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Crítica

Ouvimos: Destroyer, “Dan’s boogie”

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Ouvimos: Destroyer, “Dan’s boogie”

Aos 52 anos, Dan Bejar, criador do Destroyer, considera que está ficando velho – foi ele mesmo quem usou esse termo em uma entrevista reveladora à newsletter Last Donut of the Night. “No showbiz, você nem deveria mencionar sua idade, porque a pior coisa que você pode fazer é ser velho”, afirmou. Bejar acrescentou que Dan’s Boogie, novo álbum do Destroyer, foi bastante influenciado por essa percepção: a de alguém que começa a ver amigos morrerem, prédios que faziam parte de sua rotina desabarem e jovens falando um idioma novo repleta de gírias desconhecidas.

Lidar com o etarismo no mercado já é complicado para quem é famoso, rico e extremamente bem-sucedido – que o digam Madonna e Keith Richards. Para artistas do meio indie, que não têm a mesma fama nem os mesmos recursos, e muitas vezes precisam acumular funções (são “empresários” de dia e artistas à noite, isso quando não precisam equilibrar a agenda com um trabalho que pague os boletos), a situação é ainda mais desafiadora. Por sinal, um detalhe sobre Dan’s boogie: desta vez, diferentemente dos álbuns anteriores do Destroyer, Dan Bejar precisou lutar para compor. Ele teve que se disciplinar, sentando-se diariamente para escrever novas músicas, como um funcionário de escritório que precisa entregar relatórios toda tarde.

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Curiosamente, e talvez por causa disso, Dan’s boogie é um disco absolutamente sonhador, escapista, bolado como se fosse uma continuação do David Bowie de Hunky dory e Diamond dogs, ou como um rock referenciado em Burt Bacharach e Serge Gainsbourg. O tom de grandiloquência cool de Dan’s boogie pede cordas, piano, corais e evocações de música orquestral dos anos 1960 e 1970 em faixas como The same thing as nothing as all, Hydroplane off the edge of the world e a valsa pop e espacial de I materialize e da faixa-título. Tudo isso parece pop de outro mundo, ou de outros tempos.

Dan’s boogie faz uma espécie de pop voador, que parece vir em alguns momentos do espaço sideral – é o som das baladas Travel light e Ignoramus of love, do quase trip hop Bologna, das gotas sonoras da jazzística e quase clássica Sun meet snow e dos quase oito minutos de Cataract time, pop meditativo, que abre como uma espécie de post rock dançante, e que a maior parte do tempo, soa como uma versão paralela do Roxy Music, mais voltada para os experimentalismos musicais.

Em termos de letras, fica quase impossível não enxergar o próprio autor em cada momento do álbum, nos mais felizes e nos mais tristes. É só esbarrar em versos como “essa é a vida, muitos quase acertos / alguns erros”, “os tolos entram correndo / mas eles são os únicos com coragem”, “a quem eu recorro? / para onde eu corro? / o que fiz para merecer esta sensação de felicidade?” e na destruição amorosa de Sun meet snow. Dan’s boogie não necessariamente conta uma história com começo, meio e fim, mas joga fibras de vida na cara do/da ouvinte.

Nota: 9
Gravadora: Merge Records
Lançamento: 28 de maio de 2025.

Crítica

Ouvimos: Lexi Jones, “Xandri”

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Ouvimos: Lexi Jones, “Xandri”

A expressão “lançamento silencioso” acaba de ganhar um novo significado: Alexandria Zahra Jones – ou Lexi Jones, filha de David Bowie – lançou seu primeiro álbum, Xandri, praticamente sem alarde, chegando aos ouvidos de críticos e ouvintes em ritmo desacelerado. Quem a acompanha no Instagram sabia o que estava por vir, já que Lexi vinha falando do disco por lá. Mas veja bem: é a filha de David Bowie, e o disco saiu devagar, sem que muita gente percebesse.

O título Xandri vem do grego e faz referência a um “defensor da humanidade” – o que pode sugerir, num primeiro momento, uma tentativa de criar um Ziggy Stardust próprio. Mas não é bem por aí: a personagem de Xandri parece ser a própria Lexi, num trabalho bastante confessional. E a pergunta que paira no ar é inevitável: vale a pena ouvir?

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A resposta é sim. A voz de Lexi Jones às vezes evoca a frieza elegante de Nico, em outras momentos lembra o calor de Bobbie Gentry. Suas composições usam a repetição como recurso estético, não como vício. Faixas como Along the road e Let me go têm uma atmosfera gélida, remetendo à fase berlinense de Bowie ou às texturas de Brian Eno, com pianos sequenciados, dissonâncias suaves e batidas que flertam com o eletrônico. Já Crack of me lembra algo entre Gigantic, dos Pixies (por sinal, uma música que Bowie adorava e até gravou), e Patti Smith, só que com uma energia tipicamente anos 1990.

