Crítica
Ouvimos: Kasabian, “Happenings”

- Happenings é o oitavo disco da banda britânica Kasabian, e o segundo após a saída do vocalista Tom Meighan, condenado por violência doméstica. Hoje a banda é formada por Serge Pizzorno (voz, composições, guitarra, teclados), Chris Edwards (baixo, teclados, vocais), Ian Matthews (bateria) e Tim Carter (guitarra, teclados, vocais).
- O disco novo foi definido por Pizzorno numa entrevista ao New Musical Express como “um disco pop, de certa forma – é apenas uma grande música após a outra”, diz. “Eu sempre gostei muito de músicas que te viram de cabeça para baixo. Você está em uma boate, consegue ouvir algo acontecendo e uma porta se abre”.
Com raras exceções, os discos do Kasabian sempre me fizeram achar que estava todo mundo ficando maluco. De uma hora pra outra, uma turma enorme tinha passado a gostar de uma banda que mexia em clichês do indie rock, sem acrescentar nada de tão brilhante assim. Há exceções na discografia: o primeiro álbum (epônimo, 2004) tem pérolas das festas indies, como Reason is treason e Club foot. O segundo disco, Empire (2006), deu uma dimensão quase stoner ao rock da Inglaterra na faixa-título e em Shoot the runner. Mas fora isso, havia pouca coisa de parar o trânsito ali, e muitas ideias boas desperdiçadas com soluções fáceis. Os fãs, bastante numerosos, nunca pareceram se importar.
Os números no Spotify do álbum anterior da banda, The alchemist’s euphoria (2022), mostram claramente que rola uma operação salva-Kasabian após os problemas enfrentados pelo grupo (o vocalista Tom Meighan foi saído após declarar-se culpado de agredir sua noiva, o guitarrista e principal compositor Serge Pizzorno decidiu assumir os vocais). A quantidade de reproduções das faixas é diminuta se comparada a de discos anteriores. Já Happenings, o novo disco, ainda não chamou tanto a atenção do público, como dá pra ver na própria plataforma. Mas destaca-se por ser o começo de uma fase nova para o Kasabian, que volta disposto a atirar longe até mesmo o conceito básico de “banda de rock”. E retorna mais inspirado ainda por hip hop, disco, música eletrônica, e toques new rave que aproximam o grupo de novidades como Master Peace.
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O disco abre mergulhado no synth pop em Darkest lullaby. Referências de estilos eletrônicos mais hardcore surgem aqui e ali em faixas como Call e How far you will go. Já Coming back to me good é um indie rock dançante tão bom, que soa mais como o começo de uma banda nova do que como uma tentativa de resgatar um grupo que já tem vários álbuns na discografia. O mesmo não acontece com Italian horror, no mesmo estilo, mas que soa mais como lembrança de grupos como Foster The People e Arctic Monkeys. Já a bacaninha Passengers traz o Kasabian tentando soar como um The Killers mais introspectivo, ou como um Coldplay menos derramado.
Happenings é marcado pela concisão – são músicas curtas e o álbum tem somente 28 minutos. Da mesma forma que discos grandes podem aporrinhar o saco pela falta de edição, um álbum curto precisa de menos pontes e de discurso direto. Com uma barriga a menos e uma coisa ou outra mais bem colocada, o Kasabian teria voltado na medida. Voltaram numa onda de “banda legal” e nada mais do que isso.
Nota: 6,5
Gravadora: Sony
Crítica
Ouvimos: Bruce Springsteen – “Tracks II: The lost albuns” (box set)

RESENHA: Caixa Tracks II: The lost albuns mostra os desafios e projetos secretos de Bruce Springsteen a partir dos anos 1990 – além de um álbum secreto “de garagem” dos anos 1980.
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Tem um detalhe que você vai perceber de cara quando começar a ouvir Tracks II: The lost albums, a nova caixa de Bruce Springsteen, cheia de álbuns que ele deixou gravados durante os anos 1980 e 1990. Não é uma caixa complexa de ouvir: você vai querer chegar até o final bem rápido como quem lê um livro excelente. E – caso raro nesse tipo de lançamento – a audição pode ser recomendada até a quem conhece bem pouco da obra de Bruce. São 83 faixas que passam voando.
