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Crítica

Ouvimos: Ian Hunter, “You’re never alone with a schizophrenic” (2024 expanded edition)

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Ouvimos: Ian Hunter, “You’re never alone with a schizophrenic” (2024 expanded edition)

Tido como um dos maiores contadores de histórias do rock, o inglês Ian Hunter era do tipo que entregava os bastidores de sua primeira banda de sucesso, o Mott The Hoople, até nas músicas do grupo, sempre deixando claro que via o rock como um jogo de azar. Após alguns anos na tentativa, o Mott começou a fazer água quando se tornou uma banda de sucesso – e lá se foi Ian cantar a vitória e a derrota simultaneamente em músicas como Ballad of Mott The Hoople, Marionette e nas verdades secretas do showbusiness de Alice.

Nem tudo que Ian (ainda na ativa aos 85 anos) escreveu nos anos 1970 se sustenta nos dias de hoje – dada a paixão do cantor e compositor por temas que hoje em dia, podem soar bem politicamente incorretos, como no título deste You’re never alone with a schizophrenic, quarto disco do cantor, lançado originalmente em 1979. E cujo nome veio de uma pichação observada num banheiro pelo co-produtor do álbum, seu amigo Mick Ronson (ex-Spiders From Mars, de David Bowie).

Na época, Ian tentava levar sozinho adiante o circo meio glam meio pré-punk do Mott, uma banda que havia sido grande a ponto de Queen e Aerosmith brigarem para abrir seus shows no começo de suas carreiras. O som de seu trabalho solo era formatado por uma leitura de rock que começou a dar certo justamente na segunda metade dos anos 1970: a da turma que podia soar tanto novidadeira quanto revisionista, que simultaneamente se confundia com estilos como punk, new wave e power pop, e com a vontade de ser “o último grande heroi” do rock. Uma sonoridade que seria considerada uma baita caretice no começo dos anos 1970 e talvez desse mais motivos para o punk fazer uma varredura no rock – aliás, Ships, uma balada contemplativa desse disco, foi gravada quase na mesma época pelo brega-pop Barry Manilow, cuja versão entrou até na trilha da novela Água viva (1980).

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Não por acaso Schizophrenic tem participações de uma turma ligada à E Street Band, de Bruce Springsteen: Roy Bittan nos teclados, Max Weinberg na bateria e Gary Tallent no baixo, unidos a músicos experientes como o saxofonista George Young e até a ninguém menos que o ex-Velvet Underground John Cale, tocando piano e sintetizador em Bastard. Esse som mais tradicionalista, mas reembalado e reposicionado, domina músicas como Just another night, When the daylight comes, Wild east e em especial, um dos hits do disco, Cleveland rocks, aberta com uma locução do radalista roqueiro Alan Freed – e que era uma homenagem à cidade e suas peculiaridades.

Life after death, um mini-musical roqueiro e operístico que lembra o Queen, soa como o próprio Mott The Hoople havia soado em seu último disco com Ian Hunter nos vocais e na composição, The Hoople (1974). E a grande curiosidade é Bastard, praticamente uma imitação hard rock do estilo de Mick Jagger e dos Rolling Stones no disco Some girls (1978). Já o lado de compositor de baladas desconsoladas surge em faixas como Standin’ in my light. No encerramento de Schizophrenic, o gospel fora-da-lei The outsider (“nada segura o marginal”, jura a letra).

You’re never alone with a schizophrenic fez sucesso e tirou Ian do limbo no qual ele ameaçava cair (seus dois discos anteriores não tinham conseguido boas vendas e ele saíra da Columbia após um episódio bizarro envolvendo a demissão de seu empresário). Completando o relançamento, um segundo disco com demos e “primeiras versões” de músicas – Ships, com guitarra, baixo, bateria e órgão, ficou a cara de All the young dudes, presente de Bowie para o Mott The Hoople, e que mudou a carreira da banda. Just another night, em versão inicial, traz Mick Ronson e sua guitarra à frente, emulando o estilão de Keith Richards e deixando claro o quanto os Stones setentistas eram verdadeiramente uma matriz para Ian Hunter e sua turma. Em meio a isso, os personagens criados por Ian, e o ranço que emanava de cada um deles.

Nota: 8,5
Gravadora: Chrysalis

Crítica

Ouvimos: Peter Murphy – “Silver shade”

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Ouvimos: Peter Murphy - "Silver shade"

RESENHA: No novo álbum, Silver shade, Peter Murphy mistura pós-punk, darkwave e clima Bowie anos 1990 – tem coisas boas, mas parece distante do brilho de seus discos clássicos.

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Vou começar a resenha com uma pergunta a você, que ouviu Silver shade antes de mim (o disco foi lançado tem alguns meses): você curtiu o novo disco de Peter Murphy de verdade, ou fui eu que impliquei com certos detalhes dele?

Eu já comecei a achar que havia algo estranho nesse disco por causa da capa – o rosto do ex-cantor do Bauhaus se transforma numa “coisa” metálica que mais lembra uma daquelas travessas de aço inox que só saem do armário para servir o peru de Natal, ou os cabos de talheres antigos do tempo de vovó garota. A voz de Peter continua impostada, lá em cima, mas ganhou um ligeiro tom canastrão que causa certas dúvidas. Swoon e Hut boy, dois temas darkwave de quatro costados que abrem o álbum, vão nessa linha.

