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Crítica

Ouvimos: Body Count, “Merciless”

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Ouvimos: Body Count, “Merciless”
  • Merciless é o oitavo álbum do grupo de metal norte-americano Body Count. O material foi todo produzido por Ice-T, Vincent Price e Will Putney. Corpsegrinder (Cannibal Corpse), Howard Jones (Light The Torch), Joe Bad e Max Cavalera (Soulfly, Cavalera Conspiracy) fazem participações especiais, e David Gilmour toca guitarra na versão rap-metal de Comfortably numb, do Pink Floyd.
  • A banda hoje tem na formação Ice-T (voz), Ernie C (guitarra solo), Vincent Price (baixo, teclados), Juan Of The Dead (guitarra), Will “Ill Will” Dorsey Jr (bateria), Sean E Sean (sampler, backing vocals) e o filho de Ice T, Tracy “Little Ice” Marrow Jr (backing vocals).
  • Vincent Price contou ao site Devolution que Ice T desafiou o grupo a fazer músicas tão boas que pudessem dispensar seus vocais. “É fácil, porque faz as músicas se desenvolverem mais rápido, porque ele sabe o que quer. A coisa mais difícil quando você está lidando com um cantor é quando eles têm dificuldade em criar letras e escrever música, porque não é parte deles. Ice faz disso uma parte dele, para que possa escrever. É uma vibe”, disse.

Olha, se bobear, nem no primeiro disco (1992), quando o Body Count decidiu meter o pé na porta com Cop killer (depois arrancada fora do álbum), o grupo de heavy metal liderado pelo rapper Ice-T soou tão violento e feroz quanto nesse Merciless. Não são muitos álbuns de metal que começam com uma sessão de tortura (a vinheta Interrogation interlude) e que depois falam sobre tiro, porrada, bomba e quase todas as armas possíveis para cima do cidadão comum (a faixa-título Merciless, um redesenho funk-rap-metal no riff de War pigs, do Black Sabbath, com versos como “o jogo mudou, estou no topo/não há chance pra você chamar seus policiais racistas/tenho só uma vida pra viver/nenhuma porra mais pra dar”).

Merciless é horrorcore com todas as formas de violência possível, desde o ódio e preconceito do cidadão voltando-se contra ele (a faixa-título) até a neurose da guerra do dia a dia, dos guetos, do racismo, da brutalidade (a versão metal-rap de Comfortably numb, do Pink Floyd, com o próprio David Gilmour na guitarra, e versos acrescentados por Ice-T). Mais do que funcionar como a CNN negra – como o hip hop já foi definido – o disco serve como um banho assustador de realidade. The purge e Psychopath unem universos sonoros (do metal oitentista ao mundo crust de Ratos de Porão e Venom) para falar sobre ataque a racistas, ódio encapsulado e vítimas deixadas pelos cantos.

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Fuck what you heard é o momento “tudo vira bosta” do disco: Biden e Trump, democratas e republicanos, são vistos como todos sendo a mesma merda, como integrantes da mesma gangue, num rolo que envolve Fox News, CNN e gente chorando de barriga cheia (“eu vejo brancos chorando lágrimas do governo/nós negros choramos há anos/democrips, blood-blood publicans/tenho manos presos por causa de maconha, cara”). Lying muthafucka, por sua vez, é porrada desbocada na cara do presidente eleito norte-americano, mas serve para mais gente, inclusive um certo ex-presidente inominável: “eu sei que você está mentindo porque sua boca está se mexendo/toda a sua besteira é evidente/você mente para o mundo inteiro/e planeja concorrer novamente à presidência”.

Em meio a letras sobre guerra nuclear (a direta World war) e sobre como a corda da indústria da música sempre arrebenta do lado mais vulnerável (Mic contract), Merciless tem faixas cujos beats são dados por tiros (Do or die), sons que lembram a primeira fase do Metallica (Live forever) e participações especiais bacanas. A mais significativa é a de Max Cavalera, que faz vocais em português na abertura de Drug lords, metal cromado lembrando o som do Sepultura em Roots, com letra falando sobre a impunidade de quem realmente manda no jogo: “a contagem de corpos está aumentando/eles escaparam impunes de assassinato mais uma vez”. Ouça lendo as letras.

Nota: 9
Gravadora: Century Media.

