Crítica
Ouvimos: Djonga, “Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!”

Boa parte da audição de Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!, novo disco de Djonga, dá vontade de dizer: “Para! Descansa! Respira!” O rapper mineiro despeja versos em um fluxo incessante, costurando sílabas entre uma frase e outra, fazendo as palavras se encaixarem em uma métrica própria – que, de certa forma, dialoga com o sotaque das Minas Gerais, cheio de abreviações e recriações do português.
Isso não é um problema, longe disso. É, na verdade, impressionante como Gustavo Pereira Marques – nome de batismo de Djonga – empilha histórias e batidas com intensidade. Quanto mais eu como, mais fome eu sinto! pede para ser ouvido com o encarte das letras em mãos. Faixas como Fome, onde a história de Exu é contada pelo próprio rapper, Qq cê quer aqui, Ponto de vista e PRRT! carregam um peso emocional que remete ao rap de BNegão, mas com um fôlego impressionante, como se as rimas fossem fruto de descobertas recentes ou de energias represadas há anos.
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Além da velocidade alucinante, Djonga também brinca com a melodia, variando linhas vocais e deixando diferentes flows coexistirem na mesma faixa. Isso fica evidente em Real demais e João e Maria, onde ele solta o verso guerrilheiro: “Tá pra nascer / alguém que faça essa guerra parar de ter sentido pra mim”. O encontro com a MPB que BK’ realizou em seu disco Diamantes, lágrimas e rostos pra esquecer (resenhado aqui) também acontece aqui em clima mineiro, com Samuel Rosa dando ar de rodinha de violão a Te espero lá e Milton Nascimento (carioca criado em Minas) soltando a voz em Demoro a dormir, canção sobre pessoas que ficaram para trás, com citação do filme Ainda estou aqui.
Bom, tem também o sample de Último romance, dos Los Hermanos, que soa como um enxerto meio excessivo na romântica e emotiva Melhor que ontem. Por outro lado, Dora Morelenbaum dá um ar doce a Ainda, um rap romântico e idealista, de briga, ainda que lembre do amor e das coisas da vida (“ainda que o pouco fosse tudo para nós / a gente teria a gente”). Pode ser que Djonga, em outro disco, queira alinhar uma participação de Gilberto Gil. O baiano, mesmo não cantando no disco, está presente – graças a lembranças de Vamos fugir e Não chore mais nas letras do rapper. E teria sido uma excelente adição ao universo afrobrasileiro e sonhador de Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!
Nota: 9
Gravadora: A Quadrilha
Lançamento: 13 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Benefits, “Constant noise”

O maior benefício (sim, é um trocadilho idiota) do Benefits é mostrar que ainda é possível inovar no pós-punk. Mesmo que à custa da popularização do seu som, já que o que se ouve em Constant noise, segundo disco da dupla (Kingsley Hall e Robbie Major, os nomes dos sujeitos), é uma mistura de ambient, punk, eletrorock, metal e krautrock com vocais falados.
Não, não são raps. A música da dupla é uma onda constante de spoken word, com vocais cuspidos e frases raivosas como “estou olhando para uma montanha de merda”, “promessas se transformam em mentiras, que se transformam em promessas / e aí eles morrem”, “um homem na TV diz que mísseis estão disparando / e interrompe minha thread social”. Quase sempre o alvo é o ser humano perdido em meio a redes sociais, notícias a todo momento, burnout e cérebro apodrecendo.
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Constant noise é um disco que Kingsley definiu à Rolling Stone britânica como sendo “muito mais raivoso que o anterior” (a estreia Nails, de 2023). Ele também contou que sua voz saiu “fodida” da gravação do disco, ainda que os gritos se resumam à faixa Lies and fear, punk-metal pesado, batido intermitentemente na bateria e nas guitarras, com torrente de ruídos no final. A faixa-título, que abre o álbum, traz um coral perturbador de uma nota só ao fundo, até que a música se transforma numa faixa sintetizada e introspectiva. Land of the tyrants, com Zera Tonin nos vocais sussurrados, fala sobre o fim de todo tipo de virtude (“salve o ladrão / nesta terra dos tiranos”) em meio a um clima dançante e estranho. The victory lap é quase um drum’n bass.
Já a guerrilheira Missiles, estranhamente, é uma das primeiras vezes em que a narração do disco se torna calma – ainda que seja uma canção anti-guerra de seis minutos, com teclados em tom apocalíptico. Outra mudança rola em Blame, única faixa do disco a ter vibe de rap, com batidão dance cavernoso e teclados que parecem sonorizar a imagem de várias luzes se digladiando. Prosseguindo, tem o clima espacial e sombrio de Continual, uma espécie de samba-jazz ambient em Divide, um aceno à fantasmagoria do Radiohead em Everything is going to be alright e um jazz experimental e fúnebre em Terror forever.
Constant noise tem também duas canções que caminham do pop oitentista ao eletrônico lúgubre, Relentless e Dancing on the tables. Além da tempestade sonora (anunciada por um coral fantasmagórico e por uma letra que fala em cidades-quase-fantasma) em The brambles, e de uma rara música cantada, a destrutiva Burnt out family home. O Benefits não faz concessões, mas pode se tornar uma obsessão para quem busca música densa, perturbadora e implacável.
Nota: 9
Gravadora: Invada Records UK
Lançamento: 21 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Nova Materia, “Current mutations”