Apesar da abertura em tom sombrio e eletrônico, Silver shade é na maior parte do tempo um disco que une pós-punk, alguns climas progressivos de FM e vibes trevosas. Sherpa é pós-punk de base “dark”, a faixa-título soa quase grunge, The artroom wonder soa bastante parecida com o começo da fase anos 1990 de David Bowie, e vai por aí. Já a enorme The meaning of my life parece um Duran Duran sombrio, reflexivo e meio pesado.

O canto de Bowie paira também sobre as duas melhores músicas do disco, Xavier new boy e Cochita is lame – essa última, com clima chique ligado à música dos anos 1960 e a trilhas de filmes policiais. Peter invade a pequena área do rock pauleira em Soothsayer e soa exagerado e meio (vá lá) cafona em faixas como Time waits e The salimaker’s charm (que soa como um Pink Floyd anos 1980 travado). Let the flowers grow, com Boy George, é meditativa, meio deprê e ressoa bem.

Silver shade tem méritos – e é Peter Murphy na atividade, ora bolas. Mas do começo ao fim você vai esperar algo gracioso como as faixas de discos antigos do cantor do Bauhaus, como Love hysteria (1988) e Deep (1989), e não vai achar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 7
Gravadora: Metropolis Records
Lançamento: 9 de maio de 2025

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Crítica

Ouvimos: La Flemme – “La fête”

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Garage rock francês com cowpunk, surf e noise: La fête, estreia do La Flemme, é barulhento, blasé e cheio de boas ideias.

RESENHA: Garage rock francês com cowpunk, surf e noise: La fête, estreia do La Flemme, é barulhento, blasé e cheio de boas ideias.

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O garage rock francês vai muito bem, obrigado. O La Flemme, em seu primeiro álbum, La fête, mostra-se uma banda de garagem com tendências a abarcar estilos como o bom e velho cowpunk (a faixa-título, dos versos exaustos “os jovens querem festejar / a preguiça”, repetidos o tempo todo), a surf music dos anos 1960 (a melô do pássaro do mau agouro Oiseau, e Laissez-moi tranquile) e até noise rock – esse, nos ruídos finais de Marre de vous e Demain.

O La Flemme tem bastante ligação com o pop francês, embora isso não seja esfregado na cara de quem ouve – dá para perceber no clima chique e irônico do pós-punk Le petit du camas, com vocais falando lembrando Serge Gainsbourg, e na brincadeira ruidosa e quase psicodélica de Mer azur. Um verdadeiro ET em La fête é Tunnel, um garage rock psicodélico, espacial e instrumental de quase sete minutos, com várias partes que migram para um clima quase stoner. O tipo de faixa que na era do CD talvez virasse um bônus escondido – com uma vibe não tão representativa da banda.

  • Ouvimos: Lùlù – Lùlù
  • Space: quando a França levou a disco music para o espaço

Em boa parte das letras de La fête, o narrador é o personagem que já está de saco cheio das mesmas pessoas e situações, como no perrengue alcoólico de Demain, e no tédio geral de Sans fond (“vamos falar pouco, mas vamos falar de verdade / nunca sem dizer nada / isso me entendia!”) e de Laissez-moi tranquile (“me deixem em paz”, em bom português). Um disco de estreia bacana, barulhento e cheio de atitude blasé.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de abril de 2025

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Crítica

Ouvimos: Araúnas – “Relva”

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Araúnas estreia com Relva, disco que mistura noise rock, psicodelia e brasilidades em faixas experimentais e cheias de climas mutantes.

RESENHA: Araúnas estreia com Relva, disco que mistura noise rock, psicodelia e brasilidades em faixas experimentais e cheias de climas mutantes.

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A banda sergipana Araúnas já se chamou Amagatos e Relva – e preferiu adotar esse último nome para chamar seu primeiro álbum, dedicado a uma união desconcertante de noise rock e psicodelia. Victor Caldas (vozes e guitarra), Guilherme Mateus (vozes e bateria), Guilherme Bagio (guitarra) e João Pedro França (baixo) também inserem partículas de brasilidade em seu som, vistas em linhas vocais e em algumas células rítmicas que surgem nas músicas.

Relva, o disco, abre com algo que poderia estar no Paebiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes – a música natural da vinheta Natureza morta. Mostra sua verdadeira face com o indie rock de Bento – que prossegue ganhando guitarras ruidosas – e com o noise brasileiro de Panorama. Sumidouro é repleta de variações: começa ameaçando um samba, continua numa onda quase 60’s e vai ganhando um design musical pós-punk. A percussiva e libertária Ana foge e descobre a noite tem uma onda macia e dissonante que faz lembrar, ao mesmo tempo, Smiths e Pink Floyd.

O ex-grupo de Roger Waters também é devidamente louvado na meditativa Corre, com participação de Yves Deluc (Cidade Dormitório) e climas que lembram o disco Atom heart mother (1970). Desamparo é um indie-samba-rock de quase seis minutos e Alto-mar (com Danilo Garcez, do Ventocais) soa como uma esquina entre grunge e pós-punk. No fim, sons marítimos e clima tranquilo na bossa Música do mar, que fecha o ciclo de Relva.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 29 de maio de 2025.

  • Ouvimos: 43duo – Sã verdade (EP)
  • Ouvimos: Beto – Matriz infinita do sonho
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