Se for para buscar paralelos entre Lexi e o pai, talvez o principal seja a busca de soluções melódicas simples e pegajosas – aquele tipo de “cola” que alimenta o pop, ou deveria alimentar – mas dentro de experimentalismos particulares. In the almost, uma das melhores faixas, mistura rock e country com leveza. Já Moral compass aposta em um clima sofisticado e nostálgico, unindo dois templates em áreas diferentes do arranjo: um clima soul e sessentista, e outro com base no indie-pop e no r&b. Essa busca por sons novos também aparece na cigana The passage unseen e na fantasmagórica The rush of the absurd. E em todo o disco.

Xandri é um disco que provoca, desde o início, aquela sensação de estranhamento bom – o tipo de som que, quando toca em algum lugar, faz você parar e se perguntar: “que música é essa?”. É um disco que aponta caminhos interessantes para uma artista que parece mais interessada em construir sua própria voz do que em aproveitar a herança.

Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 2 de abril de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Σtella, “Adagio”

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Ouvimos: Σtella, “Adagio”

Σtella Chronopoulou (ou como ela se apresenta nas redes sociais, “Stella com sigma”) chamou a atenção há alguns anos por ter sido a primeira cantora grega contratada pela Sub Pop. Seus quatro álbuns anteriores traziam sons que giravam em torno do synthpop, com climas diferentes – e por trazerem uma visão particular de música pop, como algo ouvido à distância. Distância essa que se torna um pouco mais enevoada em Adagio, quinto disco de Σtella.

O novo disco dela é basicamente um álbum pop, só que reduzido a um mínimo necessário – os sons são esparsos, os vocais e a instrumentação têm bastante eco, tudo soa ambient e tecnológico, mas um “tecnológico” vintage. E um pop vintage, já que Adagio chega perto da new bossa eletrônica em vários momentos, como na faixa-título e na sintomática Baby Brazil, com participação do músico Las Palabras. Ao mesmo tempo que tem algo de Matt Bianco e Style Council ali, tem também uma suposta tentativa de se parecer com Sade Adu, ou Nara Leão, ou com uma Kate Bush indie.

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Can I say tem a mesma estileira new bossa, lembrando uma demo dos anos 1980 que em 2025 foi completada em estúdio. 80 days lembra Kate Bush, mas é um som acústico e levemente brasileiro. Too poor é a música do disco que tem mais cara dream pop: um r&b leve e cintilante, com vocais com certo drama. Ta vimata é som cigano e grego, tocado com dois violões e uma percussão, que tornam a música algo mais próximo dos Gipsy Kings. No final, Caravan lembra um easy listening dos anos 1960 e 1970, mas com base dançante e guitarra estilo Theme from SWAT. Um pop diferente e envolto em mistério.

Nota: 8,5
Gravadora: Sub Pop
Lançamento: 4 de abril de 2025

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Crítica

Ouvimos: The Ophelias, “Spring grove”

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Ouvimos: The Ophelias, “Spring grove”

Boa parte do material do novo disco do The Ophelias, Spring grove, foi pinçado de coisas do passado – agendas e diários antigos da vocalista Spencer Peppet serviram de inspiração para as músicas novas. Como resultado, um disco com uma poética bastante crua ao falar de amores que já se foram. Tudo emoldurado por um clima sombrio, dividido entre extremos, o folk e o noise pop – e cuidado de perto pela produtora Julien Baker.

Justamente por ter Julien na produção, Spring grove é recomendado para quem curte o Boygenius, banda da qual ela participa, além dos trabalhos das integrantes do grupo. Só que The Ophelias, mesmo quando adotam violões e sons mais tranquilos, têm uma relação prodigiosa com o barulho musical.

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O ruído ameaça surgir em músicas como Open sky e Cumulonimbus, e dá um tom misterioso e impreciso, como numa foto envelhecida, à faixa-título. Em Vulture tree, canção de versos estranhos (“os especialistas dizem para limpar a dor / para incendiar sua memória / mas os pássaros na árvore estão rindo / eles sabem que é um jogo”), o clima é montanhês – mas a montanha está nas sombras.

Lá por certa altura do disco, as guitarras começam a ficar mais altas e formam paredes espessas. Salome tem certa cara de Pixies, Cicada é guitar rock com delicadeza e clima estradeiro, Parade é um folk triste e quase ternário em que as guitarras vão surgindo, Snapshooter e Say to you são sons de quem ouve tanto Suzanne Vega quanto Hüsker Dü. Crow, por sua vez, é um soft rock ligeiramente hipnotizante, graças às cordas, aos vocais e a uma letra em que a autoestima lambe o chão (“eu posso rastrear seu paradeiro / eu me acalmo antes de enviar uma mensagem / como se pudesse te segurar contra sua vontade”).

Nota: 8,5
Gravadora: Get Better Records
Lançamento: 4 de abril de 2025

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