Crítica
Ouvimos: Katie Gavin, “What a relief”

- What a relief é a estreia solo de Katie Gavin, cantora da banda pop MUNA. O texto de lançamento enfatiza que o álbum “explora a autoconfiança desprotegida e a sensibilidade pop caseira de cantoras como Alanis Morissette, Fiona Apple e Ani DiFranco, e usa sua tenacidade como uma estrela-guia para a própria jornada de Gavin em direção à autodescoberta”.
- “Este disco abrange muito da minha vida – é sobre ter um desejo muito profundo de conexão, mas também encontrar todos os obstáculos que estavam no meu caminho para conseguir isso, padrões de isolamento ou até mesmo tédio com o verdadeiro trabalho do amor. Ele explora e retrata isso honestamente, sem vergonha”, complementa ela.
- O álbum começou a surgir quando o MUNA assinou com a Saddest Factory, gravadora dirigida pela cantora Phoebe Bridgers. A gravadora sugeriu que ela polisse o material com o produtor Tony Berg, o que não deu certo de início – só após voltar de uma turnê imensa com a banda, ela voltou ao estúdio com Berg.
Já que se fala tanto em temporada Brat de novos álbuns, com discos e mais discos saindo por aí celebrando o sexo, o dançar-até-derreter, o sexo, as drogas, a diversão desenfreada, os bodes da vida, e o sexo de novo, o álbum de estreia de Katie Gavin fala quase da mesma coisa, mas ataca por outros flancos.
Cantora tão queer quanto Chappell Roan, e pareando em idade com Charli XCX, Katie Gavin surge em What a relief observando o mundo por um viés introspectivo, agridoce e violeiro – que passa mais por Tori Amos e Suzanne Vega do que pelos club classics dos anos 1990 e 2000. A própria capa do álbum já sugere intimidade e interioridade: um quarto desarrumado, um ventilador, uma caixa de badulaques, um gato, Katie de meias, etc.
Mesmo em I want it all, a faixa de abertura, que tem uma letra bem sexual (“eu quero que você me veja/quando você não estiver olhando/eu quero que você me foda/quando não estivermos nos tocando”), o som é de balada country, com guitarras em slide. Aftertaste, que vem em seguida, é uma balada alt-folk bem anos 1990, com algo lembrando Natalie Imbruglia.
Casual drug use, composta em março de 2020 (o disco tem canções compostas já há um bom tempo) toca num assunto típico da música bittersweet: a possibilidade de recair em velhos vícios (“é um pouco enervante o quão rápido eu vou voltar a consertar meus problemas com o uso casual de drogas”, confessa na letra). Por acaso, ou talvez não por acaso assim, essa faixa é o momento Stevie Nicks do disco: uma balada country alegrinha e adulto-contemporânea.
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Uma curiosidade no disco é As good as it gets, um folk com balanço, apresentando uma letra que basicamente fala da velha dualidade amor x fantasias pessoais (“eu quero que você me decepcione/continuamente até ficarmos velhas/… e eu acho que isso é o melhor que pode acontecer, meu amor”) e ecos de Alanis Morrissette e Sheryl Crow – Mitski, cantora norte-americana ligada a sons eletrônicos, participa da faixa e divide vocais.
Quem alternava discos de R.E.M. e Nirvana no toca-discos lá para 1994 ou 1995 vai curtir Sanitized, uma balada meio sombria, com um ou outro ruído de guitarra. A tristonha Sketches, com violão e guitarra pedal steel, traz mais desilusões e dores de amores (“pensei que meu amor por você fosse eterno/acontece que durante todo esse tempo, eu nunca te amei/alguns de nós podem fazer um esboço de amor para se apaixonar/e eu fiz”).
No geral, What a relief (título irônico: “que alívio!”) alcança dores que vários artistas pop atuais não estão com muito saco de sentir. E mexe com sensibilidades bem complexas, como a percepção da partida dos pardais, do adoecimento das árvores e do sumiço de um amor, tudo poeticamente junto em Sparrow. Ou Sweet Abby girl, pop celestial, cantado com voz de anjo e realmente dolorido, sobre uma das cadelas de Katie, que morreu após ter uma parada cardíaca, durante a gravação do álbum.
O alívio de Katie deve ter surgido quanto ela colocou todas essas emoções para fora, enfim. Mas vale citar que a frase-título aparece justamente numa das músicas mais pitorescas e mais amadurecidas do disco, Keep walking, dos versos: “eu vi sua mãe no meu sonho/ela me chamou de babaca e eu me senti aliviada/e do nada veio uma nova clareza/eu fiz com você tudo o que você fez comigo (…)/que alívio saber que parte disso foi minha culpa/afinal você não era o vilão”.
Nota: 8
Gravadora: Saddest Factory
Crítica
Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.
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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.
Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.
Leia também:
- No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
- Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
- Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
- O som de 1994: descubra agora!
Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).
Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.
Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.
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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.
Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.
No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025
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Crítica
Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.
Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).
É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.
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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.
Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.
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