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Crítica

Ouvimos: Kendrick Lamar, “GNX”

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Ouvimos: Kendrick Lamar, "GNX"

O papo aqui é GNX, disco novo de Kendrick Lamar, mas vamos por partes. Em primeiro lugar, música também é a relação pessoal do artista com a música, com a arte, com seu trabalho, e com seu meio. Incluindo aí picuinhas, questões pessoais e problemas que poderiam estar sendo resolvidos na base da porrada (e às vezes são resolvidas na porradaria ou até no tiro).

A música pop em geral tem lá seus momentos em que as brigas entre artistas ajudam a causar expectativa para novos discos – sendo esses discos a crônica das tais picuinhas, brigas, e etc. Isso acontece desde que o mundo é mundo, já rolou no rock, na MPB, no samba e, claro, é uma das forças motrizes do hip hop, estilo em que a autorreferência e a cobrança aos supostos vacilões inspira álbuns inteiros.

E enfim, um dos exemplos mais recentes é – você deve saber – a série de compactos que Kendrick Lamar lançou antes de soltar o novo álbum, GNX. Singles como Like that e Not like us foram direcionados ao rapper Drake, um artista que mesmo não contando com o mesmo respaldo de crítica de Kendrick, é daqueles nomes que podem fazer qualquer coisa, que provavelmente o público nunca vai desaparecer (mesmo que essa “coisa” sejam discos e shows abaixo da crítica). Os dois já eram rivais havia uma década, mas a coisa agora pegou fogo, com acusações de pedofilia, de traição de amigos e outros assuntos bizarros.

As tais músicas fizeram bastante sucesso, mas foram deixadas de lado por Kendrick e seu time na hora de selecionar o repertório desse GNX, um álbum lançado de surpresa, e que, mais do que ser apenas um “programa de música”, é um disco feito para que todo mundo saiba com o que e quem o rapper está puto atualmente. Kendrick abre o disco com os vocais da cantora mexicana Deyra Barrera, que servem como uma espécie de tag ao longo de GNX, e logo começa Vacced out murals.

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A letra é um papo sobre uma pixação feita num mural em homenagem a ele em Compton (isso aconteceu de verdade), mas que depois espalha brasa para a suposta raiva que o meio do hip hop sentiu por Lamar ter sido convidado para o halftime show do Super Bowl (“acho que meu trabalho duro decepcionou Lil Wayne/seja como for, me chame de louco, todo mundo questionável”). O tom é o ameaçador habitual, com batidões, teclados graves e Kendrick soltando a voz sem a menor paciência, como se estivesse sendo pessimamente mal sucedido na função de tentar manter a calma.

O resultado é que GNX é mais um disco de “balada do inimigo” do que propriamente um álbum redentor e político como To pimp a butterfly (2015) ou um puta disco como Damn (2017). Na verdade, é um disco em que Kendrick, que andou um bom tempo sem gravar (de 2017 a 2022) requer seu título de rei do rap e mostra como anda a relação dele com o sucesso, com os colegas, e com o dia a dia do meio hip hop. Tipo em Squabble up, balanço pula pula com ótimos sintetizadores, que prega: “eu tenho sucessos, eu tenho grana, eu tenho novos cortes de papel (“paper cuts” é uma gíria para feridas que parecem pequenas mas causam dor à beça)/eu tenho amigos, eu tenho inimigos, mas eles são todos alvos fáceis”.

As coisas ficam tensas de verdade em Man at the garden, balanço quase neo-soul que vai ficando pesado. Na letra, traz Kendrick se diz um cara abençoado por deus, e que por isso mesmo “merece tudo” – no final, brota a frase “me diga por que você acha que merece o melhor de todos os tempos, filho da puta!”. Luther, homenagem ao cantor Luther Vandross (e com uma sample de If this world were mine, de Marvin Gaye, mas na gravação de Luther e Cheryl Lynn, de 1982) é o lado romântico do disco, com versos como “se dependesse de mim/não daria nenhuma simpatia a esse bando de zé-ninguém/eu tiraria a dor, eu te daria tudo” – sendo que aí as pinimbas são divididas com SZA, que participa da faixa.

