Crítica
Ouvimos: Flaira Ferro, “Afeto radical”

Com quatro álbuns na discografia, a pernambucana Flaira Ferro fez de Afeto radical uma carta de amor à MPB dos anos 1990. Aquela, que deu fama à diversidade de Chico Science, Lenine, Pedro Luis e Cássia Eller – alguns deles, nomes que vinham até de outros tempos.
O disco é também um manifesto por novos tempos e mudanças políticas e existenciais. Lenine, o próprio, solta a voz na faixa-título, pop recifense pesado e rápido cuja letra evoca “um quê de permissão / pra ser o que der na telha / um quê de permissão / pro afeto radical”. Irrelevar é soft MPB com percussão, piano Rhodes e clima quase gospel, com palmas e uma letra-oração que pede: “faça com que eu não caiba dentro da caixinha”.
O álbum de Flaira adota clima clássico de MPB nordestina nas violas de Sabe, no clima jazzístico e dançante de Dança da estrela, e no forró-rock de Os ânimos, com participação de Elba Ramalho – uma música que se torna um frevo agitado no final. Já Baleia é um forró marítimo e espacial, e Grão de dentro é MPB orquestral com tons de reggae.
Afeto radical também espalha brasa para a indústria alimentícia (“índústria do câncer escrota”) na MPB abolerada e pop de Refeição, para o anti-capitalismo e anti-despotismo no frevo Lacre e para o velho vício de “vencer na vida” no folk brasileiro Amigo, amigo. Afeto radical é um manifesto assertivo sobre como a vida poderia – e talvez precisasse – ser em 2025, com peso, propósito e som de chão.
Nota: 8,5
Gravadora: Tropical Gold
Lançamento: 28 de março de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Janine Mathias – “O rap do meu samba”

RESENHA: Janine Mathias une samba, soul e rap em O rap do meu samba, disco moderno que celebra resistência, ancestralidade e groove.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: YB Music
Lançamento: 7 de outubro de 2025
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Cantora brasiliense produzida pelo paulistano Rodrigo Campos, Janine Mathias faz os anos 1960 e 1970 se encontrarem com 2025 em O rap do meu samba. É basicamente um álbum de samba com clima soul, e que em vários momentos, soa como um disco arranjado por João Donato, com participação do Som Imaginário, como acontece no piano Rhodes sinuoso do single Um minuto, na guitarra distorcida de Enredo de Angola e Me enfeita, e na bateria forte, abafada, que surge em introduções e viradas de várias canções.
- Ouvimos: Pero Manzé – Ave, êxodo!
O ar moderno do disco surge nos vocais com fraseado de rap, nas texturas que parecem quase sólidas, e na vibe de empoderamento pessoal, existencial e político de músicas como Deixa pra lá (hino de resistência que lembra as canções gravadas por Sonia Santos), o soul-funk-samba Me ilumina, e na onda vintage, marcada por uso de órgão, de Quando o couro bate na mão – esta, um canto de reação e de briga, que fala em “silenciar o senhor / a verdadeira abolição”.
Devoção, com melodia belíssima, une samba, reggae, soul e umbanda, e A Bahia virá rende um clima de afrobeat jazzístico. Na releitura de Barracão é seu, de João da Gente, imortalizada por Clementina de Jesus, prato, faca e samba de roda combinam-se com raps feito por Janine e pelo convidado Criolo.
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Crítica
Ouvimos: Lucas Grill – “Grill – O rei do Deprê Chic”