Crítica

Ouvimos: The Tenementals, “Glasgow: A history (vol I of VI)”

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Ouvimos: The Tenementals, “Glasgow: A history (vol I of VI)”
  • Glasgow: A history (vol I of VI) é o primeiro álbum do The Tenementals, um coletivo de músicos, compositores e professores universitários de Glasgow, na Escócia. A ideia do disco é fala sobre o passado de lutas políticas da cidade.
  • Um dos vocalistas do grupo, o professor de cinema político David Archibald, exemplifica: “Como seria a história, como seria sentida, como seria o cheiro se fosse criada por uma banda? Bem, ela pareceria, sentiria e cheiraria muito como um vinil preto de 12” recém-cortado, recém-saído da capa”, disse aqui.
  • “O álbum conta uma história radical de uma cidade radical de uma forma radical. As músicas se envolvem com a interação complexa da história de uma cidade, em níveis pessoais e políticos. E exploram momentos de possibilidade radical – por exemplo, quando os estaleiros foram ocupados e administrados pelos trabalhadores”, continua.

Da próxima vez que alguém aparecer com aquele velho papo de que música e política não se misturam, dê esse disco para o (a) imbecil em questão ouvir. O Tenementals é um coletivo de músicos e acadêmicos que, em seu primeiro álbum, se dedicou a fazer nove canções contando as histórias do lado politizado e esquerdista de Glasgow, mais populosa cidade da Escócia.

Não são apenas canções, são fragmentos de história radical, de brigas, lutas e movimentações políticas – cabendo até um “eles não passarão” em A passion flowers lament, folk em compasso lento e tom pastoril, que narra contos de homens de Glasgow que lotaram contra o facismo na Guerra Civil Espanhola.

Podendo ser definido basicamente como um grupo folk e revolucionário, o Tenementals está mais para um grupo punk que adota letras descritivas e históricas, e por vezes, lança mão de sons acústicos. Muitas vezes as letras surgem faladas, como em canções de Lou Reed, Leonard Cohen ou do The Fall (este, em especial), ou interpretadas dramaticamente como nas canções do Clash. Na abertura, The owl of Minerva é um pós-punk com marcação cerrada de guitarra, baixo e bateria, propondo um sobrevoo sobre Glasgow e contando histórias de revoluções locais.

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O belo folk punk Pentimento propõe reflexões sobre a história da Escócia no Império Britânico. Universal Alienation (We’re not rats) é pós-punk com synths lembrando Ultravox, e frases lapidares na letra: “A educação neoliberal resulta em alienação universal”, “uma corrida de ratos é para ratos”. Boa parte da canção foi tirada de um discurso do ativista sindical Jimmy Reid.

Temas como revolta operária, morte e deportação de manifestantes, progresso e meio ambiente surgem em faixas subsequentes, como o soft rock Peter Pike or Pink (sobre um “grevista secreto” cuja tumba foi descoberta num passeio por um cemitério), o heartland rock Machines for living, o tom 60’s, às vezes lembrando Velvet Underground, de Post production e o folk tocado com alma punk de Fossil grove.

No final, a alta energia de People make Glasgow – um histórico cantado e falado sobre a cidade e sua alma politizada, aberta com sons de orquestra no começo, e mudando para algo próximo da fúria do The Who mais adiante. Ouça acompanhando as letras.

Nota: 9
Gravadora: Strenght In Numbers Records

 

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Crítica

Ouvimos: Dead Fish, “Labirinto da memória”

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Ouvimos: Dead Fish, “Labirinto da memória”
  • Labirinto da memória é o décimo álbum da banda punk capixaba Dead Fish. Após várias mudanças de formação, o grupo hoje tem Rodrigo Lima (vocalista e o mais longevo integrante da banda), Marcos Mellini (bateria), Ric Mastria (guitarra) e Igor Tsurumaki (baixo).
  • “O disco reflete sobre o passado, mas sem nostalgia. Não é sobre dizer que antigamente era melhor, porque não era. É sobre criar um chão, um alicerce para seguirmos em frente. A gente vive em um país que esquece a própria história, então quisemos usar nossas memórias para construir algo significativo”, contou Rodrigo à Rolling Stone Brasil.
  • As inspirações de Rodrigo para as letras foram o livro Realismo capitalista, de Mark Fisher, e o álbum Roteiro Pra Anöuz, de Dom L.

O álbum mais recente do Dead Fish já saiu há mais de um ano (chegou às plataformas em 12 de janeiro de 2024). E acabou sendo uma boa abertura para um ano em que antigas memórias do país seriam remexidas. Afinal foi em 2024 que saiu o filme Ainda estou aqui, e isso já diz muita coisa. Todo o repertório de Labirinto da memória une afeto, política, lembranças que já foram muita coisa e hoje não têm lá muito significado, memórias que funcionam como cartas jamais enviadas.

