo de Kim Deal, aponta, é mais do que complicado , Afinal, depois de tanto tempo que ela passou ligada a dois grupos de forte presença (Pixies, que deixou em 2013, e Breeders), o álbum surge quase como um relato de sua história musical. Mas com algumas diferenças.
Para começar, ainda que Kim tenha revisitado duas canções da série de compactos que gravou há mais de dez anos (Are you mine? e Wish I was reaparecem no novo álbum), o esquema é outro. Mesmo nos momentos mais ruidosos e experimentais, o som de Kim não soa cru. Soa é muito bem produzido, com direito a cordas e metais tornando o álbum uma experiência bem mais rica musicalmente.
O conceito de “canção pop” de Kim Deal passa necessariamente pelas baladas dos anos 1950 e 1960, pelo punk, por Lou Reed, por música orquestral. A faixa-título, que abre o álbum, reúne tudo isso – com direito a um ar de trilha sonora e de big band garantido pelas cordas e metais. Coast, na sequência, volta nas bases simples da música das Breeders, só que com mais retoques finais, além de metais que trazem uma nostalgia quase latina para a música – não custa lembrar que a ideia da canção é falar sobre bandas que tocam em casamentos.
Já Crystal breath abre com um clima psicodélico que chega a lembrar Mutantes, embarcando num pós-punk quase marcial. Wish I was e Are you mine?, relidas aqui, fazem as versões originais soarem como pérolas lançadas em singles pouco conhecidos, que ganharam melhorias feitas em versões gloriosas e bem sucedidas feitas por outros artistas – a primeira traz ecos de Suspicious minds, sucesso gravado por Elvis Presley.
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Num disco solo de Kim, não poderia faltar o lado mais experimental e lo-fi, que surge na velvetiana e revoltada Disobedience, nos ruídos e no batidão quase metal-funk de Big ben beat, na união de ruído e beleza de A good time pushed e na quase balada/quase shoegaze Come running, que fecha em tom sombrio e punk, com bateria ralentando. A vinheta instrumental Bats in the afternoon sky é o momento de respiro psicodélico do disco, assim como Mad Lucas dividia The last splash, álbum das Breeders – só que aqui num clima mais tranquilo. Summerland, uma canção nostálgica que fala sobre férias com os pais na infância, leva um inusitado clima de Burt Bacharach para o álbum, graças às intervenções da orquestra.
Provavelmente, Nobody soa até mais grandioso do que alguns fãs de longa data de Kim, acostumados com o tom quase punk das Breeders, esperavam. Mal sabiam eles. No geral, soa como se Kim estivesse sendo, de verdade, e finalmente, ela mesma. Sem a proteção de uma banda, sem a faceta de musicista durona e indie do rock 80’s/90’s – por acaso, num papo revelador com o periódico The Guardian, ela não deixou de falar sobre Nobody ser o primeiro álbum de sua história em que ela aparece na capa. É ela mesma que está ali em cada detalhe.
Nota: 9
Gravadora: 4AD
Crítica
Ouvimos: Jean Caffeine – “Generation Jean”

RESENHA: Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.
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Nascida em 1960, a cantora e compositora Jean Caffeine participou ativamente da cena punk de San Francisco, tocou numa banda que abria shows do The Clash (o curiosíssimo Pulsallama, um conjunto de percussão de formação variável, chegando a 13 integrantes) e mudou-se anos depois para Austin, no Texas, onde desenvolveu carreira como compositora e, depois, cantora. Só que ela foi para um lado bem diferente do universo com o qual ela estava acostumada: passou a tocar em cafés e a misturar punk rock e sons mais introspectivos.
Generation Jean, seu novo álbum, é uma mescla dessas duas ondas, com referências sessentistas unidas a sons bem mais selvagens – sendo que as próprias viagens 60’s de Jean já são selvagens o suficiente. Love what is it?, na abertura, inicia com batida marcial, ganha ares de música francesa ou hispânica, e embica numa balada meio Beatles, meio Replacements, com ótimas guitarras. Big picture une Byrds e Beatles, com romantismo na melodia, e amor desarrumado na letra. I always cry on thursday, com clima sixties e batidinha eletrônica, parece uma zoação com Friday I’m in love, do The Cure – com Jean admitindo que a quinta-feira só torna o fim de semana mais distante. E ainda por cima ela gravou The kids are alright, do The Who – só que numa versão em que parece que a música era dos Pretenders.
Desenvolvendo um rock estiloso em todas as faixas do disco, Jean abraça o blues, o jazz e a música sombria em Mammogram – sim, ela fez uma música sobre mamografias e conta em detalhes como é o exame. Também volta a visitar o rock sessentista no power pop I don’t want to kill you anymore e I know you know I know, e visita o pós-punk em Circuitous routes. No final, tem You’re fine, dance-punk que lembra uma paródia suja da levada de Psycho killer, dos Talking Heads. Largue tudo e ouça agora.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: FLAK Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lutalo – “The academy” (versão deluxe)