RESENHA: Estreia solo de Lucas Grill mistura blues, folk, pós-punk e MPB em um disco de sofrência existencial e melancolia pensante, que ele classifica como “deprê chic”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 2 de outubro de 2025
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Cantor e compositor de Niterói, Lucas Grill estreia solo com O rei do Deprê Chic, disco que, na real, traz mais uma ordenação sonora do que a inauguração de um estilo. Lucas abriu uma gaveta musical e, dentro dela, inseriu elementos de blues, folk, vibes góticas, um ou outro elemento do pós-punk e do dream pop, além de referências de Zeca Baleiro e Belchior, e do som popularíssimo de José Augusto e Fernando Mendes.
Isso tudo junto, em doses nem sempre iguais, forma o som do álbum de Lucas, que se apresenta ao público na vinheta O terror de tudo. E em seguida, se joga na melancolia e na redenção de O preço das luas, balada com ar blues que prega que “a vida não é evitar de cair / é sobre levantar”, e na filosofia pessoal do folk Loser, música de versos como “tem um lado meu que nunca quer acordar / e se diverte jogando no breu / o meu medo é descobrir que esse lado venceu”.
- Ouvimos: Eduardo Pereira – Canções de amor ao vento
Lucas não fala apenas de amor. Na verdade O rei do Deprê Chic mexe mais em temas existenciais, e mesmo quando fala de romantismo, busca falar de vida, existência e trens que partem independentemente da nossa vontade. Nessa ontem, tem o amor que vai pros cacetes em A gnt n é assim (balada deprê lembrando um misto de Cranberries e Echo and The Bunnymen) e Moldura quebrada, a dor de cotovelo de Estrago (com Barbara Savie) e a mescla de Sullivan, Massadas e pop funkeado de Poesia na chuva, música que fala sobre fingir normalidade após o fim de um relacionamento. Valsinha, com Clara Coral dividindo as vozes, leva a O rei do Deprê Chic um clima de sonho acordado que quase não surge no disco.
No fim, Grill surge cantando ao vivo Não é nostalgia, canção de voz-e-guitarra com clima bem humorado (“essa não fala de coração partido, mas fala um pouquinho”, avisa ele) e unindo Cazuza, Zeca Baleiro e Raul Seixas em versos como “eu ando achando tudo um saco, mas acho que o saco sou eu”. No geral, um disco de sofrência pensante.
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Crítica
Ouvimos: Pavement – “Hecklers choice – Big gums and heavy lifters” (coletânea)

RESENHA: Coletânea irônica do Pavement, Hecklers choice reúne hits e lados B que viraram virais, reafirmando a influência e o humor do indie noventista.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Matador
Lançamento: 18 de setembro de 2025
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Lembra quando saíam séries de coletâneas como “Os grandes sucessos de fulano/fulana”? Muitas vezes com uma lista de músicas que trazia apenas um ou dois hits (porque a ideia na prática era aproveitar o êxito do artista em outra gravadora e tentar reposicionar o material fracassado que ele deixou em outro selo)? Pois bem, hoje em dia, com as redes sociais e as plataformas digitais, qualquer música pouco lembrada pode viralizar de uma hora pra outra e virar hit – sabemos que você sabe disso, mas é só pra contextualizar.
O Pavement sentiu isso quando Harness your hopes, um lado B de compacto do grupo, lançado no fim dos anos 1990, virou sucesso na pandemia. Isso teria acontecido graças à função autoplay do Spotify e às manias momentâneas do Tik Tok (contamos essa história aqui). Mas o fato é que não rolou só com Harness: muita coisa do Pavement andou sendo devidamente recordada nos últimos tempos. Mais do que isso: a nova história do indie rock simplesmente não pode ser contada sem a influência do Pavement e de sua sonoridade despojada e inspirada – já que a cada dia parece que descobrem uma banda nova que ama o som de Stephen Malkmus e seus amigos.
Corta para Hecklers choice, coletânea de hits “virais” do Pavement, que mesmo tendo esse ar de “os grandes sucessos” (ou “a arte de Pavement”), patina na ironia e na corrosão conhecidas do grupo. A começar pelo título do disco – heckler é um termo britânico usado para definir aquelas pessoas sem-noção que atrapalham peças, shows e discursos para falar coisas.
- Ouvimos: Half Japanese – Adventure
Não que o Pavement tenha desprezo pelos seus próprios hits, até porque a compilação cai dentríssimo do material de Crooked rain, crooked rain (1994), segundo álbum, com faixas como Cut your hair, Gold soundz, a provocativa Range life. E, claro, traz também Harness your hopes e Spit on a stranger – essa última, um hit do álbum Terror twilight (1999), e uma baita balada que muita gente põe na conta do Radiohead (faz sentido, já que Nigel Godrich, costumeiro produtor da turma de Thom Yorke, cuidou desse disco).
A estreia Slanted and enchanted (1992) foi deixada de lado aqui em nome de músicas como a ruidosa Stereo, e de canções que mostram que sempre houve “algo” mais acessível na argamassa do Pavement. O grupo fez balada com ar country (a linda Major Leagues), promoveu uma curiosa união de Nirvana e Roy Orbison (Shady lane) e apresentou também canções que lembram aquela ocasião em que Bob Dylan se apresentou com uma banda punk novata na TV (Unfair, Date w/IKEA). Já Summer babe, com um pouco mais de intensidade sonora, chega perto do shoegaze.
Com o passar do tempo, dá para perceber também o quanto o piano do finalzinho de Range life deve às intervenções de Nicky Hopkins nos discos setentistas dos Rolling Stones – e até a álbuns clássicos como Blonde on blonde, de Bob Dylan (1966). Hecklers choice é o relatório das vezes em que o Pavement decidiu brincar de “escalar” a banda – e das vezes em que o destino fez isso por eles.
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