O mergulho de Bruce em seu material antigo trouxe pela primeira vez, por exemplo, LA Garage Sessions ’83, álbum que faz a ponte entre o clima sombrio e introspectivo de Nebraska (1982) e a porrada arenística de Born in the USA (1984). Um som orgânico, cheio de silêncios, que mostra Bruce numa onda quase lo-fi – evidentemente não com as mesmas intenções e ideias da turma lo-fi de hoje em dia, mas isso nem precisava explicar. Faixas como a estilingada One love (que chega a lembrar Ramones) e Unsatisfied heart (rock gospel country com componente sombrio), são lições de simplicidade musical. Além da beleza de My hometown, que apareceria em Born in the USA (1984), e do protesto anti-KKK de The klansman, quase um pós-punk, dominado por sintetizadores.
- Relembrando: Keith Richards – Talk is cheap (1988)
- Ouvimos: Bruce Springsteen & E Street Band – Land of hope & dreams (EP)
LA Garage Sessions ’83, por sinal, é o único disco do box que traz o Bruce pré-We are the world, jovem e quase 100% confiante. Uma boa parte da caixa foi feita nos anos 1990, época que trouxe muitas dúvidas para o cantor. Logo no começo da década, Bruce se viu numa sinuca de bico, quando lançou dois discos simultâneos (Human touch e Lucky town, de 1992) sob olhares feios dos executivos da Columbia, que achavam que o catálogo de Bruce estava perdendo força. Foram só três discos na década e o melhor deles foi The ghost of Tom Joad (1995), acústico e sombrio – volta e meia comparado a Nebraska, mas o astral não é o mesmo e há integrantes da E Street Band participando.
Dois discos da caixa são assombrados (ai) por Tom Joad. Um deles é Somewhere North of Nashville, disco gravado quase ao mesmo tempo que ele, e que oscila entre o country e o rock antigo – chegando a lembrar em alguns momentos o lado mais vintage de Talk is cheap, primeiro disco solo de Keith Richards (1988). Não seria um grande destaque da carreira de Bruce se fosse lançado na época. E na real, esse disco só faria sentido se o astro de Born in the USA não fosse um artista de quem de se espera projetos grandiloquentes e vendagens astronômicas. Músicas como Repo man, Poor side of town (hit imortalizado por Johnny Rivers) e a releitura country de Janey, don’t you lose heart soam mais como distrações, enquanto Bruce tentava entender a década.
O outro é The streets of Philadelphia sessions, de 1994, feito antes da reunião de Bruce com a E Street Band, e que no imaginário dos fãs sempre foi o “disco eletrônico” do cantor, rebocado pelo tema do filme Philadelphia, gravado por ele em 1993. Bom, Blind spot, logo na abertura, parece um rascunho de Streets of Philadelphia, Between heaven and Earth, que vem bem depois, também. O batidão dance Maybe I don’t know iria assustar vários fãs da antiga, caso fosse lançado como single. O quase r&b Secret garden, idem.
The streets só não é o disco mais fora do padrão de Tracks II porque Bruce ainda resgatou Faithless, trilha sonora de um “faroeste espiritual” que nunca foi feito, em que seu som vai do ambient ao gospel, cabendo nada menos que três temas instrumentais – nesse disco, destaque para a beleza de All god’s children. E ainda inciuiu na caixa Inyo, um dos discos mais “chupa Trump!” do set, com mariachis, temas mexicanos e músicas sobre as fatias mais prejudicadas de toda e qualquer pirâmide da economia nos EUA.
- Lembra do Arc, do Neil Young?
Tracks II guarda mais duas surpresas. Uma delas é Twilight hours, álbum gravado em 2019 (ao mesmo tempo em que o disco Western stars era feito), com Bruce transformado em cantor e compositor de pop norte-americano clássico – o repertório tem até um samba de gringo na estileira de Sergio Mendes e Herb Alpert, Follow the sun.
Já Perfect world é (segundo Bruce) o único disco da caixa que não nasceu como um álbum, e talvez seja o melhor álbum da caixa, com músicas feitas entre os anos 1990 e 2000, e “coisas” que ameaçam sair do controle, como a mântrica You lifted me up, e Rain in the river – esta, um batidão ritmado e funkeado, cheio de ruídos de guitarra, quase um espelho das guitarrices de Neil Young na mesma época.