Musicalmente, se você nunca ouviu nada de Kendrick, mais vale pegar To pimp a butterfly. Mas GNX é um disco decididamente simpático e cheio de assunto – o tipo de álbum que tem a ver com um certo “espírito de Big Brother Brasil” que assola o mundo pop de vez em quando, ainda mais no começo do ano. O balanço pesado de Hey now merece destaque. Assim como o hip hop caribenho de Reincarnated, uma faixa em que Kendrick canta com drive e peso de cantor de rock.

Na letra dessa música, um primor de auto-estima, ele afirma que fez “progressão de vidas passadas ano passado e isso me ferrou”, e conta que em outras vidas foi o rei do rhythm’n blues dos anos 1940/1950 (referência a John Lee Hooker) e uma cantora negra viciada em heroína (referência a Billie Holiday). Até que: “minha vida atual é Kendrick Lamar/um rapper olhando para as letras para manter você impressionado/o único fator que respeitei foi elevar o nível”, e surge um diálogo fantástico com seu pai, que o abandonou.

Referências latinas e caribenhas aparecem nas faixas GNX e Gloria, e flows bem bacanas dão o tom de faixas como TV off (um batidão com cordas e metais dando o ritmo) e Peekaboo. Já Heart pt 6 é o lado “voador” do disco, um hip hop herdado do lado viajante do soul. E isso tudo aí é GNX, um disco cujas histórias em torno dele são até mais interessantes que o próprio álbum. E que foi feito exclusivamente para deixar um monte de gente puta.

Nota: 8
Gravadora: PGLang/Interscope.
Lançamento: 22 de novembro de 2024.

 

 

 

Crítica

Ouvimos: Jean Caffeine – “Generation Jean”

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Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.

RESENHA: Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.

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Nascida em 1960, a cantora e compositora Jean Caffeine participou ativamente da cena punk de San Francisco, tocou numa banda que abria shows do The Clash (o curiosíssimo Pulsallama, um conjunto de percussão de formação variável, chegando a 13 integrantes) e mudou-se anos depois para Austin, no Texas, onde desenvolveu carreira como compositora e, depois, cantora. Só que ela foi para um lado bem diferente do universo com o qual ela estava acostumada: passou a tocar em cafés e a misturar punk rock e sons mais introspectivos.

Generation Jean, seu novo álbum, é uma mescla dessas duas ondas, com referências sessentistas unidas a sons bem mais selvagens – sendo que as próprias viagens 60’s de Jean já são selvagens o suficiente. Love what is it?, na abertura, inicia com batida marcial, ganha ares de música francesa ou hispânica, e embica numa balada meio Beatles, meio Replacements, com ótimas guitarras. Big picture une Byrds e Beatles, com romantismo na melodia, e amor desarrumado na letra. I always cry on thursday, com clima sixties e batidinha eletrônica, parece uma zoação com Friday I’m in love, do The Cure – com Jean admitindo que a quinta-feira só torna o fim de semana mais distante. E ainda por cima ela gravou The kids are alright, do The Who – só que numa versão em que parece que a música era dos Pretenders.

  • Ouvimos: Replacements – Tim (Let it bleed edition)
  • Ouvimos: Peter Perrett – The cleansing

Desenvolvendo um rock estiloso em todas as faixas do disco, Jean abraça o blues, o jazz e a música sombria em Mammogram – sim, ela fez uma música sobre mamografias e conta em detalhes como é o exame. Também volta a visitar o rock sessentista no power pop I don’t want to kill you anymore e I know you know I know, e visita o pós-punk em Circuitous routes. No final, tem You’re fine, dance-punk que lembra uma paródia suja da levada de Psycho killer, dos Talking Heads. Largue tudo e ouça agora.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: FLAK Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Lutalo – “The academy” (versão deluxe)

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Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.

RESENHA: Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.

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Talvez você ainda não conheça Lutalo, então vamos lá: Lutalo Jones é um jovem (24 anos) músico, compositor e produtor do Minnesotta. Ele é primo de Adrianne Lenker (Big Thief), já abordou em suas músicas temas espinhosos como a situação dos negros e indígenas nos Estados Unidos, e volta e meia recorre à própria história para fazer suas canções. Lançado em 20 de setembro de 2024, seu álbum de estreia, The academy, mergulha em suas memórias de ex-aluno da escola que dá nome ao disco, em St Paul – uma instituição tão clássica que o escritor F Scott Fitzgerald estudou lá.