Duo trevoso, meio francês, meio chileno, o Nova Materia descende do Panico, uma banda chilena de pós-punk que promovia uniões sonoras com ritmos latino-americanos. No EP Current mutations, Caroline Chaspoul e Eduardo Henriquez parecem mais interessados em promover mutações sonoras que passam pela experimentação synthpop. Lo que no entiendes, na abertura, está mais para um krautrock torto, com vocais falados e teclados distorcidos. Fictions of myself abre com um batidão que lembra um baile funk (alguns trechos vocais lembram alguém testando o som), descambando num eletrorock furioso.
Invisible flows tem tom tranquilo, mesmo com a batida constante e as vozes distorcidas – um som que começa como uma viagem etérea e aos poucos ganha contornos mais sombrios. Change mutate transformation, no final, traz o Nova Materia em um rock eletrônico de pegada quase industrial, guiado por ruídos de guitarra e teclado. O resultado é uma mistura intrigante: dançante e gótica, como um relaxamento imerso nas sombras.
Nota: 8
Gravadora: Beta Pictoris Music/Modulor
Lançamento: 7 de março de 2025.
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Crítica
Ouvimos: T. Greguol, “Coisa”

Seguindo a onda de Bum, disco anterior do músico paulista T. Greguol (resenhado aqui), Coisa é uma experiência, mais do que um álbum de música comum. Bum partiu de um teorema matemático, que chegou a ser a transcrito no encarte do álbum pelo matemático especialista em ciências de dados David Cecchini. Dessa vez, a ideia foi quebrar algumas regras e não seguir o manual tão à risca.
Greguol chamou 14 músicos, distribuiu tarefas e separou as performances deles em blocos. Coisa, tema de 11:30 que abre o disco, traz todo mundo junto, fazendo um som que vai do afro jazz ao som de grupos como Captain Beefheart & His Magic Band e Pink Floyd (o final tem algo de Interestellar overdrive). Guitarras distorcidas tomam conta da faixa, enquanto metais e uma bateria quase metálica chegam na sequência – e vozes percussivas unem-se aos batidões de tambor, como numa selva sonora. Nas gravações, Greguol gravou percussão tocando pela casa e “no saxofone, tentei errar tudo”, como conta.
Trazendo as performances separadas de blocos de músicos, as outras faixas praticamente recriam a música, como no batuque afro de Apeieio amimí aiôio, o jazz punk sabbathiano de Iva subiva caíva, a quase psicodelia de Malólia e a selvageria de Pexô mimí, com metais soando como animais levantando da hibernação.
Nota: 8
Gravadora: Independente.
Lançamento: 1 de fevereiro de 2025
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