A sensação, ao final da audição de Tracks II, é de que ainda há muito de Bruce a ser descoberto – e há mesmo, já que a limpeza final do cofre só vai se dar com o lançamento da caixa Tracks III, que já foi até finalizada.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Columbia/Sony Music
Lançamento: 27 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Lùlù – “Lùlù”

RESENHA: Lùlù mistura punk, power pop e glam em italiano e francês, com ecos de Raspberries, Clash e Ramones. Clima de amor ansioso e barulho doce.
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O Lùlù vem da França, canta em italiano e francês, e faz punk e power pop – ou como eles costumam dizer, “canções de amor para os ansiosos e pérolas do glam rock para os sonhadores”. Você pode até dizer que não se trata de um som necessariamente original, mas provavelmente inovar não é a intenção deles, e a mistura de referências do grupo é ótima. Aponta para evocações de Bram Tchaikovsky, Raspberries, Big Star, Buzzcocks, The Jam e até pop italiano dos anos 1960.
Em Lùlù, o disco, rola até uma carta de amor musicada ao clube roqueiro favorito deles – Sonic, Lyon, em tom meio Ramones, meio surf music oitentista. Músicas como Lùlù e Ma si ma lo unem peso e melodia como se os músicos fosse imunes a influências do punk atual. Sogni d’oro, balada com clima sixties, é o tipo de música que os Raveonettes só gravariam se pudessem cobrir tudo com microfonias.
Sur la corde, punk anos 1990 unido com senso melódico do Clash, revela que o dia a dia do grupo tem sido de muita luta, talvez mais do que glórias. “E os amigos que a gente perde nessa furada / nas bandas de rock, a gente se ama, se irrita (…) / Quanto mais o tempo passa, mais meu coração se despedaça / debaixo do cobertor, a depressão me caça / e esse policial na minha cabeça não me larga”. O power pop Pugni in tasca (“punhos no bolso”), canção de selvageria dosada, idem: “Se você não gosta da minha música / se na sua parte da cidade me odeiam / diga isso na cara”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Howlin Banana Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Cleozinhu – “Cle01”

RESENHA: Mistura de slowcore, trap, dream pop e pós-punk, Cle01 mostra a versatilidade lo-fi e emotiva de Cleozinhu em 17 faixas gravadas entre 2022 e 2024.
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Tá aí um disco que escutamos com atraso: Cle01, estreia solo de Cleozinhu, saiu há quase um ano e só agora brotou da caixa de e-mails. O paulistano Cleozinhu faz parte da verdadeira árvore cheia de galhos que é a banda Duo Chipa, um trio com integrantes que vêm de lugares diferentes do país, e que se espalha por projetos como Manobra Feroz, Guandu, akaStefani e Elvi, além de participações em outros discos e bandas.
Cle01 soa como uma mistura de todos esses projetos, e como uma mescla de todos os períodos pelos quais essas bandas (e o próprio músico) passaram, já que são 17 faixas gravadas entre2022 e 2024. O disco usa uma programação bem rudimentar de bateria, põe vibes de baixa-fidelidade em boa parte do repertório, e soa às vezes próximo do slowcore do Guandu (Receio do futuro…, Com o vento) e das misturas entre sons violeiros e rock promovidas pelo Duo Chipa recentemente (a paraguaia Visão noturna).
O álbum também invade bastante a grande área do pós-punk, às vezes com guitarra limpa lembrando The Smiths, ou com climas que soam como um esqueleto do New Order ou dos Pixies, em faixas como Segredos e fagulhas, Bolsa e Olho pro céu sem medo (parte 2). Um detalhe é que Cleozinhu insere autotune e vocais de trap até mesmo quando a vibe está mais para a Legião Urbana de 1986 (Será q vc sente falta de mim), shoegaze (Com o vento) e dream pop (Dentre tantas palavras… algumas verdades).
Em Cle01 tem também climas quase radioheadianos (O último a esquecer), dream pop violeiro ($) e até um samba lo-fi (Triste final), com guitarra, violão e entorno melancólico, mesmo que esperançoso (“nem todos os que choram / precisam ter um triste final”, diz a letra).
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de agosto de 2024
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