Lutalo, que enfrentou várias barras pesadas familiares ao longo da vida, estudou lá com bolsa de estudos, teve diversos problemas de adaptação e sofria para tirar boas notas. “Como não tirava as melhores notas, presumi que era simplesmente ruim em aprender. Refletindo, sinto que não sou – a estrutura de aprendizagem simplesmente não funcionava para mim. Passei a entender e respeitar isso e simplesmente aproveitar o que pude”, disse num papo com a Rolling Stone britânica. Faixas do disco como o soul blues climático Big brother e o shoegaze Oh well vão fundo nessas lembranças, falando de uma crise econômica (em 2008) que deixou sua família sem teto, e da separação de seus pais.

  • Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
  • Ouvimos: Jehnny Beth – You heartbreaker, you
  • Ouvimos: Alex G – Headlights

Summit Hill, folk cheio de cortes no ritmo, além de “defeitos especiais” de gravação, abre colocando o/a ouvinte no tema, lembrando que Lutalo e um amigo, ambos outsiders em meio aos ricaços, costumavam andar pelas cercanias da escola observando as casas de alto luxo, sempre pensando no abismo social que os separava daquela turma. Oceans swallow him whole, um guitar rock que une sombra e luz, e tem evocações de bandas como Placebo, fala indiretamente sobre alguém que tentou atingir Nova York seguindo por um lugar menor, mas deparou com montes de injustiças sociais.

The academy volta agora em edição deluxe, com quatro faixas a mais, aumentando o escopo musical do álbum. Se você ouvir apenas o comecinho de The academy, com Summit Hill e Ganon, vai ver em Lutalo um revivalista do blues rock dos anos 1970, e um experimentalista do folk. O disco avança para o shoegaze, para sons assemelhados ao britpop (Broken twin), para o country-rock com clima beatle (3 tem andamento lembrando o hit Come together) e até para algo que fica entre Pixies e Slowdive – em About (Hall of egress) e na faixa bônus Cracked lip. Há também emanações mais sombrias no folk psicodélico Haha halo, e no quase-trip hop Lightning strike.

Como letrista, Lutalo nem sempre é direto – às vezes parece criar diálogos nas letras, como o encontro de gerações de The bed.Oh well relata as tragédias familiares lembrando que o céu parecia desmoronar, e que os maiores problemas vividos por sua mãe não saíram nos jornais, nem foram “mostrados e contados”. No geral, uma poesia que machuca.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Winspear
Lançamento: 19 de setembro de 2025

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Crítica

Ouvimos: Plonki – “Kicking at my heels” (EP)

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Plonki, novo projeto de Pleun Stork, estreia com o EP Kicking at my heels: basicamente soft rock psicodélico que às vezes soa como Steely Dan no ácido

RESENHA: Plonki, novo projeto de Pleun Stork, estreia com o EP Kicking at my heels: basicamente soft rock psicodélico que às vezes soa como Steely Dan no ácido

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Plonki é o novo projeto da compositora e multimusicista Pleun Stork, que tem no currículo participações em bandas como Thames e Captain Scarlet. Sob o codinome, Pleun reuniu alguns músicos amigos para fazer um som que pode ser definido tranquilamente como um soft rock com uma onda doidona – às vezes, soa como um Steely Dan no ácido, ou uma Electric Light Orchestra indie. É o som que você vai ouvir no EP Kicking at my heels, estreia de Plonki.

Lost to you, a faixa de abertura, chega a lembrar coisas dos Wings, ganhando guitarras pesadas depois e até uma vibe Brian May + Mick Ronson nos solos finais. Made my bed, a melhor do EP, caminha entre o rock e o pop texturizado, com tem ritmo funkeado, beleza e psicodelia na melodia. Short-lived wisdom é um Fleetwood Mac/Steely Dan torto, com ritmos quebrados e corte final psicodélico nos teclados.

O som de Kicking at my heels é quase todo baseado em vocais tranquilos, guitarras leves que depois ficam pesadas, piano Rhodes e batidas levemente dançantes. Quiet life chega a lembrar um Bee Gees indie, enquanto Heard you wrong é um rock gostosinho que ganha ruídos, e um final de voz-e-violão. No final, tem What else can you do?, um soft rock sombrio, que deve tanto à programação das rádios dos anos 1970 quanto a Pearl Jam e Alice In Chains.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 5 de setembro de 2025

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