O som do Dead Fish é um hardcore mais emocionado do que propriamente “emo”, com letras que, quando você lê, chega a duvidar da hipótese de caberem nas melodias. São frases meio longas, poucos versos rimados, sempre focando na contação de histórias e no resgate de antigas lembranças, como numa linha do tempo que não para de apontar simultaneamente para o passado e para o futuro. Se o Ratos de Porão faz há décadas uma crônica política no punk nacional, o Dead Fish une político e pessoal, em letras tão emocionais quanto mobilizadas.

No novo disco, músicas como Adeus adeus (“um deus que impõe medo/de divino não tem nada”, diz um dos versos) e 49 (cuja letra fala sobre relacionamento pai e filho e traz micropontos de lembranças da infância nos anos 1970), apresentam o ouvinte a esse conceito – assim como as metáforas sobre perda da inocência e dos sonhos em Dentes amarelos. Avenida Maruípe parte de recordações do futebol na infância para chegar a uma história da ditadura militar.

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Interrupção mistura fatos, histórias, imagens e melodias ágeis para falar de poluição, remédios, burnout, solidão. Nomes como Golbery do Couto e Silva (ministro da casa civil do Governo Militar), SNI, Le Cocq (referência à escuderia Le Cocq, primeiro grupo de extermínio do Brasil) surgem para contar uma história dolorida do país em Estávamos lá (“eu cantava o hino/e também estava lá/com os que matavam, com os que morriam/todos prontos para desaparecer”). Temas como família (Aos poucos), bullying (Criança versus criança) e traumas (Labirinto da memória, do verso “não deixar registro é não deixar vestígio”) vão se sucedendo.

No final, Você conhece Pistóia? faz referência ao cemitério militar de Pistoia, na Itália, onde pracinhas da Força Expedicionária Brasileira estão sepultados. A melodia traz baixo e bateria primais, próximos do pós-punk, com clima tenso criado pela guitarra. Na letra, versos que não precisam de muita explicação (“eu estive em sua guerra/limpei suas armas/eu lotei o seu porão/matei ser quem eu pensava/eu defendi suas ideias”).

Nota: 9
Gravadora: Deck

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Ouvimos: Beto Cupertino, “Auto”

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Ouvimos: Beto Cupertino, “Auto”

Houve pouca movimentação em torno do disco novo de Beto Cupertino, Auto. O álbum saiu no comecinho de dezembro, e poucos sites de música notaram sua presença (o Hominis Canidae e o Célula Pop foram dos poucos a falar dele). Aliás, a própria presença do disco num universo de vários álbuns excelentes de 2024 é discreta: são oito faixas em 26 minutos, naquele esquema em que você até fica na dúvida se trata-se de um LP ou de um EP. Por quem os sinos dobram, LP de 1979 de Raul Seixas, tem a mesma duração, e Come on pilgrim, EP dos Pixies de 1987, tem oito faixas e é pouco menor que isso – mas enfim, só detalhes.

O líder da banda goiana Violins já pode se gabar de ter feito um, vá lá, pequeno grande álbum, em que tudo foi feito por ele – Beto compôs todas as faixas, produziu, mixou, masterizou e cantou/tocou tudo. O resultado alude a muitas coisas: emocore dos anos 1990, soft rock, MPB no estilo de Beto Guedes e Guilherme Arantes, rock britânico desolado dos anos 1990/2000 e som agridoce dos anos 1970.

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Já nas letras, Beto toca em feridas alheias, especialmente naquelas que dizem respeito à linha nada fina entre o fracasso e o sucesso. A bela Público pagante é sobre isso. O indie rock tristonho Desnecessário vai além do assunto pedindo “um pouco de paz”. Tamanhos, com seus ritmos quebrados e sua melodia lembrando o rock britânico do começo dos anos 2000, fala sobre coisas que fazemos diariamente, e que fazem com que a gente vá além do nosso tamanho (“o que me prolonga é pensar”, “o que me prolonga é cantar”, dizem dois versos).

Em outras faixas, Beto se mostra um compositor que trilha suas letras no caminho da ironia, e da crônica do dia a dia, mesmo quando fala de assuntos bem sérios – como nas incertezas da contemplativa Sonho de segunda divisão, e na balada pós-punk Vida de terapia, com um riff forte de guitarra costurando toda a música. Uma surpresa é Forte?, a faixa mais acessível do disco, pós-punk com noção melódica de Skank/Samuel Rosa. No final, um som que poderia ter sido produzido por Brian Eno em Plástico bolha. E um flerte com o synth pop em Obrigado por nada – essa última, uma canção sobre ilusionistas da fé e do trabalho, todos bastante em moda nos dias de hoje.

Nota: 9
Gravadora: Independente

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