RESENHA: Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.
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Talvez você ainda não conheça Lutalo, então vamos lá: Lutalo Jones é um jovem (24 anos) músico, compositor e produtor do Minnesotta. Ele é primo de Adrianne Lenker (Big Thief), já abordou em suas músicas temas espinhosos como a situação dos negros e indígenas nos Estados Unidos, e volta e meia recorre à própria história para fazer suas canções. Lançado em 20 de setembro de 2024, seu álbum de estreia, The academy, mergulha em suas memórias de ex-aluno da escola que dá nome ao disco, em St Paul – uma instituição tão clássica que o escritor F Scott Fitzgerald estudou lá.
Lutalo, que enfrentou várias barras pesadas familiares ao longo da vida, estudou lá com bolsa de estudos, teve diversos problemas de adaptação e sofria para tirar boas notas. “Como não tirava as melhores notas, presumi que era simplesmente ruim em aprender. Refletindo, sinto que não sou – a estrutura de aprendizagem simplesmente não funcionava para mim. Passei a entender e respeitar isso e simplesmente aproveitar o que pude”, disse num papo com a Rolling Stone britânica. Faixas do disco como o soul blues climático Big brother e o shoegaze Oh well vão fundo nessas lembranças, falando de uma crise econômica (em 2008) que deixou sua família sem teto, e da separação de seus pais.
- Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
- Ouvimos: Jehnny Beth – You heartbreaker, you
- Ouvimos: Alex G – Headlights
Já Summit Hill, folk cheio de cortes no ritmo, além de “defeitos especiais” de gravação, abre colocando o/a ouvinte no tema, lembrando que Lutalo e um amigo, ambos outsiders em meio aos ricaços, costumavam andar pelas cercanias da escola observando as casas de alto luxo, sempre pensando no abismo social que os separava daquela turma. Oceans swallow him whole, um guitar rock que une sombra e luz, e tem evocações de bandas como Placebo, fala indiretamente sobre alguém que tentou atingir Nova York seguindo por um lugar menor, mas deparou com montes de injustiças sociais.
The academy volta agora em edição deluxe, com quatro faixas a mais, aumentando o escopo musical do álbum. Se você ouvir apenas o comecinho de The academy, com Summit Hill e Ganon, vai ver em Lutalo um revivalista do blues rock dos anos 1970, e um experimentalista do folk. O disco avança para o shoegaze, para sons assemelhados ao britpop (Broken twin), para o country-rock com clima beatle (3 tem andamento lembrando o hit Come together) e até para algo que fica entre Pixies e Slowdive – em About (Hall of egress) e na faixa bônus Cracked lip. Há também emanações mais sombrias no folk psicodélico Haha halo, e no quase-trip hop Lightning strike.
Como letrista, Lutalo nem sempre é direto – às vezes parece criar diálogos nas letras, como o encontro de gerações de The bed. Já Oh well relata as tragédias familiares lembrando que o céu parecia desmoronar, e que os maiores problemas vividos por sua mãe não saíram nos jornais, nem foram “mostrados e contados”. No geral, uma poesia que machuca.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Winspear
Lançamento: 19 de setembro de 2025
Crítica
Ouvimos: Plonki – “Kicking at my heels” (EP)

RESENHA: Plonki, novo projeto de Pleun Stork, estreia com o EP Kicking at my heels: basicamente soft rock psicodélico que às vezes soa como Steely Dan no ácido
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Plonki é o novo projeto da compositora e multimusicista Pleun Stork, que tem no currículo participações em bandas como Thames e Captain Scarlet. Sob o codinome, Pleun reuniu alguns músicos amigos para fazer um som que pode ser definido tranquilamente como um soft rock com uma onda doidona – às vezes, soa como um Steely Dan no ácido, ou uma Electric Light Orchestra indie. É o som que você vai ouvir no EP Kicking at my heels, estreia de Plonki.
Lost to you, a faixa de abertura, chega a lembrar coisas dos Wings, ganhando guitarras pesadas depois e até uma vibe Brian May + Mick Ronson nos solos finais. Made my bed, a melhor do EP, caminha entre o rock e o pop texturizado, com tem ritmo funkeado, beleza e psicodelia na melodia. Short-lived wisdom é um Fleetwood Mac/Steely Dan torto, com ritmos quebrados e corte final psicodélico nos teclados.
O som de Kicking at my heels é quase todo baseado em vocais tranquilos, guitarras leves que depois ficam pesadas, piano Rhodes e batidas levemente dançantes. Quiet life chega a lembrar um Bee Gees indie, enquanto Heard you wrong é um rock gostosinho que ganha ruídos, e um final de voz-e-violão. No final, tem What else can you do?, um soft rock sombrio, que deve tanto à programação das rádios dos anos 1970 quanto a Pearl Jam e Alice In Chains.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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